Fertilização in vitro com doador conhecido
Recentemente, o Judiciário através da 2ª vara Federal da seção judiciária de São Paulo flexibilizou, deferindo tutela de urgência para autorizar tratamento de fertilização in vitro com doador conhecido pela receptora.
segunda-feira, 18 de julho de 2022
Atualizado às 10:09
Em 15/6/21, foi publicado no Diário Oficial da União a resolução do CFM 2.294, com mudanças das regras referente a reprodução humana.
A fertilização in vitro tem sido a técnica de reprodução mais procurada e, hoje é uma das principais formas que a comunidade LGBTQIA+ possui para realizar a vontade de se ter filhos.
Recentemente, o Judiciário através da 2ª vara Federal da seção judiciária de São Paulo flexibilizou, deferindo tutela de urgência para autorizar tratamento de fertilização in vitro com doador conhecido pela receptora, ou seja, afastando-se a regra de anonimato do doador de gametas, prevista nas Normas Éticas para Utilização das Técnicasde Reprodução Assistida, item IV, 2, do anexo da resolução 2.294/21 do CFM.
Até a referida decisão, de acordo com o art. 2º da resolução 2.294/21 do CFM: "Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa, exceto na doação de gametas para parentesco de até 4º (quarto) grau, de um dos receptores (primeiro grau - pais/filhos; segundo grau - avós/irmãos; terceiro grau - tios/sobrinhos; quarto grau - primos), desde que não incorra em consanguinidade".
A controvérsia iniciou-se quando uma família constituída por duas mulheres desejou ter um filho pelo método da ROPA - Recepção de Óvulos da Parceira, mediante doação de gametas masculinos de um amigo, o qual concordou com o procedimento.
Não obstante, ao noticiarem o interesse, houve recusa pela clínica de reprodução assistida, em razão da regra do anonimato do doador, a qual admite exceção apenas se esse for parente até o 4° (grau) de um (a)dos(as)receptores(as),e desde que isso não incorra em consanguinidade; hipótese que não se aplica ao caso concreto.
O juiz, ao deferir a tutela de urgência, levou em consideração o risco do perecimento do direito em razão da idade biológica das interessadas (40 anos); as inúmeras tentativas de busca de um doador desconhecido; a existência de diversos obstáculos, como os riscos advindos da origem genética. Na decisão, argumentou-se que a regra prevista na resolução do CFM é inconstitucional, por violar o princípio da legalidade, conforme art. 5º, inciso II, da CF/88.
Ou seja, não existe lei que proíba a realização do procedimento com a doação do material genético pelo amigo do casal, mesmo porque as pessoas envolvidas estão abrindo mão do anonimato, e ao contrário é que violaria a garantia prevista na Constituição de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, inciso III).
Com a liminar, foi possível as mulheres e o doador iniciarem à coleta e análise dos gametas eautorização para a clínica de reprodução começar o tratamento para a fecundação.
Uma das justificativas é que não há lógica no tratamento distinto feito pela resolução do CFM entre doações por parentes e não parentes, pois, se o doador, amigo do casal, se arrepender, o máximo que pode ocorrer é ter uma certidão de nascimento com duas mães e um pai. Todavia, se houver arrependimento pelo doador da família, haverá confusão de parentalidade, o que é muito mais arriscado.
As resoluções do CFM esclarecem dúvidas e criam referências para os procedimentos éticos dos médicos, mas não impedem que apareçam divergências na Justiça. A existência de legislação específica poderia trazer mais segurança jurídica e abriria caminho para decisões judiciais melhor fundamentadas, com embasamento médico, técnico e científico.
Decisões como essa quebram paradigmas.
Cristiane de Pinho Vieira
Advogada, integrante do escritório de Zamari e Marcondes Advogados Associados S/C e membra da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/SP Subsecção de Santos.