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A dificuldade de os servidores públicos ativos do Estado de SP em afastar a contribuição compulsória destinada ao Iamspe

Apesar da alteração legislativa promovida no regramento do Iamspe pela lei estadual 17.293/20, muitos servidores públicos ativos do Estado de São Paulo encontram dificuldade em cancelar sua inscrição junto ao Órgão e afastar o pagamento destinado ao Iamspe.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Atualizado em 8 de agosto de 2022 11:20

O Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe) é uma entidade autárquica autônoma, criada pelo Estado de São Paulo, por meio do decreto-lei 257/70, com a finalidade de prestar assistência médica, laboratorial e hospitalar1 aos servidores públicos estaduais ativos e inativos, seus dependentes e agregados.

A legislação que regulamenta o Iamspe determina que são contribuintes do Instituto os funcionários e servidores públicos, estaduais, inclusive os inativos, do Poder Executivo e suas autarquias, Legislativo e Judiciário, e do Tribunal de Contas do Estado, excetuando-se os que tenham regime previdenciário próprio e os membros da Magistratura e do Ministério Público.

Trata-se de verdadeira vinculação obrigatória, dado que em contraprestação aos serviços de saúde prestados, o servidor público estadual está sujeito ao recolhimento obrigatório de contribuição para o custeio do sistema de saúde estadual, cujo pagamento é descontado diretamente da folha de pagamento do servidor.

Com as alterações promovidas pela lei estadual 17.293/20 , os descontos sobre a remuneração do servidor passaram a variar de 2% a 3%, a depender da faixa etária, conforme demonstrado no quadro abaixo:

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

Caso haja interesse de o contribuinte cadastrar algum beneficiário ou agregado no cadastro do Instituto para que estes possam usufruir dos serviços médicos e hospitalares prestados pelo Iamspe, os descontos na folha de pagamento do servidor passam a variar de 0,5% a 3%, a depender da pessoa e da idade, conforme demonstrado abaixo:

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Importa esclarecer que para o contribuinte deixar de recolher a contribuição ao Iamspe é necessário, primeiramente, solicitar o cancelamento da sua inscrição junto ao Instituto e com a desvinculação e cancelamento do cadastro, a contribuição é automaticamente cessada.

A legislação do Iamspe determina quem são os contribuintes obrigatórios para o recolhimento da contribuição, porém, com relação aos servidores da ativa, não há regra possibilitando o cancelamento da inscrição junto ao órgão e o consequente afastamento da contribuição.

Nem mesmo com a edição da lei estadual 17.293/20, houve inclusão de dispositivo legal exonerando o servidor da ativa de manter sua inscrição.

Essa situação torna-se um verdadeiro problema e traz grande dificuldade ao servidor público estadual da ativa.

Isto porque, há muitos servidores ativos que não usufruem dos serviços disponibilizados pelo Iamspe, tampouco pretendem utilizar-se deste serviço no futuro, haja vista já possuir plano de saúde particular ou estar coberto por plano familiar de cônjuge, dentre outras situações.

Diferentemente dos servidores inativos3 (aposentados), o qual possuem autorização expressa da legislação possibilitando o cancelamento de sua inscrição como contribuinte junto Iamspe, os servidores públicos da ativa não possuem autorização legal, dada a omissão legislativa.

Veja-se que sob este aspecto há verdadeira ofensa ao princípio da isonomia. No caput, do artigo 5º, da Constituição Federal consta o preceito de que todos são iguais perante a lei, importando não só a proibição de todas as formas de discriminação, como também a submissão de todos os indivíduos ao amparo e à força da lei de forma isonômica4.

Por sua vez, a legislação do Iamspe amplia a desvantagem e o tratamento desigual entre seus servidores.

Não há base legal, tampouco, justificativa na proposição de lei que fundamente o tratamento desigualitário dado aos servidores públicos da ativa e os inativos, visto que o recolhimento da contribuição exigida pelo Iamspe é destinado ao custeio do serviço de saúde e não para fins de previdência.

Ora, mesmo o legislativo revisitando o regramento do Iamspe, com a implementação da lei estadual 17.293/2020, os servidores da ativa não tiveram qualquer avanço quanto à possibilidade de cancelamento da sua inscrição e o afastamento da contribuição compulsória.

Nesse caso, quando os servidores da ativa optam por enfrentar a barreira da ausência de autorização legal para o cancelamento de sua inscrição, estes precisam ingressar com medida judicial pleiteando o referido cancelamento, procedimento este que é mais moroso e, também, oneroso dado o desembolso financeiro para efetivar o direito de não se manter associado ao Instituto5.

