Ativismo judicial e os temas 881 e 885 da repercussão geral à luz da teoria de Dworkin
Dworkin é talvez o maior jusfilósofo de nosso tempo, um de seus alertas é o perigo de se misturar política com justiça, no texto mostramos a relação da sua teoria com o direito tributário e o STF.
terça-feira, 16 de agosto de 2022
Atualizado às 11:06
Um dos pensadores da filosofia do direito mais conhecidos da contemporaneidade é Ronald Dworkin, que ao longo de sua vasta produção bibliográfica constantemente nos alerta sobre os riscos de os Juízes levarem a cabo orientações políticas para decisões judiciais, gerando um ciclo vicioso de vereditos pragmáticos, que por último descambam em decisões discricionárias e antidemocráticas.
Os ensinamentos do autor começaram a reverberar nos idos da década de 70/80 nos EUA, período conturbado da história americana que enfrentava além da Guerra do Vietnã, da Crise do Petróleo e do embate geopolítico com os Russos, uma crise política interna, diferente do usual para a história do país, com escândalos como o Watergate. É nesse contexto que se expande naquelas terras o Ativismo Judicial, um fenômeno comum aos dias atuais em terras Tupiniquins.
No Brasil o Ativismo Judicial tem contornos um tanto quanto diferentes daqueles encontrados nos Estados Unidos, e é marcado por decisões emblemáticas do Supremo Tribunal Federal (STF) especialmente em escândalos de corrupção, como aquelas do Mensalão e da Lava Jato, mas referidos pronunciamentos não são exclusividade da esfera penal e criam mazelas jurídicas em outras áreas.
Não é de hoje que a pauta do STF sobre as questões tributárias provoca arrepios em contribuintes, gestores, advogados, empresas e basicamente em todo o povo brasileiro (que em sua maioria sequer sabe sobre o que está sendo tratado e são impactados direta ou indiretamente pelas decisões).
Os mais recentes debates, e que diga-se de passagem, tem a possibilidade de se tornarem emblemáticos, são os temas 881 e 885 da Repercussão Geral, que tratam sobre os limites da Coisa Julgada Tributária, tanto em controle concentrado (por meio das ações constitucionais típicas, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade) quanto em difuso (com controle incidental) de constitucionalidade.
Basicamente, o que se está em jogo é a possibilidade de revisão do trânsito em julgado a partir de uma decisão do STF que declare constitucional a cobrança de um tributo continuado, sem que se ocorra o ajuizamento da Ação Rescisória (a cabível para atacar o trânsito em julgado).
É facilmente perceptível que tal decisão trará efeitos devastadores para a Segurança Jurídica de nosso ordenamento, impactando em especial as empresas, que agora terão que acompanhar discussões que não lhes eram mais necessárias, ad eternum, temendo por qualquer mudança jurisprudencial (extremamente usuais). Mas o que poderá advir desse possível novo entendimento?
Diversos estabelecimentos ao longo dos anos conseguiram pronunciamentos favoráveis que os desobrigavam da necessidade de pagamento de tributos, isso por óbvio traz um impacto competitivo no mercado e favorece os seus produtos.
Ocorre que, o contribuinte não pode ser punido por ter buscado as vias corretas e se beneficiado de decisão estatal que, anos depois teve o entendimento jurídico alterado.
Os casos em comento encontram-se, atualmente, com pedido de vista para o Min. Alexandre de Moraes, após foto favorável a tese fazendária pelos relatores Min. Edson Fachin (Tema 881) e Min. Luís Roberto Barroso (Tema 885), assim o contribuinte perderia automaticamente o direito ao não pagamento do tributo diante de decisão posterior.
Se trata de verdadeiro contrassenso, já que há um ano os ministros da Corte ratificaram em plenário o entendimento trazido no tema 136 da Repercussão Geral, de que:
"Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente".
Logo, flexibilizar a coisa julgada visando a defesa da competitividade e um bem econômico geral, sem que se tenha ao menos um processo com a ampla defesa e o contraditório acabaria por trazer mais obstáculos do que resoluções em um estado democrático de direito.
Há que se dizer ainda que, o entendimento exposto um ano atrás, reflete uma posição mais alinhada com o princípio da Segurança Jurídica, e capaz de trazer mais frutos e prosperidade para o futuro de uma nação do que eventual decisão pragmática.
Um contrassenso a "teoria do Romance em Cadeia" de Dworkin que, em linhas gerais, traz o direito como uma história contatada por diversos agentes ao longo do tempo, devendo seguir um caminho coerente, com o âmago do respeito às leis, precedentes e normatividade dos princípios para o avanço da sociedade.