PL 3.293/21: retrocesso para a arbitragem brasileira
É claro que o PL é apressado e pouco fundamentado, configurando-se como um atraso para a arbitragem brasileira, visto que propõe dispositivos atécnicos, uma indevida limitação da autonomia privada e não reflete os anseios dos cidadãos atuantes no setor.
quarta-feira, 27 de julho de 2022
Atualizado às 08:43
No dia 15/7/22, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, retirou de pauta o pedido de urgência para a tramitação do Projeto de lei 3.293/2021, o qual prevê alterações na Lei de Arbitragem. A medida foi tomada logo após os esforços das entidades e dos representantes do setor, como o Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), que emitiu nota rechaçando a iniciativa legislativa, a qual foi apoiada por diversas câmaras de arbitragens do país, bem como pelo Conselho Federal da OAB e diversas seccionais, dentre outras instituições atuantes no setor.
Referido projeto é de autoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI) e foi protocolado ainda em outubro de 2021 no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça. Apesar de quase um ano ter se passado desde o protocolo do PL, os ânimos se exaltaram recentemente devido ao pedido de urgência na tramitação, protocolado em 6/7/22, assinado por sete deputados.
Em síntese, o PL pretende alterar a Lei de Arbitragem sob o pretexto de aprimorá-la, impondo limitações objetivas à atuação da figura do árbitro, expandindo o dever de revelação dos árbitros e tornando regra a publicidade dos atos processuais da arbitragem, incluindo-se aí a sentença arbitral.
Justificativas do PL para alteração da Lei de Arbitragem
Consta da justificação do PL que a presença de um mesmo árbitro em algumas dezenas de casos simultaneamente geraria um aumento no tempo de tramitação das arbitragens, o que abriria brecha para o ajuizamento de uma maior quantidade de ações anulatórias. A afirmativa é um contrassenso, visto que o próprio PL cita o art. 32 da Lei de Arbitragem, o qual não prevê dentre as hipóteses de anulação da sentença arbitral a sua eventual demora na tramitação.
Ademais, o PL visa prover limites objetivos à atuação do árbitro e otimizar o dever de revelação, vez que entende que a disponibilidade do árbitro é fator essencial para permitir sua atuação na arbitragem. De fato, a disponibilidade do julgador é essencial para o bom andamento dos procedimentos, mas a avaliação da existência de disponibilidade ou não deve ser discutida entre partes e árbitros, que são os maiores interessados no rápido encerramento do caso.
Outro objetivo do PL é impedir a repetição dos mesmos árbitros em painéis arbitrais que estejam funcionando concomitantemente, evitando-se, com isso, "a possibilidade de haver favorecimento a determinada parte", além de gerar uma consequente diversificação da composição dos tribunais arbitrais. É lógico que a repetição dos mesmos árbitros não pressupõe a repetição das mesmas partes, assim, impossível seria a possibilidade de favorecimento no caso exposto pelo PL. Já nos casos em que o árbitro tem relação prévia com as partes, existe todo um sistema de revelações e formação de comitês de impugnação que previne decisões em conflito de interesses.
Por fim, o PL se dedica à questão da publicidade e da jurisprudência arbitral. A Deputada chega a afirmar que a Lei de Arbitragem não impõe que as arbitragens sejam confidenciais e que tal previsão decorre unicamente das convenções pactuadas entre as partes. A criação de uma jurisprudência arbitral deveria ser incentivada e seria sim benéfica ao mercado, mas não à revelia da autonomia da vontade das partes como previsto no PL. A propósito, o sigilo é considerado uma das grandes vantagens da arbitragem, visto que, por razões comerciais e estratégicas, muitas vezes as partes não entendem por bem expor seus conflitos a terceiros.
Conclusão: o tema não deve ser tratado com precipitação
Foram muitos anos para que a natureza jurisdicional da arbitragem fosse reconhecida, para que a lei fosse criada e a sua constitucionalidade reconhecida. Nas palavras de Petronio Muniz, "a arbitragem nacional não é assunto para amadores e muito menos para ser tratado aligeiradamente", justamente o que se tem observado no referido PL.
Inclusive, relembra-se que Petrônio Muniz - antes de submeter o seu anteprojeto de lei de arbitragem ao então Senador Marco Maciel nos idos de 1992 - realizou pesquisa com cerca de 1.300 pessoas, indagando sobre as mazelas do juízo estatal. Logo, a atual Lei de Arbitragem refletiu os anseios da comunidade e seu projeto foi debatido e estudado por especialistas antes de ser submetida às casas legislativas.
Em face do exposto, é claro que o PL é apressado e pouco fundamentado, configurando-se como um atraso para a arbitragem brasileira, visto que propõe dispositivos atécnicos, uma indevida limitação da autonomia privada e não reflete os anseios dos cidadãos atuantes no setor. Assim, deve ser ele rechaçado e devemos nós atuarmos como outrora atuou Petrônio Muniz: como estrategistas.
Carolina Smirnovas
Advogada no escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.
Telma Rocha Lisowski
Advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados
Maúra Guerra Polidoro
Advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.