Holdings familiares
Há incontáveis conjunturas que se verificam no campo prático e para cada uma delas há uma solução mais adequada.
segunda-feira, 1 de agosto de 2022
Atualizado às 14:49
De início, faz-se imprescindível elucidar o que compreende o conceito de holding, para posteriormente adentrarmos no exame da holding familiar propriamente dita. Este assunto está em alta após especialistas da área difundirem os conhecimentos das vantagens do instituto, especialmente no que tange à organização empresarial, que pode ter como consequência a blindagem e a proteção patrimonial.
Tanto a blindagem patrimonial como a proteção patrimonial se valem do conhecimento de juristas qualificados para analisar a conjuntura apresentada e assim idealizar - dentro dos ditames legais - o melhor cenário protetivo para seu cliente, adotando medidas legalmente autorizadas para proteção do patrimônio pessoal dos investidores, com o fim de estabelecer o cenário mais seguro possível em termos de conservação da autonomia patrimonial.
Essencial anotar que falamos em aproximar-se ao máximo da proteção patrimonial. Isto porque não há, particularmente no entendimento atual da jurisprudência pátria (o qual abordaremos adiante), como garantir com certeza incontestável que determinadas intervenções tem o condão de impossibilitar eventuais execuções que atinjam o patrimônio pessoal dos sócios.
Não restam dúvidas de que nós, advogados, devemos nos atentar para o leque de oportunidades que se abrem nesse ramo do direito, o consultivo. Ao invés de focar no litígio, os juristas Gladston e Eduarda Mamede1 apontam que há uma tendência do modelo de advocacia preventivista em detrimento do modelo demandista, o qual ainda é predominante no Brasil.
O direito preventivo, como o próprio termo indica, se antecipa aos problemas jurídicos que podem originar-se de determinada relação, podendo o consultor indicar ações que tenham como propósito evitar demandas judiciais que, como é de conhecimento comum, são caras e morosas. Diversos países desenvolvidos já perceberam os benefícios provenientes da advocacia preventiva e os especialistas que atuam neste ramo estão ampliando cada vez mais sua clientela.
Há inúmeras condutas lícitas que podem ser adotadas com o objetivo de proteger a empresa familiar de uma lide e, por conseguinte, resguardar o patrimônio não somente da empresa como também de seus sócios em eventuais execuções judiciais.
Nesta temática, é de suma relevância que seja examinado com cautela o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 50 do Código Civil de 2002 (CC02)2 e no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC)3.
Em análise ao entendimento jurisprudencial pátrio, verifica-se que houve a banalização do instituto em comento, pois ele tem sido reconhecido fora das hipóteses previstas na legislação, abarcando diversas situações jurídicas que não aplicar-se-ia.
Como resultado, desenvolveu-se uma insegurança jurídica no empresariado, que ao optar por investir a sua verba em determinado tipo societário, o faz com a confiança de que seu patrimônio pessoal estaria legalmente protegido pela separação patrimonial, salvo nas hipóteses estritamente previstas nas normas vigentes.
A dissonância entre a previsão legislativa e a jurisprudência tem consequência direta nos atos dos investidores que, neste cenário, acabam valendo-se de práticas ilícitas para proteger seu patrimônio.
Para além da maldade humana, temos que reconhecer que os investidores, assim como qualquer outro ser humano, têm suas inquietações quanto ao seu patrimônio, mormente quando este é responsável pela mantença de sua família.
Sendo assim, é natural e legítimo que busque formas para que, caso a sua atividade empresarial enfrente dificuldades financeiras, estas não reverberem profundamente na sua entidade familiar. Tal circunstância se revela ainda mais latente quando se trata de holdings familiares.
Em suma, holding é uma sociedade que tem participação em outras sociedades (com cotas ou ações em seu capital social), em quantidade suficiente para administrar ou controlar outras empresas e, em alguns casos, resguardar a autonomia patrimonial. Conforme ensinam Carla Alessandra Branca Ramos Silva Aguiar e Elizama Alencar Rodrigues Santos4:
As eventuais dívidas pessoais dos sócios podem vir a arruinar o patrimônio da empresa, quando o próprio patrimônio pessoal dos sócios, devido a confusão patrimonial em torno desses dois tipos de patrimônio, caso haja má-fé ou ilegalidade. A constituição de holding visa, através do controle de ações ou cotas, manter esse patrimônio protegido, contra as possíveis contingências internas ou externas.
Entretanto, temos que ter em mente que uma holding é apenas uma empresa como qualquer outra, podendo constituir-se na forma de sociedade anônima, limitada ou empresa individual.
Tem previsão legal no art. 2º, §3º da Lei 6.404/76, in verbis:
Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.
(...)
§3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.
A constituição de uma holding familiar é indicada quando a família possui uma quantidade expressiva de bens, de forma que se torna interessante a constituição de uma holding para que sejam agrupados em uma única sociedade (que será constituída pelos membros desta família) o patrimônio de uma ou mais pessoas físicas que sejam da mesma família e possuam bens e participações societárias. Assim, fica facilitada a gestão eficaz e a perpetuação patrimonial pessoal como consequência de planejamento sucessório no caso de eventual falecimento de um membro da entidade familiar.
Assim, apresentaremos meios lícitos os quais nós, advogados, podemos apresentar aos nossos clientes, fornecendo, ainda, sugestões acerca da atuação e abordagem adequada em que o consultor jurídico deve utilizar, a fim de obter melhores resultados e manter-se protegido de eventual responsabilidade.
Nessa senda, os autores Gladston e Eduarda Mamede5 sugerem a utilização do rótulo 5W2H6, que é uma ferramenta estratégica para detalhar o plano que está sendo proposto. Essa sigla, que tem origem na língua inglesa, significa "5W + 2H", que por sua vez consiste em "What?" (O que está sendo proposto?), "Why?" (Por qual razão deve ser feito?), "Where?" (Onde deve ser feito?), "When?" (Quando se deve fazer?), How (De que forma deverá ser feito), "How much?" (Quanto vai custar?).
Basicamente, as respostas a estes questionamentos vão dar aos clientes todas as informações necessárias para a sua tomada de decisão. Isso mesmo. Quem dará a palavra final acerca da implementação do que fora proposto ou não é a família empresária contratante. O consultor jurídico, por sua vez, necessita estar a todo momento moderando-se para não ultrapassar as suas atribuições, invadindo a esfera da administração empresarial.
O papel do advogado é tão somente mostrar e clarificar todas as possibilidades jurídicas, os fatos que merecem maior proteção, entre outros, sempre tendo em mente que, em sua maioria, os administradores e empresários não são do ramo do direito e, por isso, não tem entendimento acerca do mundo jurídico em geral, especialmente das minúcias em que lei oportuniza para que seja realizada a proteção patrimonial lícita.
Há interesse público na continuidade das atividades econômicas no território nacional e, para isso, é de elevada relevância que tenhamos instrumentos legais que permitam garantir um ambiente com credibilidade para que investidores nacionais e internacionais tenham confiança no cenário econômico brasileiro, sendo certo que é imprescindível que as "regras do jogo" quanto ao atingimento do patrimônio pessoal devem estar muito bem delimitadas.
Sem sombra de dúvidas, um dos instrumentos que melhor cumpre esse papel de planejamento sucessório e proteção patrimonial no caso de famílias empresárias que possuem expressivo patrimônio é o estabelecimento de holding familiar.
É evidente que não há fórmulas mágicas que permitam economias surrealistas e proteções inabaláveis. Não obstante, há planos que especificam as vias lícitas - e seus riscos - para um maior aproveitamento financeiro, pagando estritamente o que é devido, apontando incorreções na operação e/ou nas relações jurídicas e como corrigi-las e, claro, para uma proteção patrimonial satisfatória.
Após realizar um inventário de todas as relações jurídicas e do patrimônio da família e estudar as múltiplas possibilidades, inclusive com o auxílio de profissionais de outras áreas caso se faça necessário, o advogado fornecerá um relatório com os problemas, ameaças, oportunidades e propostas para aquela família empresária.
Em vista disso, como já exposto, extrai-se o entendimento que a holding tem o objetivo de assumir efetivamente o comando das atividades das empresas do grupo. Isto permite com que os sócios da holding administrem com mais facilidades as demais atividades empresárias, pois tem o poder de determinar quem administrará cada uma delas em caso de eventual morte, acordar sobre a possibilidade de entrada de novos sócios etc.
Há incontáveis conjunturas que se verificam no campo prático e para cada uma delas há uma solução mais adequada, ou seja, haverá um tipo societário que se melhor se amoldará aos interesses dos sócios e investidores.
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1 MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda. Blindagem patrimonial e planejamento jurídico. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 57-61.
2 CC02, Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
3 CDC, Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 1° (Vetado).
§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
4 AGUIAR, Carla; SANTOS, Elizama. Blindagem patrimonial utilizando a holding patrimonial. Disponível em:
5 MAMEDE; MAMEDE, op. cit., p. 77.
6 EDEVOAR BRASIL. 5W2H: é hora de tirar as dúvidas e colocar a produtividade no seu dia a dia. Disponível em: < https://endeavor.org.br/pessoas/5w2h/>. Acesso em: 14 set. 2021.