MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. A contagem de prazos no registro civil de pessoas naturais após a lei federal 14.384/22

A contagem de prazos no registro civil de pessoas naturais após a lei federal 14.384/22

Aguarda-se a regulamentação por parte do Conselho Nacional de Justiça e das Corregedorias Estaduais para esclarecer esses pontos que trazem dúvidas para os usuários, Registradores e operadores do Direito.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Atualizado em 29 de agosto de 2022 14:00

A Lei de Registros Públicos passou por considerável reforma, com a entrada em vigor da MP 1.085/21 convertida na lei federal 14.384/22. A inovação legislativa foi sancionada, com alguns vetos, e trouxe mudanças relevantes na Lei de Registros Públicos, exigindo dos operadores de Direito sua imediata aplicação, o que nos exige compreender o seu alcance. Ocupa-se, neste artigo, breve reflexão acerca da contagem dos prazos no Registro Civil de Pessoas Naturais e sobre o pretenso "casamento express".

O legislador buscou dar maior uniformidade na contagem dos prazos processuais, adotando-se a mesma sistemática praticada no âmbito dos processos judiciais para os registros públicos. Diz o art. 9º da LRP:

Art. 9º Será nulo o registro lavrado fora das horas regulamentares ou em dias em que não houver expediente, sendo civil e criminalmente responsável o oficial que der causa à nulidade.

§ 1º Serão contados em dias e horas úteis os prazos estabelecidos para a vigência da prenotação, para os pagamentos de emolumentos e para a prática de atos pelos oficiais dos registros de imóveis, de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas, incluída a emissão de certidões, exceto nos casos previstos em lei e naqueles contados em meses e anos.

§ 2º Para fins do disposto no § 1º deste artigo, consideram-se:

I - dias úteis: aqueles em que houver expediente; e

II - horas úteis: as horas regulamentares do expediente.

§ 3º A contagem dos prazos nos registros públicos observará os critérios estabelecidos na legislação processual civil.

O legislador cuidou da matéria geral "registros públicos" no terceiro parágrafo; ao passo que tratou dos prazos do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas, no parágrafo segundo. Melhor técnica de redação teria o texto se a regra geral estivesse no "caput", porém, essa imprecisão redacional não pode impedir que a lei sancionada repercuta seus regulares efeitos.

Desse modo, o parágrafo 3º não pode ser ignorado. A contagem do prazo nos registros públicos (todas especialidades) deverá observar os critérios da legislação processual civil, ou seja, o CPC de 2015. As principais regras processuais para contagem de prazos são:

1. Prazos em dias úteis

Diz o CPC de 2015:

Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.

A contagem dos prazos estabelecidos em dias nos registros públicos, incluindo-se os prazos do RCPN, serão contados em dias úteis. Nessa esteira, o prazo previsto no art. 50 da LRP1 para o registro de nascimento será de 15 dias úteis.

Essa regra de contagem em dias úteis será aplicada somente quando houver a previsão em "dias". Do contrário, quando houver a previsão em "horas", meses ou anos, a contagem será contínua. Portanto, será ampliado para três meses (corridos) o prazo de registro de nascimento para os lugares distantes com mais de trinta quilômetros da sede do cartório.2

O prazo para registro de óbito será preferencialmente em 24 horas (corridas).3 Se por algum motivo não houver sido realizado nesse exíguo prazo, poderá ser feito no prazo do art. 50, ou seja, 15 dias úteis ou três meses corridos para cartórios situados a mais de 30 quilômetros.

O prazo para fornecer certidões, no RCPN, será de 5 dias úteis.4 Espera-se que agora haja harmonia entre os Estados da Federação nesse ponto. O fornecimento de certidão em horas úteis foi previsto especificamente para o Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas, não havendo exigência semelhante para o RCPN. Cabe lembrar que todos esses prazos são prazos máximos, sendo recomendado que a certidão seja fornecida no menor prazo possível, conforme a realidade de cada unidade registral e o próprio caso concreto5.

