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A improbidade administrativa em xeque

Uma avaliação argumentativa sobre a evolução das leis de improbidade e suas consequências administrativas e jurídicas.

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Atualizado às 13:16

Inicialmente, no Brasil, a fiscalização dos atos administrativos se baseava nas Ordenações Filipinas, coadunando com a necessidade de atuação proba e moral dos administradores das colônias. Nesse viés, quando os oficiais de justiça ou  servidores da fazenda praticavam atos de corrupção, perdiam seus ofícios  e pagavam até vinte vezes o prejuízo causado ao erário. Ou seja, já havia naquela época a preocupação com a improbidade administrativa e a possível repercussão em relação aos cofres públicos. Posteriormente, a maioria das Constituições Brasileiras continha explicitamente a preocupação com a probidade e descrevia sanções aos atos contra legem. Por conseguinte, a legislação infraconstitucional  devia se pautar na axiologia da supremacia constitucional e corresponder aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência da Constituição Cidadã. Nessa linha, foi criada em 1992 a lei 8.429 (lei da improbidade Administrativa), cuja tratativa subjetiva se  relacionava a diferenciação de atos dolosos e culposos e  as possíveis  implicações. Após 29 anos, começou-se a questionar sobre a amplitude da culpabilidade da LIA e a temporalidade da prescrição, fazendo com que fosse sancionada a Nova lei de Improbidade (lei 14.230 de 2021). Explicando melhor, surgiram questionamentos, por parte de doutrinadores, se seria razoável e proporcional a sanção de atos culposos causados por imprudência, imperícia ou negligência.

Segundo o ministro do STF Alexandre de Morais "não é possível punir agentes públicos por improbidade culposa, já que seria o mesmo que comparar atos de corrupção aos de inaptidão e incompetência". Ademais, diante de tantas manifestações a respeito do modelo subjetivo brasileiro proposto para culpar atos ímprobos, foi julgada o Recurso Extraordinário com Agravo 843.989 do Paraná , estipulando a segurança jurídica e a perfeita temporalidade da prescrição da improbidade. Nesse ângulo, por conseguinte, houve a geração de reforços  ao orçamento público, uma vez que as empresas brasileiras teriam mais segurança e previsibilidade em contratar com a União. Para exemplificar, se um funcionário público atuasse em uma licitação de uma obra, por exemplo, e agisse com imperícia, não iria ser punido na mesma proporção de um enriquecimento ilícito - uma vez que o ato seria configurado como culposo. Nessa linha, somente atos, sem trânsito em julgado seriam beneficiados pela nova aceitação da lei mais benéfica administrativa.

Todavia , essa nova interpretação da Suprema Corte não pode ser comparada a um salvo - conduto legislativo, pois apesar de não ser punida na esfera administrativa, o servidor pode ser punido nas esferas penal e civil. Nessa perspectiva, é cediço na doutrina que as esferas são independentes e é demandado da autoridade administrativa ou judiciária a fundamentação, o contraditório e a ampla defesa, quando for sancionar o servidor público. Destarte, não se pode comparar o princípio constitucional da retroatividade da norma mais benéfica no âmbito penal com a não punibilidade de atos culposos de improbidade em curso.

Outrossim, a grande discussão sobre retroatividade dos prazos mais benéficos para a prescrição da lei 14.230/21 foi negada, em decorrência  da observância dos princípios  do acesso à justiça e da proteção da confiança.Ou seja, para a maioria dos ministros, se houvesse alterações nesse quesito, iria haver implicações prejudiciais posteriores em relação a processualística das instituições acusatórias, como o Ministério Público, por exemplo.Além disso, é importante destacar que não há prescrição para ações de ressarcimento decorrente de atos dolosos, de acordo com o Tema 897 de Repercussão Geral.

Finalmente, a grande controvérsia apresentada pelos ministros do STF é sobre casos de improbidade indeterminados, sem constatação culposa ou dolosa, cuja interpretação deve ser minuciosamente avaliada pelas autoridades. Nessa toada, conclui-se que há o risco de se culpar desproporcionalmente um ato negligente ou de se estimular a impunidade de atos gravosos. Por conseguinte, pode-se inferir que a sutileza do tema subjetivo deve ser, impreterivelmente, julgada com teleologia comparada e compliance administrativos . Afinal, esse assunto é de interesse coletivo da população e do  Estado, posto que a probidade deve ser uma bandeira defendida pelo funcionário público que é o principal representante das instituições brasileiras. Desse modo, Moraes finaliza dizendo " quem desvia recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação de serviços não só corrói os pilares do estado de direito, mas contamina a legitimidade dos agentes públicos e prejudica a democracia".

Joseane de Menezes Condé

VIP Joseane de Menezes Condé

Discente de Direito em Piracicaba, estagiária do TRT 15 e é formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve para o Jornal Gazeta Piracicaba.

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