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Proteção de dados pessoais no contexto da logística reversa de equipamentos eletrônicos

O texto avalia a influência e direcionamento da lei 13.709/18 (lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD) no tratamento de dados pessoais coletados no âmbito dos produtos eletroeletrônicos.

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Atualizado às 13:44

Na sociedade pós-moderna os bens de consumo são produzidos em abundância, com ampla utilização de recursos naturais e total ignorância acerca dos danos que podem ser causados ao meio ambiente. Em decorrência da deficiente administração dos resíduos originados do pós-consumo, percebe-se que a degradação ambiental já ultrapassa as fronteiras da sustentabilidade ambiental, em especial, no manuseio e descarte correto de equipamentos eletroeletrônicos, visto que tais aparelhos costumam armazenar dados pessoais.

Hoje, no âmbito da logística reversa de resíduos elétricos e eletrônicos, há uma preocupação adicionada à segurança dos dados pessoais. A partir da experiência de outros países, verifica-se que dados qualitativos e quantitativos sobre a gestão mundial do lixo eletrônico têm contribuído tanto na condução do tratamento adequado de dados pessoais, como na promoção do descarte responsável desse tipo de material. São apontadas as ações necessárias a serem implementadas por empresas, consumidores e governo para que deem aos seus resíduos, o descarte legalmente apropriado no ciclo da logística reversa, fomentando uma mudança de paradigma sobre a segurança no armazenamento, coleta e descarte de dados pessoais, além da preservação ambiental  com o descarte sustentável desses produtos.

No ciclo de vida dos dados pessoais, informações relevantes e, por vezes sensíveis, são monitoradas, utilizadas e compartilhadas para tantas finalidades - devidas ou indevidas - por meio de equipamentos eletroeletrônicos. Diante da importância mundial dos dados pessoais, mas ainda sem dimensão exata de sua relevância e complexidade, em que pese ser categorizado como direito constitucional fundamental, a lei 13.709/18 (lei Geral de Proteção de Dados) conceitua, com clareza, o que se entende por tratamento de dados1.

O dever de segurança da informação no tratamento de dado pessoal é, ainda, muito delicado quando relacionado a dados mantidos em sistemas informáticos. Pela vulnerabilidade que esses sistemas estão expostos, o vazamento  ou destruição de dados são fatores que precisam ser bem geridos em uma gestão de riscos de incidentes de segurança. Partindo da premissa do direito comparado, o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (RGPD ou GDPR) estabeleceu três pilares: governança, gestão e transparência. No que diz respeito à gestão, o processamento de dados deve garantir os devidos registros de dados contemplando todas as operações efetuadas até a destruição do dado2.

Sobre segurança da informação, a normativa ABNT - ISO/IEC 27.002/13, de padrão internacional, diz que o descarte de mídias digitais deve seguir um protocolo de segurança, para evitar a perda e o acesso indevido de dados sensíveis de uma organização. A referida norma dispõe que os sistemas de informação possuem ciclos de vida nos quais eles são concebidos, especificados, projetados, desenvolvidos, testados, implementados, usados, mantidos, retirados do serviço e descartados3.

No Brasil, a lei 12.305/10 que instituiu a Política Nacional dos Resíduos Sólido é uma importante regulação para o Direito Ambiental, em especial porque aborda todo o ciclo de utilização do produto (desde a sua extração na natureza, processamento dos insumos pelo fabricante, comercialização, aquisição do produto pelo consumidor até o descarte final no meio ambiente). Os resíduos sólidos, aqui abordados no contexto dos equipamentos eletroeletrônicos, podem trazer muitas revelações sobre as pessoas, caso não sejam devidamente descartados ou destinado de forma adequada. Ou seja, a preocupação vai além da sustentabilidade ambiental.

Essa legislação institui a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, abrangendo, além dos responsáveis pela limpeza urbana e pelo manejo de resíduos sólidos, os fornecedores de produtos e serviços e os consumidores. Trata-se da adoção do princípio de proteção ambiental da Responsabilidade Estendida do Produto, o chamado Extended Product Responsibility (EPR), que mantém íntima relação com a logística reversa.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi, recentemente, regulamentada pelo Decreto Federal 10.240/20 que estabelece normas para a implementação de sistema de logística reversa obrigatória de produtos eletroeletrônicos de uso doméstico e seus componentes, excluindo aqueles de uso governamental, corporativo, industrial ou comercial por pessoa jurídica.