Em resumo, salvo disposição expressa em contrário, todas as vezes que a lei prever o prazo para registro em "dias" leiam-se "dias úteis"; quando a previsão for para horas, meses ou anos, serão corridos, conforme art. 219 do CPC de 2015 c/c art. 9º, §3º da LRP.

2. Exclui o dia do começa e inclui o do vencimento

Diz o CPC de 2015:

Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.

§ 1º Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica.

§ 2º Considera-se como data de publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.

§ 3º A contagem do prazo terá início no primeiro dia útil que seguir ao da publicação.

A contagem de prazo excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento será aplicada aos registros públicos, sem maiores dificuldades. Cabe lembrar que o calendário dos serviços extrajudiciais, apesar de semelhante, não coincide com o do Judiciário.

Recomenda-se que se verifique o calendário de expediente do serviço extrajudicial em cada Estado da Federação porque tem regras próprias. Como exemplo, cita-se a consolidação das normas extrajudiciais do Rio de Janeiro:

Art. 14. Os Serviços Extrajudiciais privatizados serão prestados ao público de modo eficiente e adequado, obrigatoriamente em todos os dias úteis, e facultativamente em dia não úteis, em local de fácil acesso e que ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos.

§ 1º. Os Serviços Notariais e Registrais privatizados poderão funcionar nos
finais de semana, resguardando a obrigatoriedade de funcionamento do
Registro Civil de Pessoas Naturais em regime de plantão, nos termos legais e
as demais disposições do §4º deste artigo, sendo livre ao Titular/Delegatário,
Responsável pelo Expediente ou Interventor defini-lo, por sua conveniência e
oportunidade, para atender as peculiaridades locais e a boa prestação do
serviço. (Redação do parágrafo alterada pelo Provimento CGJ 1/17, publicado no D.J.E.R.J. de 11/1/17)

6º. Não haverá expediente nos respectivos Serviços na terça-feira da semana do carnaval; sexta-feira da Semana Santa; e nos feriados nacionais, estaduais e municipais, ficando a critério do Titular/Delegatário, Responsável pelo Expediente ou Interventor o funcionamento na segunda e quarta-feira da semana do carnaval, quinta-feira da Semana Santa, nos dias 24 e 31 de dezembro e naqueles em que for decretado ponto facultativo nas repartições estaduais pelo Governador do Estado.

(Parágrafo acrescido pelo Provimento CGJ 1/17, publicado no D.J.E.R.J. de 11/1/17)

É possível que o cartório tenha expediente em dia não-úteis, um sábado, por exemplo, por  conveniência do serviço, caso em que não haverá qualquer modificação na contagem de prazos: segue a regra geral de contagem em dias úteis, excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.

O fato de o RCPN atender em regime de plantão aos sábados, domingos e feriados, não afeta a contagem dos prazos, uma vez que o legislador não fez qualquer ressalva a esse respeito. O serviço prestado em regime de plantão é excepcional realizado com força de trabalho reduzida e funcionamento parcial, geralmente das 09:00 às 12:00 horas.  Lembra-se que o Poder Judiciário também tem serviço de plantão para feriados e fim de semana para atender medidas urgentes6, e isso não altera a contagem dos prazos processuais, contados em dias úteis. Por não haver expediente regular não é considerado dia útil para efeito processual.

Durante o recesso forense, em que os Fóruns e Tribunais de Justiça fecham para o público, os serviços extrajudiciais trabalham normalmente. Desse modo, a previsão de suspensão dos prazos processuais que ocorre entre 20 de dezembro e 20 de janeiro (recesso forense)7, não se aplica aos serviços registrais. Deverá o usuário observar que o calendário do serviço extrajudicial não coincide inteiramente com o calendário do serviço judiciário, conforme alertado.

