Controvérsia - Aplicação do tema 677/STJ quando o depósito judicial é realizado para fins de impugnação
O julgamento da controvérsia 190/STJ, cuja proposta é a revisão do tema 677/STJ, pode sedimentar o entendimento a respeito da responsabilidade do devedor que efetua o depósito em juízo apenas para o oferecimento de impugnação.
segunda-feira, 15 de agosto de 2022
Atualizado às 14:01
DEPÓSITO JUDICIAL PARA GARANTIA DO JUÍZO
O STJ julgará matéria que é especialmente relevante à fase de cumprimento de sentença do processo: a responsabilidade do Executado pelos consectários da mora, até que o valor depositado em juízo seja disponibilizado ao credor.
O julgamento da controvérsia 190/STJ pode trazer novos nuances à fase do cumprimento de sentença.
Na fase de cumprimento de sentença, o Código de Processo Civil prevê a possibilidade do pagamento voluntário (Artigo 523, CPC) bem como dispõe sobre a possibilidade do executado, após intimado, retomar a discussão do título executivo através da impugnação (artigo 525, CPC).
Na hipótese de apresentação de impugnação, o Executado pode requerer a atribuição de efeito suspensivo aos atos executivos, inclusive os de expropriação, desde que tenha garantido o juízo, isto é, apresentado penhora, caução ou depósito suficientes, conforme previsão do art. 525, §6º, CPC.
Ocorre que, diferentemente do pagamento voluntário, em que o valor é disponibilizado ao credor de forma célere, a atribuição de efeito suspensivo quando é realizado o depósito judicial para fins de garantia do juízo, condiciona o levantamento dos valores pelo Exequente ao pagamento de caução suficiente e idônea a ser arbitrada pelo juiz (artigo 525, §10, CPC).
Daí surge a controvérsia a respeito da liberação da mora do devedor:
De acordo com o artigo 394 do Código Civil, o pagamento libera o devedor da mora. Assim, ao menos em tese, o depósito judicial teria efeito de purgar a mora.
No entanto, a Lei Processual prevê a exigência de prestação de caução pelo Exequente para que este tenha acesso ao valor depositado pelo Executado. Logo, se o valor foi realizado apenas para garantia do juízo, mesmo com a possibilidade de o devedor efetuar o pagamento voluntário total ou parcial, há questionamentos se o depósito para fins de garantia do juízo é considerado pagamento, e, consequentemente, neutralizaria os efeitos da mora.
Assim, o julgamento da controvérsia 190/STJ, cuja proposta é a revisão do tema 677/STJ, pode sedimentar o entendimento a respeito da responsabilidade do devedor que efetua o depósito em juízo apenas para o oferecimento de impugnação e de sua liberação dos encargos da mora.
CONTROVÉRSIA 190/STJ - APLICAÇÃO DO TEMA 677/STJ QUANDO O DEPÓSITO JUDICIAL É REALIZADO PARA FINS DE IMPUGNAÇÃO
Sob a relatoria da Exma. Ministra Nancy Andrighi, a controvérsia em julgamento definirá se, na fase de execução, o depósito judicial do valor da obrigação isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia depositada ao credor.
A Segunda Seção havia firmado a tese do tema repetitivo 677, no julgamento do REsp 1.348.640/SP (publicado em 21/5/14), com o entendimento de que "na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada."
À época, o cerne da discussão que ensejou a edição do tema 677/STJ era justamente a definição da responsabilidade da instituição financeira credenciada pelo Poder Judiciário quanto à atualização monetária dos depósitos judiciais, à luz do entendimento já sedimentado das súmulas 179 e 271 do STJ.
Na ocasião do julgamento, a Corte Especial do STJ definiu que seria obrigação da instituição financeira depositária, a atualização dos valores depositados em juízo. Todavia, no julgamento não foi explorada a liberação do devedor dos consectários da mora.
Em agosto de 2016, no julgamento do REsp 1.475.879/RJ, a Terceira Turma do STJ deu nova conformação a esse entendimento, relativizando o entendimento do tema 677/STJ quando o depósito judicial não fosse realizado com o intuito de pagamento ao credor.
A trilha de raciocínio adotada pela terceira Turma do STJ é a de que a responsabilidade da instituição financeira depositária, obrigada a efetuar o pagamento dos juros e correção monetária sobre o valor depositado, convive com a obrigação do devedor de pagar os consectários próprios de sua mora, segundo a previsão contida no título executivo, até que ocorra o efetivo pagamento da obrigação ao credor.
Verdade é que, a partir de então, a jurisprudência da Terceira e da Quarta Turma do STJ passou a oscilar entre a aplicação, ou não, do tema 677/STJ nas hipóteses em que o depósito judicial não é feito com o propósito de pagamento ao credor, mas sim para fins de impugnação à execução, o que motivou o acolhimento da questão de ordem referente à tese do Tema Repetitivo.
Para quem defende a proposta de revisão do tema 677/STJ, o entendimento é no sentido de que a liberação do devedor dos consectários da sua própria mora, após impugnação infundada ou protelatória, coloca apenas o credor em prejuízo.
Afinal, o depósito para fins de garantia do juízo e oferecimento de impugnação é incompatível com o pagamento voluntário da obrigação.
Isto porque a garantia do juízo não tem animus solvendi, ou seja, o devedor não tem a intenção de solver a dívida. Ao contrário, o intuito é de postergar a discussão a respeito do valor executado, sem que isso enseje na liberação do valor depositado ao credor.
De forma semelhante, também não se assemelharia à consignação em pagamento, já que, até mesmo na ação de consignação em pagamento, o devedor não fica liberado de sua obrigação dos encargos de mora, quando há a consignação parcial do pagamento (artigo 545, §1º, CPC), além de que o credor tem acesso imediato à liberação do valor incontroverso.
O entendimento desfavorável à reforma do tema 677/STJ é abonado pelos argumentos de que os depósitos, ainda que para a garantia do juízo, têm o efeito de purgar a mora, uma vez o depósito judicial não impede que o credor tenha acesso absoluto aos valores, ainda que haja previsão de pagamento de caução por parte do credor.
Ademais, a tese contrária à reforma proposta pela controvérsia 190/STJ, entende que eventual demora na disponibilização do valor do depósito judicial ao credor se dá pelo exercício de cautela do juízo e não de atitude ou escolha do devedor depositante.
Há ainda, parte da corrente que defende a aplicação da atual redação do tema 677/STJ, também em relação aos depósitos judiciais para fins exclusivos de garantia do juízo, sob o receio de que o eventual acolhimento do overruling possa desestimular o devedor de oferecer dinheiro à penhora, incentivar a substituição de eventual penhora de dinheiro, e tornar a execução ainda mais morosa.
De toda sorte, a lei prevê que a responsabilidade do banco é remunerar o valor que foi confiado enquanto instituição depositária dos valores confiados pelo juízo.
Contudo, a atualização das instituições financeiras, normalmente, não coincide com correção monetária, juros e honorários previstos no título judicial. Assim, o insucesso do acesso ao valor depositado para garantia em juízo por parte do Exequente, acarreta prejuízo apenas ao credor.
Diante da divergência de entendimento sobre o tema a proposta da controvérsia 190/STJ é a adoção do entendimento de que na fase execução, o depósito para fins de garantia ou decorrente da penhora de ativos financeiros, não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, que será calculado conforme o título executivo, atualizado até o efetivo repasse do dinheiro ao credor, deduzido do montante final o saldo da conta judicial.
Portanto, o resultado do julgamento poderá trazer novas conformações à fase de cumprimento de sentença, para o credor, para a instituição financeira depositária e, especialmente, em relação às obrigações do Executado, que poderá ser obrigado a pagar o saldo remanescente do título executivo após o julgamento da impugnação que apresentou.
Ana Caroline de Oliveira Castro
Advogada do escritório Santos Perego & Nunes da Cunha Advogados Associados.