O xadrez e o Direito
Ao pegar um tabuleiro de xadrez o sujeito não percebe a importância do jogo do qual se pretende jogar. Muitos procuram caminhos mais fáceis, como jogar dama. Outros preferem passar a vez, deixando de ser jogador para ser mero espectador de mais um jogo de xadrez.
segunda-feira, 26 de março de 2007
Atualizado em 23 de março de 2007 12:25
O xadrez e o Direito
Marcel Janot*
Ao pegar um tabuleiro de xadrez o sujeito não percebe a importância do jogo do qual se pretende jogar. Muitos procuram caminhos mais fáceis, como jogar dama. Outros preferem passar a vez, deixando de ser jogador para ser mero espectador de mais um jogo de xadrez.
As cores das casas brancas e pretas distribuídas pelo tabuleiro do xadrez indicam caminhos possíveis para uma batalha mental entre os jogadores. Como dizia um pensador, do qual não me recordo o nome: "as idéias brigam, os homens não". Assim é o xadrez, uma disputa de idéias, teorias, e experiências de jogadas antigas, representadas por duas pessoas, sendo um jogador de cada lado, movendo peças de cores diferentes.
O Direito, por sua vez, apresenta-se de forma bastante parecida a um jogo de xadrez, onde a disputa entre os jogadores não é pessoal, mas intelectual. Os advogados, ao representarem seus clientes, utilizam toda sua teoria estudada, experiências vividas em outros processos, para, de forma inteligente, vencer aquele conflito de interesses. Porém, nem sempre um sairá vencedor, sempre havendo, a possibilidade de um acordo, ou empate, igualmente como no jogo de xadrez, em que ambos saem perdedores (pontuação menor que a vitória) e vencedores (mesmo assim obtém uma pontuação).
Uma partida de xadrez é como uma audiência a ser realizada pelo advogado. Antes de mais nada ele deve ter toda a preparação teórica e prática para saber atuar no momento certo, tendo presença de espírito para defender o seu cliente como se estivesse defendendo um ataque do oponente no jogo. Após análise da situação, verifica os caminhos por onde pode atacar e argumenta, buscando o convencimento do juiz.
No xadrez não há um juiz para dar o decisum, porque pela regra do jogo, consagra-se vencedor aquele que capturar a peça representada pelo Rei adversário, mediante cheque-mate (jogada em que o rei sucumbe ao xeque, não mais possuindo jogadas de defesa para salvar-se, determinando o fim da partida).
Outro ponto relevante para uma similaridade entre o xadrez e o Direito é a questão do tempo. Os advogados possuem prazos para realizarem os atos processuais, e durante uma audiência esse prazo é quase que instantâneo, imediato. Assim como no xadrez, em que os jogadores possuem um relógio denominado "relógio de xadrez" que passou a controlar o tempo das partidas, não permitindo mais aos jogadores efetuarem lances isolados com muito dispêndio de tempo. E, à medida que vai gastando o precioso tempo em jogadas isoladas, pode-se perder a partida por expiração de prazo, sem completar todas as jogadas necessárias.
Qualquer um pode jogar xadrez, suas regras são relativamente simples, porém, a habilidade e inteligência ao mover as peças buscando o objetivo necessário para vencer a partida dependerá de muito estudo, técnica e, muitas vezes, do dom particular. O mesmo se pode falar do Direito. Muitos têm o dom da oratória, a capacidade de inverter a situação, a habilidade de posicionar-se na hora correta, no entanto, essas qualidades de nada valem sem um estudo técnico da legislação.
Muitos enxadristas ao estudarem doutrina, estudam, principalmente, as partidas realizadas pelos grandes mestres, cada passo, cada peça movida, e cada resultado conquistado. Não é diferente no Direito, o jurista, seja ele advogado, promotor ou magistrado, deve conhecer os procedimentos legais, os posicionamentos teóricos, e as decisões proferidas pelos tribunais.
Porém, o mais interessante para relacionar um com o outro é que em ambos, apesar de conhecer o mais profundo possível a doutrina e a prática, não existe a possibilidade de esgotá-las, pois as possibilidades num jogo de xadrez são praticamente inexauríveis, assim como no Direito. É possível ter casos parecidos, até iguais, mas sempre haverão casos novos e diferenciados. Não há como prever todas as possibilidades. Só a título de curiosidade, "em 1893 James Mason calculou quantas possibilidades existem para jogar os primeiros dez lances (no xadrex): ao todo 169.518.829.100.544.000.000.000.000.000.000! Mais inimagináveis ainda é o número aproximado das variantes numa partida de 40 lances: 25 x 10115 - portanto uma cifra de 117 algarismos" (DOUBEK, Josef. Trad. Harald Gollnow. Xadrez para Principiantes. Rio de Janeiro, Ediouro. p. 23).
