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Cinquentenário de uma notícia que denunciou a insensatez - O triste estudo Tuskegee

O papel da imprensa no encerramento do estudo Tuskegee.

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Atualizado em 27 de julho de 2022 13:44

No dia 26 de julho de 2022 completará cinquenta anos da publicação de uma notícia que, de um lado, mostrou a iniquidade, a insensibilidade e a insensatez humana, de outro, a força e a importância de uma imprensa séria, independente e livre, e que, de outro, por fim, demonstrou que mesmos os piores dos horrores da Segunda Guerra Mundial, e os grandes debates que se seguiram acerca da proteção da dignidade da pessoa humana, não foram capazes de aplacar a violência, em nome da ciência, contra pessoas vulneráveis.

A notícia publicada denunciou aquele que ficou conhecido como Tuskegee Study (Estudo Tuskegee).

Em suma, esse estudo, que teve início em 1932: [a]. Foi realizado em uma região miserável dos Estados Unidos (Tuskegee, Alabama), região essa que detinha a maior taxa de sífilis do País; [b]. Teve como sujeitos de pesquisa pessoas negras, pobres e com pouco, ou nenhum, estudo, sendo que a maior parte delas era portadora da doença; [c]. Para facilitar o recrutamento dessas pessoas como sujeitos de pesquisa, foram oferecidas "contrapartidas", que incluía, dentre outros, medicamento para todas as doenças, que não fosse a sífilis, e um enterro grátis, após a autopsia, além de lanchinhos e transporte para acompanhamento hospitalar; [d]. Manteve as pessoas contaminadas pela sífilis sem tratamento eficaz, mesmo a partir do momento em que este tratamento passou a existir (embora não houvesse medicação eficaz para combater a sífilis em 1932, quando do início do estudo, em 1947 os antibióticos já estavam amplamente no mercado e poderiam ter sido utilizados no tratamento).

Esse controverso estudo permaneceu sendo realizado mesmo depois que: [a]. Foram descobertas, e amplamente divulgadas e julgadas, as atrocidades contra seres humanos, em nome da ciência, durante a Segunda Guerra Mundial; [b]. A Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948, deixou claro a necessidade de respeito à dignidade da pessoa humana; [c]. O Código de Nuremberg, em 1947, dispôs sobre proteção aos sujeitos de pesquisa quando da experimentação em seres humanos; e [d]. A Declaração de Helsinque, de 1964, explicitou ainda mais essa necessidade de cuidado e proteção aos seres humanos nos processos de pesquisa.

Ou seja, em 1972 já havia medicamento efetivo e disposições claras com relação à proteção da pessoa humana na experimentação há mais de 20 anos! Entretanto, nada ainda havia sido feito para proteger as pessoas, permanecendo a experimentação em curso, nas suas bases iniciais.

A pergunta que surge é por quê? Por que nada fizeram? Por que permaneceram insensíveis e de olhos fechados às violações da dignidade da pessoa humana? E isso, mesmo diante de todo o progresso jurídico, ético, social e científico? Obviamente, as respostas a essas perguntas vão muito além dos limites desse pequeno texto... Mas o bom é que houve a denúncia: alguém gritou por eles!!

E aqui entra o papel da imprensa séria, independente e livre.  Em 26 de julho de 1972, foi publicado, no The New York Times, um artigo da autoria de Jean Heller, sob o título "Syphilis Victims in U.S. Study Went Untreated for 40 Years ". Esse artigo denunciou e veio abrir os olhos daqueles que mantinham os corações e mentes fechados a essa triste página da história da pesquisa em seres humanos, levando ao encerramento desse estudo e provocando um amplo debate sobre as práticas de pesquisa em seres humanos nos EUA.

Duas das mais importantes consequências desse debate merecem destaque aqui: de um lado, foi a elaboração do chamado Relatório Belmont, divulgado em 1978, pela National Commission for Protection of Human Subjetcs of Biomedical and Behavioral Research, e, de outro, o livro de Tom Beauchamp e James Chidress, no mesmo ano, com o título Princípios da Ética Biomédica, lançando as bases da bioética e indicando como seus princípios básicos a Autonomia, a Não-Maleficência, a Beneficência e a Justiça.

De um simples cotejo desses princípios, indicados por Tom Beauchamp e James Chidress, com os fatos do estudo Tuskegee, se percebe o grau de violência praticado contra aquelas pessoas: não se pode falar em autonomia quando pessoas vulneráveis são levadas a um estudo no qual há ideia clara de se fazer o mal, e não o bem, a elas; e no qual os riscos suportados por tais pessoas na pesquisa superam, em muito, os benefícios por elas recebidos, em total desrespeito a dignidade humana.

Essas ideias, protetivas ao homem durante a experimentação, estão hoje em inúmeros escritos e normas, éticas e jurídicas, inclusive no Código de Ética Médica (vide, por exemplo, Capítulo XII do Código), mas a história constantemente nos lembra que elas, sozinhas, não são suficientes para garantir mudança ou proteção, até diante da pequenez dos homens, havendo sempre a necessidade de uma eterna vigilância e questionamento por parte de todos.

Esse pequeno texto é apenas para marcar essa data que é, ao mesmo tempo, triste, por um lado, e esperançosa por outro.

Henrique Freire de O Souza

VIP Henrique Freire de O Souza

Adv. Pós Dir. Econômico-UFRJ, Privado - UFF, Civil Constitucional-UERJ. LLM Intl Legal Studies- GGU. Curso de Finanças-Alumni COPPEAD e Mediating Disputes-Harvard. Links: IABA-WAML-IBERC-CDMSOABRJ

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