CPI da Pirataria combate comercialização de produtos ilegais
Segunda fase da operação, promovida pela Câmara Municipal de São Paulo, deve iniciar durante a semana.
terça-feira, 2 de agosto de 2022
Atualizado em 3 de agosto de 2022 08:33
O desafio da proteção da Propriedade Intelectual vem atravessando gerações e exigindo cada vez mais medidas contundentes em prol da garantia dos direitos de seus titulares.
Os produtos falsificados são extremamente nocivos para o consumo, visto que não obedecem a nenhuma regulamentação durante a sua fabricação e comercialização. Como exemplo, temos os brinquedos, comumente fabricados com a utilização de tintas tóxicas e dotados de peças, na maioria das vezes, facilmente desmontáveis, colocando em risco a vida das crianças; os cigarros, que possuem vários tipos de drogas e sujeiras misturadas na sua composição; além dos produtos eletrônicos, que podem se transformar em verdadeiros artefatos incendiários por si só, além de possuírem baterias fabricadas com metais tóxicos e sem o devido isolamento.
Não obstante o risco direto à integridade física de seus consumidores, hoje sabemos que a comercialização de produtos ilegais, caracterizados pelos produtos piratas e contrabandeados, é uma das principais fontes de "arrecadação" do crime organizado, deixando cada vez mais em evidência a necessidade do combate direto a essas atividades.
Além do financiamento do crime organizado, a comercialização de produtos ilegais impacta diretamente a economia nacional, gerando prejuízos astronômicos.
Pesquisa realizada pelo Fórum Nacional de Combate à Pirataria (FNCP), considerando 15 setores industriais, constatou que, apenas no ano de 2020, os cofres públicos brasileiros perderam aproximadamente R$287 bilhões para o mercado ilegal1.
A relevância do combate ao mercado ilegal não é mais novidade para as autoridades brasileiras visto que no ano de 2019, segundo levantamento da Polícia Civil do Estado de São Paulo, 7,6 milhões de produtos falsificados foram apreendidos só no Estado de São Paulo. Número esse que, com a pandemia, teve uma queda significativa no resultado do ano de 2020, culminando com a apreensão de 1,8 milhões de produtos não originais em São Paulo. Em território nacional, foram apreendidos 2,6 bilhões de produto - número muito inferior ao de 2019.
Claramente, a diminuição do volume de produtos apreendidos no ano de 2020 não significa um enfraquecimento da prática do ilícito, visto que o prejuízo para a economia brasileira teve um aumento significativo nos termos da pesquisa realizada pelo FNCP.
Em decorrência da gravidade do que a pirataria representa para a economia nacional e da posição relevante do Estado de São Paulo que, nesse cenário, responde pela maior fatia do comércio popular no território nacional, a Câmara Municipal de São Paulo instaurou a CPI da Pirataria. Apenas na capital, é possível destacar os famosos polos de comércio da região do Brás e da 25 de Março, conhecidos pela venda massiva de produtos falsificados.
A CPI, que tem como objetivo investigar a comercialização de produtos ilegais, presidida pelo Vereador Camilo Cristófaro do Partido Avante, está em curso desde 27/10/21 e até o momento contou com a participação de notáveis personalidades que muito enriqueceram o debate e reforçaram a importância de uma política mais incisiva de combate ao mercado ilegal.
Entre as personalidades ouvidas até o momento merecem destaque o diretor-executivo do Procon-SP, Dr. Fernando Capez; o secretário-executivo da Prefeitura, Sr. Fábio Lepique; e o presidente executivo do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade - FNCP, dr. Edson Vismona.
Ouvido no dia 17/11/21, o diretor-executivo do Procon-SP, dr. Fernando Capez, destacou o trabalho executado pela instituição tanto de forma preventiva, quanto mediante provocação através de denúncias, ressaltando que atualmente o foco tem sido a fiscalização às plataformas digitais, que nos dias de hoje seriam a principal forma de comercialização de produtos irregulares.
Indicou, ainda, dois relevantes acordos que foram realizados: um com o Mercado Livre2 e outro com a Facily3, através dos quais ambas as empresas se comprometerem a promover ações para combater as reclamações de comercialização de produtos piratas através de suas plataformas, além de indenizar consumidores lesados.
Citou, ainda, a grande incidência de comercialização de produtos falsificados através da plataforma Shopee, e que, diante da dificuldade de colaboração da plataforma com a implementação de programas mais efetivos de combate à pirataria, entrou em contato com investidores do marketplace informando que o PROCON/SP pretende tirá-lo do ar. Além disso, reportou sobre a possibilidade de aplicação de multa e de representação perante o MP para que seja promovida ação de indenização por dano moral coletivo caso a plataforma não assine o mesmo tipo de acordo firmado com o Mercado Livre e a Facily, bem como compromisso de adoção das medidas previstas no guia de boas práticas do Conselho Nacional de Combate à Pirataria4.