Mas é na justificativa de um apaixonado pelo jogo que descobrimos relações significantes entre o jogo e a advocacia, quando afirma que "o xadrez é mais do que um simples jogo, mais do que um mero passatempo. A capacidade de enxergar e de prever, de abranger uma partida em sua totalidade, de escolher entre muitas possibilidades imagináveis qual é a melhor, de pacientemente buscar soluções em circunstâncias adversas, não é uma característica exclusiva do xadrez. Já no ano de 1779, o grande estadista norte-americano e moralista Benjamin Franklin, entre outras coisas também um apaixonado enxadrista, no seu ensaio 'Moral of Chess', exaltou o jogo do xadrez como um meio de educação, pois ele ensina 'providência, preocupação com o futuro'... 'ponderação no exame do tabuleiro'... 'cautela que não deixa que façamos os nossos lances apressadamente e sem reflexão'... e, acima de tudo, a regra utilíssima de 'jamais desanimar e esmorecer, ainda que aparentemente as coisas não andem muito bem'; aprendemos a 'esperar uma reviravolta favorável e a persistir na busca de uma saída." (DOUBEK. p. 89).
Mas ao falar em Direito, não nos remetemos somente à carreira do advogado, mas também à do magistrado, que com a sua imparcialidade e sabedoria deve decidir cada etapa do processo, com cautela e paciência, de maneira inteligente, sensata, e eficaz, para que sua decisão não gere dúvidas, suscetíveis a recursos, o que seria dizer, possibilitando ataques da parte adversária no xadrez.
No entanto, deve-se sempre ressaltar que todos os caminhos, desde a abertura, devem conduzir ao mesmo objetivo, que no jogo de xadrez, é sempre dar o xeque-mate ao rei inimigo. Já no Direito, mas precisamente na Petição Inicial, temos a mesma regra de caminhar diante da fundamentação da causa de pedir, seja realçando os fatos ou o direito, para concluir com os pedidos. Ou ainda, na sentença prolatada pelo juiz, que deve conter como requisitos essenciais o relatório e a fundamentação conduzindo uma parte dispositiva (conclusiva) no mesmo sentido do que foi apresentado.
Concluindo, falemos daqueles que merecem destaque: o professor. Todos os alunos tendem pra uma área por ter tido um professor, seja na faculdade ou no estágio, mas alguém que lhe tenha ensinado, que lhe tenha proporcionado caminhos a serem trilhados. Encarando que muitos professores também foram alunos, e tiveram os seus professores, isso não lhe tira a característica de que hoje ele seja um destaque aos seus alunos, pelo contrário, só o valoriza saber que seguiu corretamente os espinhosos caminhos até chegar ao momento de também ser mestre de alguém, um grande mestre.
No xadrez, "Grandes Mestres" foi a homenagem feita pelo czar da Rússia Nicolau II aos cinco primeiros colocados do torneio de xadrez de São Petersburgo de 1914, quais sejam Lasker, Capablanca, Alekhine, Tarrash e Marshall. Hoje, a designação "Grandes Mestres" é um título esportivo conferido pela Federação Internacional de Xadrez (FIDE), de acordo com normas estabelecidas. Existe, atualmente, um pequeno grupo internacional de elite, que viajam, escrevem livros sobre xadrez, e exibem-se em "simultâneas" (quando jogam contra vários oponentes ao mesmo tempo), além de realizarem jogadas geniais que causam entusiasmo e admiração da platéia.
Mas, por falar em grandes mestres, um deles já sinalizava quanto à relação entre o xadrez e o Direito, por exemplo, o Grande Mestre alemão Lothar Schmid que "igualou o raciocínio do jogador de xadrez ao de um advogado. Ele lida com um adversário, um promotor, por exemplo. O jogador, disse Schmid, tem uma determinada concepção que, todavia, é sempre rebatida, conforme acontece com o advogado. Ambos nunca estão a salvo de surpresas desagradáveis da parte do adversário, nunca sabem o que o outro traz escondido na manga, sendo obrigados a sobrepujar, por meio de reflexões lógicas, todos os perigos que surjam. O jogador não opera sozinho no tabuleiro, ele tem de reagir aos lances contrários. E conquanto conheça perfeitamente o conjunto de regras (como o advogado conhece o Código Civil), não está imune às dificuldades que, embora previsíveis, na prática sempre costumam sobrevir repentina e surpreendentemente." (DOUBEK. p. 92)
Por fim, não deixemos de dar um tom cômico ao tema, afinal, estamos relacionando o Direito ao Xadrez, um esporte reconhecido, e também um jogo divertido, um passatempo. Então falemos em alto e bom som: no Direito, todos aqueles que não cumprirem as normas, serão encaminhados ao "xadrez".
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*Estudante de Direito do 10º semestre da UNIME - União Metropolitana de Educação e Cultura, em Lauro de Freitas - BA.
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