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O direito eleitoral precisa deixar de ser careta

Que deixemos de regular tamanho de bandeira, justaposição de materiais, quantidade de carros necessários para configurar carreata, campanha em bem de uso comum etc. Que deixemos de ver a arte como inimiga da política.

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Atualizado às 08:11

Nada é mais careta no Brasil que a legislação eleitoral. Não há quem atue na área que não se constranja quando consultado sobre qual é o limite do tamanho dos adesivos, a diferença entre placa e papel plastificado e outras especificações descritas na lei que não tornam as campanhas mais baratas e nem se justificam do ponto de vista ambiental.

É provável que essa seja a última eleição na vigência do atual Código Eleitoral. Uma nova proposta de legislação, já aprovada na Câmara dos Deputados, está pendente de apreciação pelo Senado. O projeto possui avanços, como a revogação do bizarro dispositivo que hoje veda as propagandas de empregarem meios publicitários destinados a criar estados mentais, emocionais ou passionais na opinião pública. Mas há, também, o enorme retrocesso de legalizar a censura aos chamados influenciadores digitais. O direito eleitoral precisa deixar de ser inimigo das formas inovadoras de participação política.

E aí cito Caetano Veloso, que aos 80 anos é o mais disruptivo militante do país. Não há congresso de direito eleitoral em que não se debata sobre a necessidade de se criar uma cultura de doação de pessoas físicas. Os eleitoralistas, por anos, teorizaram sobre a importância de as campanhas mobilizarem os chamados "muitos doadores de poucos reais".

E Caetano comprou essa briga, colocou a sua genial arte à serviço da luta, venceu no TSE, criou um precedente e repetirá a dose para ajudar Alessandro Molon, seu candidato a senador do Rio de Janeiro, que não terá acesso ao Fundo Eleitoral por decisão da direção nacional do seu partido.

Deveríamos aprender mais com ele. Que deixemos de regular tamanho de bandeira, justaposição de materiais, quantidade de carros necessários para configurar carreata, campanha em bem de uso comum etc. Que deixemos de ver a arte como inimiga da política.

Que nos inspiremos no Ato Pela Terra, organizado por Caetano em março para protestar contra uma série de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, para voltar a permitir apresentações musicais em comícios.

Nesse sentido, vejo com preocupação a ação ajuizada pelo PDT contra Bolsonaro pela sua participação na Festa do Peão do Boiadeiro. A petição, muito bem escrita pelos advogados do partido, requer que o TSE determine que o presidente candidato à reeleição se abstenha de participar de eventos "deste porte e natureza".

Se esse pedido for acolhido pelo Tribunal Superior Eleitoral será um retrocesso que será usado como precedente para tolher o direito à manifestação política de candidatos e apoiadores de todas as correntes políticas. O que a legislação veda é que as campanhas ofereçam ao eleitor um show em troca da sua presença em um ato de campanha e não que ocorram manifestações políticas em eventos artísticos. Esse entendimento, que hoje garante maior liberdade de expressão, estará em risco a depender do posicionamento a ser adotado pelo Superior Eleitoral nesse processo.

Que os artistas se manifestem livremente. Que os candidatos discursem onde sejam convidados. Que os influenciadores digitais tenham plena liberdade. Que outros músicos se inspirem em Caetano e ajudem os seus candidatos a arrecadarem fundos. Que o processo eleitoral seja, de fato, a festa da democracia. Parafraseando Djavan, precisamos caetanear o direito eleitoral.

Lucas Lazari

Lucas Lazari

Advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

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