Pequenos comentários ao PL 2.033/22, ora em tramitação
Agora é aguardar as cenas dos próximos capítulos e a discussão que acontece no Legislativo, sempre com a esperança de que o SUS passe a ocupar, para todos, o seu papel de agente principal e de real regulador dos serviços de saúde no Brasil.
quarta-feira, 10 de agosto de 2022
Atualizado às 13:32
A discussão da vez é o PL 2033/22,1 que altera a lei 9.656/98 em dois aspectos: [a]. No primeiro, deixa claro que o CDC tem aplicação não mais subsidiária, mais simultânea; e [b] No segundo, deixa claro que o rol da ANS é uma listagem "básica", ou seja, outros procedimentos, sob determinadas condições, poderiam ser cobertos.
Pouco se tem falado da primeira alteração, que claramente terá impacto, dentre outros, no atuar da ANS (diminuição do poder regulatório e maior questionamento das atividades da ANS com base no CDC).
Quanto ao segundo, o curioso da proposta é que ela passa a obrigar a saúde suplementar a oferecer mais do que o próprio SUS oferece; e isso via uma linguagem não precisa, afinal: quem é porta voz da ciência? Ou, quem é coletor de evidências científicas? Ou, ainda, qual o nível de evidência aceitável? E mais, como a indicação de uso por uma única agência internacional, ou, ainda que mais de uma, mas sem consenso mundial, irá permitir o uso do procedimento no Brasil? O Ministério da Saúde, a ANVISA, o Conselho Federal de Medicina e a ANS, são, simplesmente, em uma linguagem chula, "escanteados" sendo afastadas competências já de longa data consagradas no nosso ordenamento. Não é demais relembrar aqui que, por força do Art. 200 da CF, cabe ao Sistema Público de Saúde, "(...), além de outras atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos (...);" ou seja: a fiscalização e o controle, embora possam ser delimitados por lei, são atividades que não podem ser afastadas.
Assim, essa proposta, além de duvidosa conveniência e constitucionalidade, se mostra um grande equívoco, tendendo a aumentar a injustiça social. Sob a capa de garantir um maior acesso aos beneficiários ela [i] irá trazer insegurança jurídica e econômica (traduzida no aumento processos judiciais de um lado e de custo, do outro); [ii] não irá garantir o mesmo tipo de acesso aos usuários do SUS; e, ela [iii] irá favorecer um segmento econômico específico, em detrimento da coletividade (a indústria farmacêutica e de materiais e equipamentos, terá condições de colocar no mercado nacional, mais rapidamente, e sem, registro aqui, produtos, materiais e equipamentos).
Outro aspecto que merece comentário é a questão da litigiosidade e suas consequências. A litigiosidade tende a aumentar, tanto no âmbito privado quando na área pública, na medida em que, por analogia, o cidadão irá buscar no SUS o mesmo nível de atendimento obrigatório às operadoras de planos de saúde. Ademais, essa litigiosidade e a ausência de limite de cobertura, por sua vez, tendem a provocar um aumento da sinistralidade e do custo médico das operadoras de planos se saúde, sendo certo que os novos medicamentos, materiais e procedimentos, por não estarem ainda precificados pelo mercado, tenderão a ter preços mais elevados. A consequência final aqui será um aumento dos custos na área pública e um aumento das mensalidades dos planos de saúde, na área privada, impactando toda a cadeia econômica: desde quem contrata até quem presta o serviço médico.
Outra consequência possível, aqui, e em sendo aprovado o PL 2.033/22 tal como está, é os gestores das operadoras de planos de saúde, para não serem responsabilizados, buscarem a revisão dos contratos (administrativamente ou de forma judicial) ou, mesmo, a extinção de tais contratos, por onerosidade excessiva, onde for caso. Não é demais relembrar que cabe ao gestor manter a higidez econômica da operadora diante das eventuais modificações legislativas, tendo a ANS o papel, nos termos da lei 9961/00 (Art. 4º, XVII e XVII) de analisar e autorizar revisões das contraprestações pecuniárias, bem como expedir normas e padrões com vistas à homologação de tais revisões.
Agora é aguardar as cenas dos próximos capítulos e a discussão que acontece no Legislativo, sempre com a esperança de que o SUS passe a ocupar, para todos, o seu papel de agente principal e de real regulador dos serviços de saúde no Brasil.