Exclusividade para fiscalizar quantidade de produtos comercializados no Brasil é do Inmetro? O STJ entende que não
Nos parece que essa decisão define que outros órgãos podem e devem fiscalizar produtos e serviços, observando as orientações de padrões de pesos e medidas indicados pela legislação vigente.
sexta-feira, 5 de agosto de 2022
Atualizado às 09:14
O Superior Tribunal de Justiça, recentemente, por unanimidade, decidiu, que o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) não detém competência exclusiva para a fiscalizar o caráter quantitativo das mercadorias comercializadas no país.
Não sendo a decisão proferida nos autos do Resp. 1.832.357 analisada de forma serena, coerente e profunda, interpretações equivocadas podem surgir pela comunidade jurídica e pela sociedade, em geral.
No caso concreto, se questionou a legitimidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em fiscalizar a quantidade de lote de produtos importados. O MAPA apontou divergências entre a informação (peso) declarada na importação e o peso do produto fiscalizado.
Uma empresa do ramo de produtos alimentícios importou 50 toneladas de pescado por valor superior a R$ 290.000,00 e, em razão da divergência, teve sua mercadoria apreendida.
Após a judicialização do imbróglio, em primeira instancia, entendeu o Magistrado que a exclusividade do Inmetro se relaciona apenas a metrologia (padronização de pesos e medidas ou fiscalização da aferição dos instrumentos de medição), podendo a fiscalização ficar a cargo de outros órgãos legitimados para tal fim.
Já em segunda instancia, a decisão foi reformada pelo Tribunal Estadual, que entendeu que a metodologia instituída em instrução normativa do MAPA para a verificação do peso líquido de pescado, após o desglaciamento (retirada de camada de gelo sem descongelar o produto), invadiu área de competência exclusiva do Inmetro.
Assim o tema foi levado a Corte Superior.
O relator do caso no Superior Tribunal de Justiça foi o Ministro Francisco Falcão que muito bem destacou: "O que se discute é a possibilidade de o Mapa, em concorrência com o Inmetro, proceder à fiscalização sobre pesagem de produtos comercializados" ou seja, a controvérsia dos autos não discute a padronização de pesos e medidas, nem a aferição ou calibragem dos aparelhos e instrumentos de medição.
Até porque se essa fosse a linha de discussão nos autos, estaria fadada ao insucesso, já que esse tipo de padronização é sim exclusivo do Inmetro. O que é facilmente constatado na lei 9.993/99, que dispõe sobre as competências do órgão.
No entendimento do ilustre Ministro, o controle sanitário de alimentos no Brasil não é de exclusividade de nenhum órgão da administração pública, devendo, na verdade, atuarem mutuamente os órgãos e entidades da administração pública que possuem tal finalidade, principalmente em razão das proporções continentais de nosso país. Além disso, fica de fácil compreensão a linha de entendimento adotada no julgado se compararmos com os órgãos de proteção ao consumidor.
Os Procons, por exemplo, fiscalizam e aplicam multas quando os produtos comercializados são flagrados em quantidades ou pesos diferentes daqueles apontados nas embalagens. Mas em hipótese alguma podem alterar ou definir método próprio de controle e/ou medição.
Sobre essa ótica, "ao MAPA não poderia ser dado tratamento diferenciado, com menor competência, especificamente por se tratar de órgão ministerial com competência em todo o território nacional, atuando nas áreas de agricultura, pesca e abastecimento", discorreu o ministro em seu voto, ao reconhecer a possibilidade de fiscalização ser feita pelo MAPA.
Também cabe destaque a menção que o insigne Ministro faz a decisão de primeira instancia, quando corrobora com os termos dessa em relação, principalmente, a insuficiência do Inmetro para atender toda a demanda de fiscalização nacional. Não seria razoável que a autarquia fosse responsável em vigiar com exclusividade, principalmente se consideramos os diversos padrões de produtos e serviços de todo o setor produtivo.
Nos parece que essa decisão define que outros órgãos podem e devem fiscalizar produtos e serviços, observando as orientações de padrões de pesos e medidas indicados pela legislação vigente. E que a definição sobre os padrões que devem ser fiscalizados é sim de exclusividade do Inmetro.
Mano Fornaciari Alencar
Sócio do escritório SiqueiraCastro.
Rafael Orazem Ramos Machado
Advogado associado no escritório Siqueira Castro Advogados