A falta de previsão legal acarreta um numeroso litígio desnecessário, de modo a onerar o sistema judiciário, gerando uma inundação de processos judiciais para amparar os servidores da ativa que desejam o cancelamento de sua inscrição.

Por sua vez, aos servidores inativos/aposentados, basta a apresentação de requerimento administrativo junto ao Iasmpe. 

Observar-se que o procedimento é destoante, onerando o servidor da ativa e, muitas vezes, dificultando o desligamento à Instituição e o afastamento de uma contribuição, que quando de caráter compulsório, é evidentemente inconstitucional e não deve subsistir.

Da inconstitucionalidade da contribuição compulsória destinada ao custeio do sistema de saúde

A legislação do Iamspe ao estabelecer um rol de contribuintes6 e ao exigir uma contribuição compulsória para custear o sistema de saúde7 obriga os servidores públicos da ativa a associar-se de modo obrigatório ao Iamspe, em verdadeira violação à Constituição Federal.

Ora, este regramento afronta o artigo 149, § 1º, da Constituição Federal8, o qual reservou a competência para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituírem contribuição para custeio do regime previdenciário e não para exigir contribuições de outra natureza, como a instituída pelo decreto-lei 257/70 (contribuição para o custeio do sistema de saúde estadual).

O Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADI 1.9209, de relatoria do Ex.mo Ministro Nelson Jobin, identificou que a contribuição compulsória instituída pelo Estado da Bahia para manutenção do sistema de saúde era inconstitucional, veja-se:

"(...) CONSTITUCIONAL LEI 7.249/98 DO ESTADODA BAHIA. CRIA SISTEMA PRÓPRIO DE SEGURIDADE SOCIAL QUE COMPREENDE PREVIDÊNCIA, ASSISTÊNCIA SOCIAL e ASSISTÊNCIA À SAÚDE. INSTITUI CONTRIBUIÇÃO COMPULSÓRIA DOS SERVIDORES DO ESTADO PARA A SAÚDE. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 149, PARÁGRAFO ÚNICO DA CF. REGRA DE EXCEÇÃO QUE SE INTERPRETA RESTRITIVAMENTE. INATACÁVEL O ARTIGO 5º, POIS APENAS RELACIONA OS SEGURADOS OBRIGATÓRIOS, NÃO QUALIFICA A CONTRIBUIÇÃO. LIMINAR DEFERIDA EM PARTE".

Em análise do recurso extraordinário 573.54010, julgado sob o rito de repercussão geral (Tema 55), o STF também verificou a legislação do Estado de Minas Gerais, o qual institui contribuição compulsória para custeio de assistência médico-hospitalar.

No julgamento, foi reafirmado o entendimento sobre a inconstitucionalidade da contribuição compulsória instituída para o financiamento de serviços médico-hospitalares. Em verdade, o serviço de saúde somente poderá ser prestado, desde que a sua adesão pelos servidores estatais seja facultativa.

CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA MÉDICA, HOSPITALAR, ODONTOLÓGICA E FARMACEÚTICA. ART. 85 DA LEI COMPLEMENTAR 62/02, DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NATUREZA TRIBUTÁRIA. COMPULSORIEDADE. DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS. ROL TAXATIVO. INCOMPETÊNCIA DO ESTADO-MEMBRO. INCONSTITUCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. I - É nítida a natureza tributária da contribuição instituída pelo art. 85 da lei complementar 64/02, do Estado de Minas Gerais, haja vista a compulsoriedade de sua cobrança. II - O art. 149, caput, da Constituição atribui à União a competência exclusiva para a instituição de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas. Essa regra contempla duas exceções, contidas no arts. 149, § 1º, e 149-A da Constituição. À exceção desses dois casos, aos Estados-membros não foi atribuída competência para a instituição de contribuição, seja qual for a sua finalidade. III - A competência, privativa ou concorrente, para legislar sobre determinada matéria não implica automaticamente a competência para a instituição de tributos. Os entes federativos somente podem instituir os impostos e as contribuições que lhes foram expressamente outorgados pela Constituição. IV - Os Estados-membros podem instituir apenas contribuição que tenha por finalidade o custeio do regime de previdência de seus servidores. A expressão "regime previdenciário" não abrange a prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e farmacêuticos.