3. Habilitação e o casamento "express" ou "las vegas".

Sem dúvida, o ponto mais polêmico das normas aplicáveis ao Registro Civil de Pessoas Naturais. Diante de sua importância e relevância, seria necessário artigo próprio para refletir sobre todas as nuances que envolve um dos atos mais solenes da vida civil: o casamento. Aproveita-se a oportunidade para sinalizar que o denominado "casamento express" ou "casamento las vegas" parece ainda não ter cabimento no Brasil.

Uma leitura apressada do art. 67, §1º, da LRP, na redação trazida pela lei 14.382/22, poderia levar à conclusão de que o Brasil teria adotado o "casamento imediato" ou, como preferem alguns, "casamento express ou las vegas"8. Consiste em realizar o casamento no mesmo dia e hora em que o casal se dirige ao Cartório e manifesta seu desejo de se casar. Se o Juiz de Paz estiver ali presente, os noivos saem de lá casados.

Com o devido respeito, essa não é a melhor interpretação. A LRP não criou o "casamento express" e o Código Civil prevê solenidades para o matrimônio que não podem ser ignoradas em razão de uma infeliz redação da partícual "em até" do art. 67, §1º da LRP.

Para que houvesse um "casamente express", o legislador teria que revogar a previsão dos proclamas e, principalmente, revogar a existência da "oposição" (procedimento administrativo que permite a arguição de impedimentos matrimoniais que equivale àquele jargão muito repetido "quem tiver algo a dizer contra esse casamento, fale agora ou cale-se para sempre").

Os proclamas, ainda que de forma eletrônica, não foram revogados. Tem previsão expressa nos artigos 36, "D"; art. 43; art. 67, §1º; art. 69; art. 70, item "4º", art. 70-A, §1º, todos da LRP. Além da previsão nos artigos 1527 e 1536, IV do Código Civil.

Ressalta-se que o parágrafo 5º, do art. 67, acrescentado pela Lei 14.382 de 2022 prevê a possibilidade de oposição e estabelece o seu rito:

se houver impedimento ou arguição de causa suspensiva, o oficial de registro dará ciência do fato aos nubentes, para que indiquem, em 24 (vinte e quatro) horas, prova que pretendam produzir, e remeterá os autos a juízo, e, produzidas as provas pelo oponente e pelos nubentes, no prazo de 3 (três) dias, com ciência do Ministério Público, e ouvidos os interessados e o órgão do Ministério Público em 5 (cinco) dias, decidirá o juiz em igual prazo.

A LRP prevê a possibilidade de dispensa de editais, em casos urgentes, excepcionalmente.9 Ora, caso houvesse a realização do casamento de imediato, não haveria necessidade desse dispositivo trazido pela nova lei.

Por outro lado, se a lei prevê esse abreviado procedimento de "oposição", não pode o Oficial de Registro simplesmente suprimi-lo, atropelá-lo, como se não existisse, realizando o casamento sem aguardar a fluência de um prazo, ainda que mínimo para que os opoentes façam suas arguições, as quais devem ser feitas antes da celebração. Se o casamento for realizado sem a fluênia de um prazo mínimo para a oposição, haverá simplesmente a queima de uma das etapas do procedimento.

Lembra-se que, para situações urgentes e excepcionais, o Código Civil prevê o casamento nuncupativo, com requisitos próprios.10

Por fim, cabe dizer que o casamento é um dos atos mais solenes da vida civil. Não se pode atropelar procedimentos e ritos consagrados pela cultura jurídica e social. Pelo contrário, é saudável que o casamento seja realizado com um mínimo de prazo de reflexão para os noivos, um "prazo de respiro". A prática nos mostra que, apesar de ser raros os procedimentos de oposição, não é incomum haver desistências de matrimônio, após a deflagração do procedimento de habilitação.