A logística reversa, por sua vez, é definida no art. 3, inciso XII, da lei 12.305/10. A nova legislação estabelece a obrigatoriedade de estruturação de sistemas de logística reversa inicialmente apenas para alguns tipos de produtos, dentre eles,  os produtos eletroeletrônicos e seus componentes4.

Em alinhamento com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, o Decreto Federal 10.240/20 traz, no quesito equipamentos eletroeletrônicos e eletrodomésticos, uma extensa relação de mais de 200 tipos de bens que devem ser submetidos ao sistema de logística reversa. A logística reversa é obrigatória sendo responsabilidade compartilhada entre fabricantes, importadores, comerciantes, distribuidores e consumidores, este último de modo coparticipativo, seguindo as diretrizes da normativa mencionada5.

Trazendo o tema da logística reversa dessa natureza de equipamentos para a garantia da proteção de dados pessoais, o Decreto também regra que é responsabilidade exclusiva do consumidor, antes de realizar o descarte do equipamento eletroeletrônico nos pontos de recebimento específicos, remover, as informações e os dados privados e os programas em que eles estejam armazenados nos produtos eletroeletrônicos, discos rígidos, cartões de memória e estruturas semelhantes, quando existentes.

A normativa rege que os dados pessoais que porventura não tenham sido excluídos pelos consumidores, dos produtos não trarão consequências de responsabilidade para as empresas e entidades gestoras que participam do sistema de logística reversa, mas logo em seguida, o Decreto também ressalta que o uso indevido desses dados pessoais sem o consentimento do titular, permitirá ao consumidor formalizar denúncia junto às autoridades competentes para que seja apurada a materialidade do fato e a autoria.

Recentemente, novas iniciativas legislativas e administrativas locais têm acentuado a atuação no setor, com a criação de planos regionais de gestão de resíduos sólidos6. Para se ter uma ideia da quantidade de resíduos eletrônicos, no levantamento de informações, o Global E-Waste Monitor 20207, em seu novo relatório sobre lixo eletrônico no mundo revela o descarte de um recorde de 53,6 milhões de toneladas em 2019. Apenas 17,4% dessa quantidade foi reciclada. O estudo destaca que mesmo os países que possuem um sistema formal de gerenciamento de lixo eletrônico são confrontados com taxas de coleta e reciclagem relativamente baixas.

O Reitor da Universidade das Nações Unidas (UNU) e também Subsecretário da ONU, David M. Malone, entendeu que a sociedade não está atuando de forma incisiva na implementação dos objetivos de desenvolvimento sustentável, afirmando serem necessários esforços maiores para garantir uma produção, consumo e descarte global mais inteligente e sustentável de equipamentos elétricos e eletrônicos. A adoção de padrões de consumo e produção responsáveis é uma das premissas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12 - ODS 12 da Agenda 2030 ONU.

Somando-se às ações relacionadas à sustentabilidade ambiental e em estreito diálogo, tem-se, em consonância, as leis 13.709/18 (lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD), 12.305/10 (Política Nacional de Resíduos Sólidos Brasileira) e Decreto Federal 10.240/20, todas corroborando para que as medidas de implementação de sistema de logística reversa obrigatória de produtos eletroeletrônicos ocorram harmonicamente entre os principais partícipes da cadeia de consumo.

Neste ponto em específico, o Brasil vem buscando firmar o seu papel orientativo junto aos consumidores, reforçando que, enquanto titulares de dados, as boas práticas e medidas de segurança da informação são, também, de sua responsabilidade. Portanto, cartilhas e guias têm sido compartilhados para que o consumidor seja treinado e conscientizado do seu papel de "dono do dado", "parte do meio-ambiente", "garantidor do desenvolvimento sustentável", "comprometido com a segurança humana".

O Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com a  ANPD - Agência Nacional de Proteção de Dados  e a SENACON - Secretaria Nacional do Consumidor publicou o Guia do Núcleo de Proteção de Dados do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor onde aborda o papel das organizações públicas e privadas e também do próprio titular dos dados de como as partes interessadas devem tratar e proteger respectivamente os dados pessoais. Para o consumidor, por exemplo, o guia elenca no rol de proteção, o descarte de dados que estejam armazenados em mídias e equipamentos eletrônicos antes de se desfazer deles.

Na Europa, a ERP Portugal, entidade gestora de resíduos elétricos e eletrônicos, possui uma política de privacidade no tratamento e reciclagem de equipamentos com dados pessoais. O instrumento traz recomendações importantes e esclarecedoras para que o titular dos dados remova e elimine de forma definitiva as suas informações pessoais que estejam nos equipamentos antes de entrega-los nos pontos de coleta. E vai além: informa que mesmo se o titular não seguir todas as recomendações, os dados porventura ainda inseridos no equipamento serão destruídos salientando  a sua responsabilidade na destruição dos equipamentos e das informações contidas8.

A Gestão desses resíduos eletrônicos pensando também na proteção dos dados pessoais é, ainda, um ponto de atenção no Brasil e requer mais ações, políticas públicas tantos do Governo como das empresas envolvidas no processo de tratamento dos dados pessoais9.

Verifica-se que a análise comparativa e o estudo das experiências de outras nações no âmbito da proteção de dados pessoais na logística reversa de equipamentos eletrônicos constitui um importante instrumento para o aprimoramento das técnicas e dos instrumentos adotados visando garantir um meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações sem deixar de priorizar a segurança humana.

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1 A LGPD, em seu art. 5º, inciso X conceitua tratamento como 'toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração". Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 26 ago 2022.

2 Art. 4 GDPR Definitions. (2) processing' means any operation or set of operations which is performed on personal data or on sets of personal data, whether or not by automated means, such as collection, recording, organisation, structuring, storage, adaptation or alteration, retrieval, consultation, use, disclosure by transmission, dissemination or otherwise making available, alignment or combination, restriction, erasure or destruction; Disponível em https://gdpr-info.eu/art-4-gdpr/. Acesso em 26 ago 2022.

3 Disponível em http://www.professordiovani.com.br/AdmRedes/NBRISO-IEC27002.pdf. Acesso em 26 ago 2022.

4 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm.  Acesso em 26 ago 2022.

5 O capítulo VIII, art. 31 do Decreto nº 10.240/2020 traz as obrigações assumidas pelo consumidor no âmbito do sistema de logística reversa Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.240-de-12-de-fevereiro-de-2020-243058096. Acesso em 26 ago 2022.

6 Nesse sentido, merece destaque a atuação do Mato Grosso na elaboração e implementação de um Plano Estadual de Resíduos Sólidos (PERS), realizada em conjunto com a Fundação de Apoio e Desenvolvimento da Universidade Federal de Mato Grosso (Uniselva). A Universidade Federal do Mato Grosso inclusive lançou um site para que a população possa acompanhar todas as ações do Plano Estadual de Resíduos Sólidos. Disponível em: . Acesso em26 ago 2022.

7 O Global E-waste Monitor 2020 ( www.globalewaste.org ) é um produto colaborativo da Global E-waste Statistics Partnership (GESP), formada pela UN University (UNU), a International Telecommunication Union (ITU) e a International Solid Waste Association (ISWA), em estreita colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP). A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério Alemão de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (BMZ) também contribuíram substancialmente para o Global E-waste Monitor 2020 deste ano. Disponível em: https://www.itu.int/en/mediacentre/Pages/pr10-2020-global-ewaste-monitor.aspx. Acesso em 26 ago 2022.

8 Disponível em https://eureciclo.pt/politica-de-privacidade-no-tratamento-e-reciclagem-de-equipamentos-com-dados-pessoais/. Acesso em 26 ago 2022. 

9 No Brasil, o recente Decreto Federal nº 10.240/2020, reafirmou a responsabilidade do titular dos dados pessoais em descartar corretamente seus dados de equipamentos eletrônicos que serão reciclados, entregues nos pontos de coletas informados pelos fornecedores/fabricantes

Flavia Gama

Flavia Gama

Advogada Corporativa. Mestranda em Direito, Mercado, Compliance e Segurança Humana pela Faculdade CERS. Pós Graduada em Direito Contratual e em Direito Público.

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