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Esterilização voluntária, senado a aprova lei com novas diretrizes

O planejamento familiar e a decisão da autonomia de seu corpo são direitos personalíssimos do ser humano, visto que afeta diretamente várias áreas daquele indivíduo.

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Atualizado em 16 de agosto de 2022 07:34

A autonomia e liberdade do corpo são direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal, no qual o planejamento familiar e os métodos contraceptivos, irrestritos, concretiza tais direitos na sociedade. Por isso, o cidadão deve ter acesso, independentemente do modo e do tempo, de todos os meios de prevenção da concepção natalina precoce e/ou planejamento familiar.

O projeto de lei, aprovado pelo senado, no dia 10 de agosto de 2022, 1.941/22 altera diversos aspectos da esterilização voluntária. O projeto de lei, agora, vai para sanção presidencial, no qual, após aprovação, terá uma vacância de 180 dias.

A laqueadura e vasectomia são medidas de esterilização voluntária, de caráter irreversíveis e permanentes, com pequenas chances de falhas, com o intuito de efetivar o devido planejamento familiar. Não só isso, em alguns casos, muitas mulheres e homens não desejam ter filhos, por livre vontade, sendo assim, caso queiram optar pelo método cirúrgico de esterilização, são obrigados a ingressar com uma ação judicial ou efetuar de forma clandestina. O risco a saúde, no último caso, é grande.

Uma das principais alterações é que reduziu a idade de 25 anos para 21 anos, permitindo que a pessoa faça o procedimento, após 60 dias do requerimento. Não só isto, a lei retirou a obrigatoriedade de o cônjuge consentir com o procedimento, expressamente. Não só isto, a lei prevê a realização, no mesmo momento do parto, do procedimento de esterilização voluntária.

A lei 9.263/96, com a redação antiga, principalmente, no que tange ao procedimento de esterilização voluntaria conjuntamente com o parto, colocava a mulher em duplo risco cirúrgico, pois era obrigada a passar por dois procedimentos cirúrgicos, no qual é possível ser feito em uma única vez.

Absurdamente, a mulher ou o homem, ao tomar a decisão de efetuar a esterilização voluntária, tinha a obrigação de passar pelo crivo de seu cônjuge, o que fere de morte a autonomia da vontade, principio essencial para uma democracia. A lei anterior gerava uma sensação de posse do outro, pensamento antiquado, retrógado, porque se o cônjuge não assinasse o termo de consentimento, o cidadão não efetuaria o procedimento, e ponto final. Diante desse impasse, depois da decisão tomada, em muitos casos, o divórcio se tornava medida obrigatória, pois o indivíduo não teria a sua decisão demovida com facilidade, sendo um ponto crucial para o fim do laço matrimonial.

Existem outros pontos a serem tratados, como: religião; crença política; e dentre outras; o que não são pontos foco deste texto. O certo é que os riscos à saúde e autonomia da vontade em relação ao seu corpo, prevaleceram, agora teremos um outro problema, o aumento das demandas judiciais para a concessão de tal tratamento, em face de planos de saúde e do SUS.

No que tange a planos de saúde, a decisão vai aumentar a procura de tais procedimentos, visto que o público-alvo foi alargado. O procedimento da laqueadura e vasectomia estão previstos no rol da ANS, através das diretrizes de utilização 11 e 12. Mesmo com tais resoluções, é sabido por todos, que existem casos em que planos de saúde negam a realização dos procedimentos e são condenados a efetuá-los e/ou ressarcir o segurado pelos valores pagos1.

A lei defesa ao consumidor, evidentemente, afirma que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de forma favorável ao consumidor, segundo o art. 47 do Código de Defesa ao Consumidor, no qual a recusa da operadora de saúde é vista como abusiva e arbitrária, afrontando diversos artigos legais da lei consumerista.

Nos casos, em que o plano de saúde dispor expressamente no contrato de prestação de serviço a impossibilidade do tratamento de esterilização voluntária, aquelas cláusulas são nulas, por enfrentar lei ordinária, como pode se ver abaixo:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV - Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

Neste diapasão, o ato ilícito é conceituado no código civil, no art. 186, da seguinte forma: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. "; por isso a negativa indevida de um procedimento viola diretamente o direito do segurado, sendo passível de indenização, tanto por dano moral e como por dano material.

Já no Sistema Único de Saúde tem o dever de provisionar o tratamento, com base na constituição federal, conforme abaixo:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional 90, de 2015)

Parágrafo único. Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária

 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Quando o paciente não possui plano/seguro de saúde, o tratamento será custeado pelo Estado, conforme a decisão do Supremo Tribunal Federal, através do recurso extraordinário repetitivo 855178 RG, em casos do SUS, firmou a seguinte tese:

"O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente."2

Diante de todo o exposto, o planejamento familiar e a decisão da autonomia de seu corpo são direitos personalíssimos do ser humano, visto que afeta diretamente várias áreas daquele indivíduo. A lei, após a sua sanção, constituirá alguns dos diversos anseios da nossa sociedade contemporânea, no qual há muito a se conquistar.

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1 https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/informativos/2018/informativo-de-jurisprudencia-n-370/laqueadura-tubaria-2013-negativa-do-plano-de-saude-2013-danos-material-e-moral

2 Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur454780/false

Thayan Fernando Ferreira Cruz

Thayan Fernando Ferreira Cruz

Advogado, Pós Graduado em direito público, Militante na área de direito médico e direito da saúde. Membro das comissões de Direito médico e TED/ MG. Sócio Fundador da Ferreira Cruz Advogados

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