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Utilização de câmeras em veículo de transporte de passageiros e a LGPD

Filmagem de passageiros transportados em veículo de aplicativo ou de táxi.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Atualizado às 08:35

Com a facilidade de fotografar e filmar através de nossos celulares e, agora, até mesmo, através de óculos de sol1, muitos motoristas que trabalham com o transporte de passageiros, por aplicativo ou táxi, estão utilizando câmeras no interior do veículo para registrar o tempo e o modo de percurso, visando segurança na relação com o cliente, podendo servir como meio de prova para eventual delito que ocorra no trajeto ou mesmo perda ou esquecimento de objetos.

No entanto, adotar esse procedimento, requer cuidados e atenção no que tange à legislação de proteção de dados pessoais e privacidade.

Não há, ainda, legislação federal que regulamente especificamente monitoramento e vigilância por meio de câmaras de vídeo e áudio em ambientes ou transportes públicos ou em estabelecimento comerciais. Existem, sim, leis estaduais e municipais, como na cidade de São Paulo, a lei municipal 13.541, de 24 de março de 20032, que dispõe sobre a colocação de placa informativa sobre filmagem de ambientes.

A captura de imagem de pessoas físicas, todavia, encontra guarida na nossa Constituição Federal (CF)3, que prevê que o uso de imagem de pessoas sem autorização gera direito à indenização por danos morais e materiais.

A imagem, ainda, é considerada um dado pessoal, sendo capaz de identificar pessoas físicas e, portanto, as regras dispostas na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)4 devem também ser observadas.

Por isso, mesmo diante da possibilidade de instalação de câmeras e filmagens de pessoas no interior dos veículos, se não forem cuidadosamente observadas "todas" as regras pertinentes à proteção de dados pessoais e à privacidade, será ela considerada abusiva e ilegítima, podendo gerar a reparação de danos materiais e morais contra o motorista ou empresa a ele vinculada.

Para a LGPD, o ato de filmar e registrar imagens de pessoas é considerada um tratamento de dados pessoais5, devendo, assim, ter uma base legal para fundamentar esse tratamento.

Além disso, a LGPD distingue dados pessoais de dados pessoais sensíveis e a imagem pode ser entendida como um dado pessoal biométrico ou mesmo inferir uma característica religiosa ou sexual de uma pessoa, o que, então, seria ela classificada como dado pessoal sensível, o qual encontra ainda mais proteção na referida LGPD.

Outro cuidado a ser tomado para utilizar câmeras em veículos é em relação ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, pois além do tratamento necessitar de consentimento específico e em destaque de um dos pais ou de seus representantes legais6, somente pode ser realizado no melhor interesse do menor, o que, a princípio, não seria legítima a captura dessas imagens sem atender a esses requisitos.

Sem dizer que, não se pode aferir se as imagens que são capturadas envolverão apenas os passageiros dos veículos ou também pessoas fora dele, em razão do alcance tecnológico que cada equipamento (câmera) possui. 

O local de armazenamento dessas imagens também deverá estar em conformidade com os padrões de segurança que a referida Lei impõe, emergindo as questões do tipo: "quais imagens serão capturadas (do rosto, do corpo, de parte do corpo)?", "onde são armazenadas?", "são compartilhadas com outras pessoas?".

Outro ponto diz respeito ao direito dos titulares. Além da utilização de avisos de filmagens esclarecendo ao público a finalidade, se faz necessária a existência de avisos de privacidade e segurança (com a indicação de como os titulares podem exercer seus direitos), já que constitui direito dos titulares ter conhecimento sobre os motivos da captura da imagem, a finalidade de sua utilização, o modo de seu processamento e o sistema de segurança envolvido.

Por isso, antes de instalar câmeras nos veículos, necessário examinar de forma criteriosa a sua utilização, especialmente, avaliar se esse meio é o mais adequado para o objetivo que se quer perseguir.

Vale lembrar que recentemente, o Metrô de São Paulo, encontra-se impedido, por ordem judicial7, de utilizar a ferramenta de monitoramento (por reconhecimento facial), sob fundamento de falta de consentimento dos titulares das imagens e em razão da finalidade pela qual pretendiam sua utilização (perfilamento, hábitos de consumo, preferências e outros).

Em razão disso, o entendimento mais razoável é de se utilizar as câmeras, se a finalidade de seu processamento não puder ser razoavelmente cumprida por outros meios que sejam menos invasivos aos direitos e liberdades fundamentais das pessoas físicas.

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1 Em 2021, foi celebrada uma parceria entre a Empresa Ray Ban e o Facebook que originou os óculos de sol inteligente que tira fotos e realiza filmagem (https://www.istoedinheiro.com.br/facebook-apresenta-o-ray-ban-stories-oculos-inteligentes-com-camera/)  

2 http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-13541-de-24-de-marco-de-2003#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20coloca%C3%A7%C3%A3o%20de,ambientes%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&text=Ricardo%20Montoro%20%2D%20PSDB)-,Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20coloca%C3%A7%C3%A3o%20de%20placa%20informativa%20sobre,ambientes%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.

3 Artigo 5, inciso X da Constituição Federal "(...) - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."

4 Lei 13.709/2018 - Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

5 Artigo 5º, inciso X, da Lei 13.709/2018 - LGPD: "(...) tratamento: toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração".

6 Artigo 14 da Lei 13.709/2018 - LGPD.

7 https://exame.com/brasil/justica-mantem-suspensao-de-sistema-de-reconhecimento-facial-no-metro/

Fernanda Natali Queiroz

Fernanda Natali Queiroz

Advogada. Sócia de Godoy Teixeira Advogados. Especializa em direito empresarial, com foco em direito societário, cooperativo e proteção de dados pessoais.

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