Portanto, é certo que a contribuição para o regime de assistência médico-hospitalar não pode ser compulsória, mas facultativa, aderindo a tal regime os contribuintes que assim o desejarem.

Nesse contexto, não poderia o servidor público estadual permanecer cadastrado junto ao Iamspe, tal como vinha ocorrendo até a promulgação da Constituição Federal de 1988, visto que o decreto-lei 257/70, apesar de ainda vigente, não foi recepcionado pela nova ordem constitucional.

Sobre o tema o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possui jurisprudência majoritária11 acerca de a cobrança compulsória exigida pelo Iasmpe ser inconstitucional.

MANDADO DE SEGURANÇA. IAMSPE. Contribuição compulsória inconstitucional. Possibilidade de escolha. Cessação dos descontos. Reexame necessário não provido. (...) Não há dúvida de que a contribuição questionada tem caráter compulsório para o custeio do sistema de saúde, não encontrando respaldo na Constituição Federal. Diferentemente da previdência social, que tem caráter contributivo e a filiação é obrigatória, a assistência social e os serviços públicos de saúde independem de contribuição à Seguridade Social, sendo prestados pelo Estado a quem deles necessitar, de acordo com o disposto no art. 196 e 203 da Constituição Federal.

Não há dúvida, portanto, da inconstitucionalidade da contribuição compulsória, devendo o desconto nos vencimentos do impetrante cessar imediatamente. (TJSP. Apelação 1042325-52.2016.8.26.0053. 10ª Câmara de Direito Público. Desembargador Relator: Paulo Galizia. Data de Julgamento: 5/3/18)

Como dito, a contribuição somente é válida quando de caráter facultativo e não obrigatório, como ocorre com o regramento do Iamspe.

Logo, os servidores da ativa que se sentem violados por estarem obrigados ao recolhimento da contribuição, nesse momento, devem pleitear judicialmente o cancelamento de sua inscrição12 e a consequente cessação dos descontos da contribuição na sua folha de pagamentos.

Diante de todo exposto, é importante que a legislação do Iamspe seja revista e atualizada pelo Legislativo e o próprio Executivo Estadual de modo a preservar o tratamento igualitário entre os servidores da ativa e os aposentados e deixar de onerar o Poder Judiciário, diante de patente violação constitucional já identificada pelos Tribunais Pátrios.

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1 http://www.iamspe.sp.gov.br/quem-somos/rede/

2 A mudança foi introduzida com o Projeto de Lei 529/20, projeto de ajuste fiscal do governo Dória, sancionado em 15 de outubro de 2020.

3 Artigo 3º, parágrafo único, do decreto-lei 257/70: "Os viúvos, companheiros e os inativos poderão solicitar a qualquer tempo, respectivamente, do falecimento do contribuinte e de sua aposentadoria, o cancelamento da inscrição como contribuinte. 

4 STF. ADI 3918. Julgada em 09.06.2022

5 Art. 5º, inciso XX, da Constituição Federal.

6 Art. 3º, do decreto-lei 257/70

7 Art. 20, do decreto-lei 257/70

8 Com redação dada pela Emenda Constitucional 103/19

9 ADI 1920 MC, Relator: Nelson Jobim, Tribunal Pleno, julgado em 23/06/1999, DJ 20-09-2002 PP-00088 EMENT VOL-02083-02 PP-00287 RTJ VOL-00183-02 PP-00579

10 RE 573540, Relator: Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 14/04/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-105  DIVULG 10-06-2010  PUBLIC 11-06-2010 EMENT VOL-02405-04  PP-00866 RTJ VOL-00217-01 PP-00568 RT v. 99, n. 900, 2010, p. 175-184

11 TJ/SP. Reexame Necessário 0047855-30.2011.8.26.0053, julgado em 20.05.2013, pelo Desembargador Relator Urbano Ruiz da 10ª Câmara de Direito Público; Apelação 1042325-52.2016.8.26.0053, julgada em 05.03.2018, pelo Desembargador Relator Paulo Galizia da 10ª Câmara de Direito Público; Apelação 1007076-98.2020.8.26.0053, julgada em 14.12.2020, pelo Desembargador Relator Vicente de Abreu Amadei da 1ª Câmara de Direito Público.

12 A solicitação de cancelamento da inscrição junto ao órgão acarretará a perda do direito de assistência médico-hospitalar de forma irreversível. 

Maria Clara Paiva Garcia

Maria Clara Paiva Garcia

Advogada Tributarista em São Paulo. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Cursando MBA em Gestão Tributária na Faculdade FIPECAFI.

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