APPLE vs. GRADIENTE: Caducidade de marcas
A melhor maneira de pacificar uma contenda é a dedicação da leitura das provas e a valoração dos documentos.
segunda-feira, 18 de julho de 2022
Atualizado às 08:38
Este texto tem como proposta realizar análise crítica a um dos diversos processos1 envolvendo duas grandes sociedades empresárias, ambas do ambiente de eletroeletrônicos de matriz comunicacional. Especificamente, tecer-se-á comentários sobre o feito distribuído sob o número 5067776-25.2021.4.02.5101, movido pela demandante APPLE, em desfavor da IGB (Gradiente) e do INPI, que foi sentenciado em 1/7/22 pela 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro. O cerne da discussão foi dirimir se o uso do signo distintivo pela IGB era suficiente a lhe prevenir dos efeitos da extinção da marca por falta de função social na sua titularidade.
1 - AS VIRTUDES DA ESPECIALIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO
A interdisciplinaridade é uma rara virtude dominada por poucos, mas visada por muitos2. Se no campo da propriedade intelectual o perfil do gênio a la Leonardo da Vinci é um paradigma de difícil alcance, há algo símile a isto no mito do Juíz-Hércules3. Tais padrões servem mais como meta (ou mandato de otimização) para quem labora no serviço público examinando patentes ou na magistratura.
Exatamente para lidar com as aptidões mais voltadas a um cerne (mecânica, física, eletricidade, química fina) do que a outro (direito penal, tributário, civil, penal, empresarial, internacional, concorrencial), que o INPI e o Poder Judiciário têm na especialização um indicativo de melhoria de qualidades de suas produções.
Com relação ao direito da propriedade intelectual, ultrapassados mais de vinte anos da especialização de Juízos de primeiro grau, e dezessete anos dos Juízos de segundo grau do Poder Judiciário Federal da 2ª Região, é nítida a maturidade e alta qualidade dos teores decisórios. Entre as seis regiões hoje existentes, nenhuma delas produz normas tão sofisticadas quanto aquelas derivadas das penas dos Juízos que são especializados em Propriedade Intelectual; e o único Órgão Jurisdicional que vivificou o disposto no art. 2414 da lei 9.279/96, foi o TRF-2.
Saliente-se, entretanto, que a especialização per se não revoluciona a qualidade da fundamentação de um pleito dirimido: ela é um ponto de partida, que deve ser maturado junto com treinamento e devido estímulo das pessoas que servem ao povo. Muito além da relevância dos filtros superados por aqueles que se submeteram à aprovação em certames dificílimos, apenas a valorização dos examinadores de direitos de propriedade industrial (Poder Executivo), de um lado; e os analistas, técnicos e integrantes da magistratura (Poder Judiciário), de outro; criará as condições ideais para que o alto nível com o qual se constitui e se decide direitos intelectuais possa evoluir no Brasil.
2 - O SISTEMA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL É UM SISTEMA ANTROPOCÊNTRICO
Se a academia tem servido de pioneirismo aos maiores debates havidos na propriedade intelectual, não há grandes ideias advindas ex nihilo. Foram das brilhantes mentes dos especialistas falecidos Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Waldemar Martins Ferreira, João da Gama Cerqueira, Denis Borges Barbosa, Bruno Jorge Hammes, Celso Delmanto, Hermano Duval, Clóvis Costa Rodrigues e Douglas Gabriel Domingues que o sistema dos direitos intelectuais prosperou no país. Entre os vivos, vale destacar a contribuição dada por Newton Silveira e Silmara Chinellato e, entre a geração dos mais jovens, os estudos de Antonio Carlos Morato, Lelio Schmidt, Walter Godoy, Milton Leão, Karin Grau-Kuntz, Elizabeth Fekete, Maite Moro e Marcos Wachowicz.
No tocante ao brioso corpo técnico do INPI, a contribuição crítica de pesquisadores como Ana Paula Gomes Pinto, Patrícia Peralta, Antonio Abrantes, Sérgio Paulino, Frederico Carlos da Cunha e Claudia Tolentino (entre tantos outros nomes maravilhosos) aprimora a hermenêutica da propriedade intelectual, com uma ótica que só o bom servidor bem compreende com profundidade.
Por fim, se os EUA já contaram com juízes que amavam dirimir contendas de PI, tais como Richard Allen Posner e Ruth Bader Ginsburg, o Brasil também é privilegiado pela meticulosa atenção dada à matéria por magistrados como os ministros Dias Toffoli (STF) e Nancy Andrighi (STJ); pelos desembargadores César Ciampolini (TJSP) e (Prof. Dr.) André Fontes (TRF-2); e pela contribuição das professoras mestras e juízas federais Márcia Maria Nunes de Barros e Caroline Somesom Tauk. Afora o caso do ministro Dias Toffoli - que participa de Órgão de cúpula que dirime todas as searas do Direito e da Política, sem uma específica delimitação temática, todos os demais magistrados têm em comum o fato de oficiarem na especialização da propriedade intelectual. Ou seja, bem decidem pois - além do inegável talento individual - exercem seu mister em tal matéria há algum tempo.
Faltantes quaisquer dos exemplos dos seres humanos, o mundo da propriedade intelectual seria menos virtuoso no Brasil e alhures.
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1 O mais conhecido deles é o STF, Min. Dias Toffoli, ARE 1.266.095/RJ, cuja repercussão geral foi reconhecida no Tema 1205 e que aguarda decisão de mérito do Pretório Excelso. Este caso não será comentado no presente texto.
2 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol. III, Contratos., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010, p. XVII.
3 Dialogando com as ideias de Dworkin, vide SARMENTO, Daniel. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucional: teoria, história e métodos. 2ª Edição, Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 501.
Pedro Marcos Nunes Barbosa
Sócio de Denis Borges Barbosa Advogados. Cursou seu Estágio Pós-Doutoral junto ao Departamento de Direito Civil da USP. Doutor em Direito Comercial pela USP, Mestre em Direito Civil pela UERJ e Especialista em Propriedade Intelectual pela PUC-Rio.
Bernardo Guitton Brauer
Sócio de Denis Borges Barbosa Advogados. Mestre em Direito Processual pela USP. LLM em Direito da Propriedade Intelectual pela Queen Mary University (Reino Unido). Bacharel em Direito pela UFRJ.