Conclui-se que, pela interpretação sistemática das leis civis, em situações ordinárias, enquanto não for revogado o procedimento de "oposição" não é possível a realização do "casamento express". Instaurada a habilitação, deve o Oficial de Registro dar publicidade da pretensão das núpcias (edital eletrônico) e aguardar um prazo mínimo11 para que torne viável eventual oposição para arguição de impedimentos. Transcorrido esse prazo (a ser fixado pelas doutas Corregedorias), haverá a certificação de "habilitados"12 e será marcado dia e hora para a cerimônia, dentro do prazo decadencial de 90 dias.

Aguarda-se a regulamentação por parte do Conselho Nacional de Justiça e das Corregedorias Estaduais para esclarecer esses pontos que trazem dúvidas para os usuários, Registradores e operadores do Direito.

----------

1 Cf. LRP: "Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado em até três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório."

2 Cf. segunda parte do art. 50 da LRP.

3 Cf. LRP "Art. 78. Na impossibilidade de ser feito o registro dentro de 24 (vinte e quatro) horas do falecimento, pela distância ou qualquer outro motivo relevante, o assento será lavrado depois, com a maior urgência, e dentro dos prazos fixados no artigo 50."

4 Cf. LRP. "Art. 19. A certidão será lavrada em inteiro teor, em resumo, ou em relatório, conforme quesitos, e devidamente autenticada pelo oficial ou seus substitutos legais, não podendo ser retardada por mais de 5 (cinco) dias."

5 Havendo justificativa para o caso concreto é razoável que o prazo possa estendido excepcionalmente.

6 Cf. art. 93, XII, da CF/88

7 Cf. CPC de 2015: "Art. 220. Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive.

§ 1º Ressalvadas as férias individuais e os feriados instituídos por lei, os juízes, os membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública e os auxiliares da Justiça exercerão suas atribuições durante o período previsto no caput .

§ 2º Durante a suspensão do prazo, não se realizarão audiências nem sessões de julgamento."

8 A norma diz que o Registrador deverá certificar em "até cinco dias" a habilitação, cuja interpretação puramente literal levou alguns registradores a interpretar que poderia certificar "habilitados" no exato momento da instauração da habilitação, o que não parece apropriado, conforme será explicado.

9 Cf. LRP: "Art. 69. Para a dispensa da publicação eletrônica dos proclamas, nos casos previstos em lei, os contraentes, em petição dirigida ao oficial de registro, deduzirão os motivos de urgência do casamento, provando o alegado, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, com documentos.

§ 1º (Revogado).

§ 2º O oficial de registro, no prazo de 24 (vinte quatro) horas, com base nas provas apresentadas, poderá dispensar ou não a publicação eletrônica, e caberá recurso da decisão ao juiz corregedor."

10 Cf. CC/02: "Art. 1.540. Quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida, não obtendo a presença da autoridade à qual incumba presidir o ato, nem a de seu substituto, poderá o casamento ser celebrado na presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo grau."

11 A LRP não previu qual prazo seria este. A Corregedoria poderá optar pelo prazo mínimo de cinco dias previsto no art. 67, §1º da LRP. Entretanto, salvo deliberação expressa em contrário dos órgãos disciplinadores, parece permanecer em vigor o prazo de 15 dias previsto no artigo 1527 do Código Civil de 2002 para a oposição.

12 Sugere-se que essa certificação seja feita após transcurso do prazo de oposição (questão que deverá ser definida melhor pelo CNJ e pelas Corregedorias), uma vez que a partir dessa certificação começa a fluir o prazo decadencial de 90 dias da habilitação (art. 1532 do CC), não podendo os noivos serem prejudicados por essa certidão antecipada, caso haja oposição que poderá levar dias ou meses para ser resolvida pelo Judiciário.

Fabio Seabra de Oliveira

Fabio Seabra de Oliveira

Registrador Civil de Pessoas Naturais em Campos dos Goytacazes/RJ. Doutor em Direito Privado pela PUC/MG. Especialista em Direito Notarial e Registral pela UCAM/RJ

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca