MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Mercados de mídia e entretenimento e o direito concorrencial

Mercados de mídia e entretenimento e o direito concorrencial

A disciplina jurídica do direito concorrencial e a prática da defesa estatal da concorrência tem experienciado várias movimentações, no que concerne a recentes operações de M&A em múltiplos mercados de mídia e entretenimento.

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Atualizado em 2 de agosto de 2022 13:22

As manifestações culturais podem conformar os variados grupos sociais em seus comportamentos. Mais que o retrato da posição de meros consumidores, fática e juridicamente, as pessoas exercem efetiva influência na escolha de informação e de experiências (aí insertos, também, mídia e entretenimento)1 as quais querem usufruir e se beneficiar, a partir de sua discricionariedade, influenciada ou não.

Fato é que o critério temporal é uma possível condicionante destas influências. "Todos nós estamos limitados a 168 horas em uma semana. Como escolhemos e gastamos nosso tempo em atividades relacionadas com mídia representa uma ação econômica a que os economistas se referem como alocação [allocation]"2. Dito de outra forma, "o custo de tempo e a intensidade de tempo de consumo de bens e serviços são fatores significativos ao se selecionar entre alternativas de entretenimento."3

Mídia e entretenimento apresentam uma diversidade de bens e mercados, de maneira tão vasta, que "qualquer descrição de suas características e especificidades econômicas deve permanecer incompleta e não abranger todos na mesma medida"4. Mesmo assim, pode-se "identificar uma série de características que, por um lado, afetam um grande número de bens e mercados de entretenimento e, por outro, são relevantes para a concorrência efetiva nesses mercados."5

Dentre estas características gerais para a microeconomia da media economy, Eli Noam menciona doze fatores6: (i) custos fixos altos e custos marginais baixos; (ii) efeitos de rede [network]; (iii) disparidade nas tendências de custo [cost trends] na cadeia de valor [value chain]; (iv) informação como um ativo cumulativo [cumulative asset]; (v) excesso de fornecimento [supply]; (vi) deflação de preço; (vii) convergência tecnológica; (viii) distribuição desigual de riscos; (ix) relevância dos ativos intangíveis; (x) lucro não maximizado; (xi) informação como "bem" [good] público, e (xii) influência governamental.

A disciplina jurídica do direito concorrencial e a prática da defesa estatal da concorrência, presente como uma "regulação suprassetorial, que busca concretizar os princípios constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa"7, tem experienciado várias movimentações no que concerne a recentes operações de M&A em múltiplos mercados  de mídia e entretenimento.

Ditas operações visam, sobremaneira, "oportunidades para que as empresas tenham acesso e desenvolvam uma gama de novos recursos, capacidades e novos produtos que precisam para desenvolver tanto atividades principais quanto atividades complementares"9, eis que "as novas mídias constituem uma atividade em alta na indústria de mídia e entretenimento para exibição doméstica e vêm transformando os hábitos de consumo das pessoas em todo o mundo."10

Podem ser mencionadas, dentre as operações (controle de estruturas) já analisadas pela autoridade concorrencial brasileira (CADE) nos últimos anos, as fusões Disney/Fox11, AT&T/Time Warner12, Discovery/AT&T, Som Livre/Sony Music etc.; e dentre as operações pendentes de aprovação, dentre outras, destaca-se Microsoft/Activision Blizzard13. Há também o exercício de controle de condutas, com a análise via inquérito administrativo de determinados comportamentos presentes no mercado de mídia e entretenimento (e.g. bonificação por volume, cláusulas potencialmente lesivas nos licenciamentos entre programadoras e operadoras de SeAC etc.)

O cenário, no geral, aparenta um futuro muito promissor para os mercados de mídia e entretenimento, em especial no Brasil, com a significativa diversificação de plataformas over-the-top (OTT) no país, junto ao crescente investimento/aporte em produções locais por players distintos, a gerar cada vez mais a necessidade de equilíbrio entre as análises concorrenciais e as eventuais (autor)regulações setoriais que vierem a ser discutidas.

----------

1 "O conteúdo de entretenimento é uma modalidade de tal informação. [...]. 'Empresas de mídia' são organizações que produzem ou distribuem informações." (Noam, p. 10, tradução livre)

2 Albarran, p. 4, tradução livre 

3 Vogel, p. 5, tradução livre

4 Budzinski/Gaenssle/Lindstadt-Dreusicke, p. 114, tradução livre. E, quando se fala de tais bens e mercados, evidentemente faz-se referência a "conteúdo audiovisual, como longas-metragens, vídeos do YouTube, séries VoD, programas de televisão, transmissões esportivas, shows e apresentações teatrais, conteúdo de áudio como streaming de música, peças de rádio e podcasts, conteúdo de leitura como revistas, livros e e-books, conteúdo de eventos como, por exemplo, eventos festivos, feiras, festivais, bares e clubes e muito mais."

5 Op. cit.

6 Noam, p. 12-18, tradução livre

7 Marrara/Barbosa, p. 380.

8 E que, em muitas situações, destacam a importância da definição do(s) mercado(s) relevante(s).

9 Kranenburg/Ziggers, ebook, tradução livre

10 Junior/Oliveira, ebook

11 Noticiada pelo Migalhas em https://www.migalhas.com.br/quentes/297254/cade-aprova-compra-da-fox-pela-disney-com-restricoes

12 Mencionada na coluna Migalhas de Peso por Ericson Meister Scorsim:  https://www.migalhas.com.br/depeso/267968/conselho-administrativo-de-defesa-economica--cade--analisa-ato-de-concentracao-economica-entre-at-t-e-time-warner--com-repercussao-na-sky-brasil

13 AC 08700.003361/2022-46

Otávio H. B. Arrabal

Otávio H. B. Arrabal

Graduando em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). Bolsista da AGIT FURB.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca