Direito de convivência familiar
Uma breve análise sobre a possibilidade de que o direito de convivência familiar possa ser estendido aos avós ou pessoas com as quais as crianças ou adolescente mantenha vínculo afetivo.
quinta-feira, 28 de julho de 2022
Atualizado às 08:14
Em meados de 20/5/22, ocorreu a IX Jornada de Direito Civil, sendo tal encontro marcado para celebração dos 20 anos da lei 10.406/02 e da instituição da Jornada de Direito Civil, onde houve a aprovação de 49 (quarenta e nova) enunciados.
Cumpre-se salientar que o objetivo da jornada é de padronizar posições interpretativas e inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais com a legislação civil vigente e aplicável.
No tocante ao teor dos enunciados aprovados, cita-se especialmente o 672, que, a seu turno, possui extrema relevância. Observemos a sua íntegra:
ENUNCIADO 672: Art. 1.589, parágrafo único: O direito de convivência familiar pode ser estendido aos avós e pessoas com as quais as crianças ou adolescente mantenha vínculo afetivo, atendendo ao seu melhor interesse. (O enunciado cancela o enunciado 333, da IV JDC).
Tal alteração possibilitou a superação do anterior e até então vigente do enunciado 333 da IV Jornada de Direito Civil, porquanto houve substituição do "direito de visita" pelo "direito de convivência familiar", vejamos:
ENUNCIADO 333: O direito de visita pode ser estendido aos avós e a pessoas com as quais a criança ou o adolescente mantenha vínculo afetivo, atendendo ao seu melhor interesse.
Entende-se por convivência familiar a ação de conviver (viver em companhia de outro ou outros). No seu sentido lato, trata-se de um conceito relacionado com a coexistência pacífica e harmoniosa de grupos humanos num mesmo espaço.
Desse modo, tal avanço concretizado faz jus ao que já está disposto no art. 227 da nossa carta magna:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito (...) à convivência familiar.
O direito visa tutelar os interesses da criança ou do adolescente, conforme está disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 15:
Art. 15. A criança e ao adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Conforme alusão ao supracitado, a garantia a convivência familiar atende melhor aos interesses das crianças ou adolescentes.
Um dos argumentos para aprovação do enunciado seria que a interação familiar com vistas ao desenvolvimento de cada um ocorre não apenas entre pais e filhos.
Em razão disto, é importante situar que uma família não é composta apenas pela relação de pais e filhos, pois existem outros parentes, como avós, tios, padrinhos, primos, todos corroboram para a melhor criação dos menores.
É perceptível que os avós possuem influência na vida dos netos, sendo a relação importante para o desenvolvimento psíquico.
Como se percebe, houve confirmação da já conhecida convivência socioafetiva, isto é, daquela ligada ao conjunto de afeto em um contexto social, que não se limita apenas aos pais.
O direito da criança a sua criação e educação no seio familiar se estende a um ambiente que assegure o seu desenvolvimento integral e convivência harmoniosa e saudável.
Atualmente o conceito de família vai muito além da figura do pai e da mãe, pois o novo sistema vigente prestigia uma maior proteção e manutenção do seio familiar.
O princípio do melhor interesse da criança também serviu de fundamento para a aprovação do enunciado em comento, isto porque no caso em concreto a fixação de guarda ou até mesmo de alimento deve sempre objetivar a prestação de auxílio afetivo seguramente e integral.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já caminhava no sentido de possibilitar tal direito de convivência, vejamos:
RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MENOR PLEITEADA PELA AVÓ PATERNA E SEU COMPANHEIRO (AVÔ POR AFINIDADE). MITIGAÇÃO DA VEDAÇÃO PREVISTA NO § 1º DO ART. 42 DO ECA. POSSIBILIDADE.
- A Constituição da República de 1988 consagrou a doutrina da proteção integral e prioritária das crianças e dos adolescentes, segundo a qual tais "pessoas em desenvolvimento" devem receber total amparo e proteção das normas jurídicas, da doutrina, jurisprudência, enfim de todo o sistema jurídico.
- Em cumprimento ao comando constitucional, sobreveio a lei 8.069/90 - reconhecida internacionalmente como um dos textos normativos mais avançados do mundo -, que adotou a doutrina da proteção integral e prioritária como vetor hermenêutico para aplicação de suas normas jurídicas, a qual, sabidamente, guarda relação com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que significa a opção por medidas que, concretamente, venham a preservar sua saúde mental, estrutura emocional e convívio social.
- O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente tem por escopo salvaguardar "uma decisão judicial do maniqueísmo ou do dogmatismo da regra, que traz sempre consigo a ideia do tudo ou nada" (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 588/589).
(STJ - REsp: 1587477 SC 2016/0051218-8, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 10/3/20, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/8/20)
Nesse contexto, o que pode se compreender é que as relações familiares corroboram de maneira primordial para a educação das crianças e privar esse convívio é cercear o desenvolvimento saudável delas.
Como visto até então, atualmente a posição biológica vem sendo superado quando da existência de outros fatores cumulativos, como no caso dos avós ou até mesmo outras pessoas possuírem maior afinidade/interesse que possa assegurar a prestação de educação e alimentos de forma segura para a criança ou adolescente.
A título exemplificativo, cita-se a possibilidade de a paternidade socioafetiva prevalecer da biológica, quando no contexto social for verificada tal hipótese de incidência.
Portanto, a até então exposta possibilidade de que o direito de convivência familiar possa ser estendido aos avós ou outras pessoas concretiza o atual movimento já existente na jurisprudência dos tribunais pátrios.
Desse modo, foi extremamente acertado a aprovação do enunciado 672, pois possibilita o direito de convivência familiar, mantendo o vínculo afetivo da criança ou adolescente, levando em consideração o seu interesse, fazendo assim fazer valer dos seus direitos assegurados pelo ECA e atendendo a melhor criação de quem tanto faz jus.
Guilherme Dolabella
Advogado e Procurador do Distrito Federal. Diretor de Estruturação de Negócios e Relações Societárias do Barreto Dolabella Advogados e Consultor Jurídico. Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo - USP. Mestre em Argumentação Jurídica e Filosofia do Direito pela Universidade de Alicante/Espanha. Mestre em Direito Tributário pela Universidade de Brasília - UnB. Especialista em Comércio Exterior e Internacionalização de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Professor da Pós-graduação em Processo Tributário do IBMEC, no Curso de Especialização em Direito Público do CEAD/UnB e de Direito Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da UnB. ex-Procurador Geral Adjunto da Fazenda do Distrito Federal. Ex-Procurador do Estado de Minas Gerais Ex-Procurador da Fazenda Nacional Autor do livro Extrafiscalidade Tributária: Pós-modernidade e Legitimação do Estado Social Brasileiro Autor de diversos artigos jurídicos Co-autor do livro Direito Constitucional, Ed. Método, São Paulo. Co-autor do livro Direito Tributário, Ed. Método, São Paulo. Co-autor do livro Equidade e Eficiência da Matriz Tributária Brasileira, Ed. Consulex, Brasília.
Samili Woichekoski
Graduanda em Direito pela Universidade do Distrito Federal - UDF. Estagiária da área Cível no Escritório Barreto Dolabella. Possui experiência na área de Contratos, LGPD, Cidadania Italiana e Portuguesa, bem como atuação em outros escritórios na área de direito Bancário e Cível. Participando ainda, de iniciação científica na área de direito Cível.