O secretário-executivo da Prefeitura, sr. Fábio Lepique, em sua oitiva, explicou a atuação da Prefeitura no combate à pirataria, além de ressaltar a necessidade de uma legislação que aumente a penalidade dos crimes praticados contra a propriedade intelectual e a importância de regulamentação de leis municipais de combate à pirataria em outras cidades do país, tal como a legislação existente no município de São Paulo, Lei Municipal 14.167/06 (regulamentada pelos decreto 52.432/11)
O dr. Edson Vismona, presidente executivo do FNCP, na sessão do dia 15/6/22, de forma bastante didática e simples, esclareceu algumas questões junto aos Vereadores, possibilitando uma maior compreensão sobre a dinâmica do combate a à pirataria, deixando bem claro o papel fundamental das marcas que realizam relevantes investigações que culminam com as grandes operações de busca e apreensão de produtos piratas deflagradas pelas Autoridades, além de prestar suporte para execução dessas medidas.
Além disso, quando questionado sobre a necessidade de um combate mais contundente aos centros de comércio popular de São Paulo, explicou que esse trabalho já vem sendo feito e que, mais importante que as operações direcionadas ao comércio, seria investir em serviços de inteligência para coibir o problema na fonte, evitando assim a prática do "enxuga-gelo".
O dr. Vismona também pontuou que a compra de produtos piratas já se tornou algo cultural porque o próprio cidadão prefere adquirir o produto, mesmo sabendo que ele é falso, pois os produtos originais são muito caros, sendo necessário realizar um trabalho de educação e conscientização do que está por trás do produto pirata. Ressaltou, inclusive, que várias marcas já possuem linhas de produtos populares com preços mais acessíveis, porém a elevada carga tributária, muitas vezes, acaba dificultando que tais produtos cheguem ao consumidor com preços mais competitivos de mercado.
Tanto na fala do Sr. Fabio Lepique quanto na do dr. Edson Vismona, foi ressaltada a necessidade de penas mais significativas para os tipos penais que envolvem a violação de marca, e citado o PL 333/99 que dispõe sobre o tema mas que, até o momento, segue aguardando aprovação. Por fim, foi citada a necessidade de outros municípios terem Leis que viabilizem a interdição de estabelecimentos que promovam a venda de produtos piratas, seguindo o exemplo da Lei Municipal de São Paulo 14.167/06 (regulamentada pelos decreto 52.432/11).
Importante ainda chamar atenção para a relevante vitória judicial que a CPI teve, noticiada na reunião de 9/3/22, que autorizou que os proprietários de shoppings de comércio popular sejam ouvidos no âmbito das investigações da Comissão.
Em decorrência dessa vitória judicial, alguns responsáveis já foram intimados para comparecer para oitiva, entre eles o Sr. Marcelo Mendonça, um dos representantes da Maxin, famosa administradora de shoppings populares da cidade, além do casal Law Kin Chong e Hwu Su Chiu Law, responsáveis pela empresa Mundo Oriental Incorporadora, o administrador do Shopping Veneza, a sra. Margareth Aparecida, administradora do Mega Polo Modas e o sr. Leonardo Pereira Furman, CEO do Circuito das Compras.
Atualmente a CPI se encontra em recesso parlamentar até o final do mês de julho, mas o retorno já possui alguns destaques agendados, como a oitiva do Sr. Law Kin Chong, no dia 10/8/22, e da Sra. Hwu Su Chiu Law, no dia 17/8/22, ambos responsáveis pela empresa Mundo Oriental Incorporadora e proprietários de 27 shoppings de comércio popular na cidade de São Paulo. Além do convite direcionado ao Cônsul da República Popular da China, como uma tentativa de unir forças em prol do combate à pirataria, haja vista que, segundo informações do FNCP, grande parte dos produtos falsificados são oriundos da China.
Diante do que foi apurado e apresentado até o momento na CPI e do aumento significativo da pirataria em solo nacional, intensificado com a pandemia5, é inegável a necessidade de união de esforços entre as entidades com a FNCP e as associações dos segmentos de mercados específicos que continuamente implementam medidas em prol do combate à pirataria, além dos representantes de marcas e das Autoridades.
As entidades e associações possuem um papel institucional primordial no combate à pirataria com a apuração de dados e pesquisas, além da função educacional, levando informação para quem não está no front desse combate, buscando assim esclarecer possíveis dúvidas da sociedade e indicar as mazelas que a "simples" compra de um produto pirata pode trazer para a sociedade.
Já os representantes de marcas, além de serem parte diretamente interessada nessa batalha, quando unem esforços às Autoridades podem contribuir muito com as investigações, auxiliando da identificação e desmantelamento de redes de organizações criminosas, além de prestar suporte para as Autoridades que muitas das vezes sabemos que possuem sua atuação limitada em decorrência de orçamentos limitados.
Sendo assim, somente com a conscientização da sociedade e a união de esforços dos órgãos competentes e da iniciativa privada será possível reverter o grave cenário que atualmente enfrentamos com o aumento da pirataria e consequentemente o aumento de todos os crimes atrelados a ela.
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1 FNCP Fórum Nacional contra a Pirataria e Ilegalidade
Pirataria: prejuízo do Brasil com comércio ilegal ultrapassa R$ 280 bilhões | CNN Brasil
2 https://www.mercadolivre.com.br/
3 https://web.faci.ly/
4 https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/combate-a-pirataria
5 https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/competitividade/a-ameaca-da-pirataria-no-comercio-online/
Rafael Lacaz Amaral
Advogado e Sócio de Kasznar Leonardos Advogados. Especializado em Contencioso Judicial em Propriedade Intelectual. Coordenador da equipe de Antipirataria Digital e License Compliance.
Raquel Barros
Advogada do Kasznar Leonardos | Propriedade Intelectual.