Pode a construtora/incorporadora pagar taxa de condomínio menor que os demais condôminos?
Será necessário ingressar com ação contra a construtora, para declarar a invalidade da cláusula, e condená-la ao pagamento de indenização proporcional ao montante que deixou de recolher.
quarta-feira, 17 de agosto de 2022
Atualizado em 18 de agosto de 2022 13:30
1. Do caso em análise
Parecer opinativo acerca de disposição contida em convenção condominial que determina que "A construtora pagará apenas XX% das despesas do condomínio enquanto elas não forem vendidas ou alugadas".
A principal queixa é que a situação supra coloca o condomínio em situação desvantajosa, e os síndicos e administradores questionam sobre a legalidade da referida cláusula, e ações que podem ser adotadas para reequilibrar a receita do condomínio.
É o que bastava relatar. Passa-se à fundamentação de mérito, consubstanciada nas razões de direito doravante expostas.
2. Da fundamentação de mérito
A grande volatilidade do mercado imobiliário impõe desafios e diversos riscos para construtoras e incorporadoras. Desde a fase de lançamento do empreendimento, a lei de incorporações (lei 4.591/64) prevê regras rigorosas e obrigações em face do incorporador, como condições para negociação das unidades imobiliárias.
Um dos principais problemas enfrentados por construtoras e incorporadoras após a conclusão das obras e entrega das unidades - notadamente em períodos de crises financeiras, com a consequente redução no fluxo de venda - surge justamente das unidades imobiliárias que não foram comercializadas (popularmente conhecidas como "unidades em estoque").
Isso porque, além do problema mais óbvio, decorrente de imobilização de ativos, essas unidades também implicam em ônus para as construtoras e incorporadoras na medida em que acarretam custos, notadamente pela incidência e cobrança de taxas condominiais.
Na tentativa de tentar minimizar esses ônus, tornou-se prática bastante comum que construtoras e incorporadoras elaborassem e aprovassem minutas de convenção de condomínio com cláusulas que preveem uma taxa menor para unidades não comercializadas.
Ocorre que a taxa condominial, como bem sabido, destina-se ao pagamento das despesas de conservação e/ou manutenção do edifício, tais como limpeza, funcionamento dos elevadores, contratação de empregados, consumo de água e de energia elétrica, bem como para possibilitar a realização de obras para melhorias da edificação ou implementação de inovações aprovadas pela assembleia geral e pagar eventuais indenizações, tributos, seguros, etc.
Enfim, é dever do condômino contribuir para as despesas do condomínio na proporção da fração ideal ou quota-parte que lhe couber em rateio, conforme disciplina o art. 12 da lei 4.591/64 e art. 1.336, I, do CC/02.
"Interessando a todos a manutenção e conservação do edifício, é de princípio que a todos os condôminos compete concorrer, na proporção de sua parte, para as respectivas despesas" (PEREIRA, Caio Mario da Silva. Condomínio e incorporações - 13ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2018, pág. 114).
Cumpre ressaltar que a taxa condominial é fixada de acordo com a previsão orçamentária de receitas e de despesas, bem como para constituir o fundo de reserva com a finalidade de cobrir eventuais gastos de emergência.
Normalmente se faz a análise da média de custos do ano anterior, levando-se em consideração os reajustes dos serviços (por exemplo, aumento salarial dos empregados) e a previsão de manutenções e reparos a serem realizados no período subsequente. A partir desses dados financeiros, é possível ao condomínio aprovar o orçamento anual e, em seguida, fixar o valor da cota condominial em conformidade com o critério de rateio fixado na respectiva convenção.
Em virtude disso, por questões meramente lógicas, se uma ou várias unidades imobiliárias recebem a redução do valor da taxa ordinária, a consequência é a oneração dos demais condôminos. Há, desse modo, enriquecimento sem causa da parte que se beneficia com o pagamento a menor, em detrimento de toda a coletividade condominial, com evidente violação do inciso I do art. 1.334 do CC/02, que assenta expressamente a observância da proporcionalidade da cota condominial.
Nessa linha, o STJ assentou a invalidade de cláusula que estabelece benefício de caráter subjetivo a favor da incorporadora a ponto de reduzir ou isentá-la do pagamento da cota condominial. Eis, por oportuno, a ementa do referido julgado:
"Condomínio. Despesas. Exoneração da construtora. Invalidade da cláusula. Código de Defesa do Consumidor.
É inválida a cláusula que estabelece, em favor da construtora e incorporadora, o privilégio da exoneração da obrigação de contribuir para as despesas do condomínio, imposta na escritura de convenção por ela outorgada.
Possibilidade do exame da validade de clausula contratual à luz dos critérios objetivos fixados pelo 'CODECON'.
Recurso conhecido e provido em parte."
(REsp 151.758/MG, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 5/3/98, DJ 29/6/98)
Com efeito, a referida norma convencional, em análise perfunctória, viola o princípio da isonomia, pois além do tratamento manifestamente desigual, não haveria qualquer fundamento ou justificativa para este tratamento desigual, eis que destinado a favorecer as partes mais fortes da relação (construtora/incorporadora/investidores).
Não há como se alegar que os termos fixados na convenção se trata de manifestação de vontade dos condôminos, derivado da sua capacidade privativa de autorregularem-se ("Interna Corporis"), por ser fruto da vontade única e exclusiva da construtora, conquanto detentora da totalidade das frações ideais, à época em que a convenção fora redigida. Trata-se, portanto, de cláusula puramente potestativa.
Similarmente, a ausência de morador na unidade imobiliária não constitui circunstância apta a ensejar a redução do valor da taxa condominial. Isso porque no caso analisado, os apartamentos do condomínio se servem das áreas comuns e dos demais serviços por ele oferecidos, motivo pelo qual o só fato de serem colocados à disposição dos condôminos gera o dever de contribuir.
Em outras palavras, a disponibilidade dos serviços e a possibilidade de fruição são requisitos essenciais para ensejar o pagamento da cota condominial. Assim, se o condomínio tem, em sua área de lazer, piscina, sauna, academia e o condômino não usufrui nenhum deles, não pode utilizar esse argumento para postular a redução do valor da taxa devida.
Da mesma forma, se determinado proprietário de apartamento ficasse um breve ou longo período sem utilizar o imóvel (por exemplo, em caso de férias familiares), também não caberia requerer, durante esse tempo, a isenção ou diminuição do valor da cota devida ao condomínio.
Assim, se a construtora ainda não comercializou as unidades habitacionais, seja por opção ou por falta de adquirentes, inexiste justificativa apta a provocar a redução do valor da taxa condominial do montante necessário para manutenção dos serviços essenciais.
3. Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que o mais recomendado, é promover a alteração da convenção condominial, no intuito de revogar a referida disposição, o que pode ser realizado com maior facilidade observando as alterações trazidas pela lei 14.309, de 8 de março de 2022, que alterou o Código Civil para permitir a realização de reuniões e deliberações virtuais pelos condomínios edilícios, e para possibilitar a sessão permanente das assembleias condominiais.
Essa alteração da convenção já resolve o problema com relação às parcelas vincendas, que tornar-se-ão exigíveis na totalidade a partir do novo registro.
Com relação às parcelas que já venceram, e foram pagas a menor, será necessário ingressar com ação contra a construtora, para declarar a invalidade da cláusula, e condená-la ao pagamento de indenização proporcional ao montante que deixou de recolher.
É o parecer.