Duas visões antagônicas sobre o STF
De um lado, Luís Roberto Barroso, ministro da Corte. Do outro, Luíz Guilherme Marinoni, jurista e autor de dezenas de livros.
sexta-feira, 15 de julho de 2022
Atualizado às 14:30
Não é de hoje que boa parte da população brasileira se encontra descontente com algumas decisões advindas do STF. Para muitos brasileiros, o STF "passou da conta", esquecendo-se por vezes da CF/88, passando a inovar, em um claro ativismo judicial (judicial review).
Ciente dessa realidade, apresento duas visões antagônicas acerca da função do STF. De um lado, Luís Roberto Barroso, ministro da Corte. Do outro, Luíz Guilherme Marinoni, jurista e autor de dezenas de livros.
Barroso defende em sua obra que os tribunais constitucionais e supremas cortes detêm a função de vanguarda iluminista. Sobre essa função, caberia ao STF ser o agente de mudança social, ainda que sua decisão fosse contrária aos anseios da população.
No caso do aborto, por exemplo, Barroso prestigia o direito de a mulher escolher se deseja ou não continuar a gestação. Do outro lado, mais de 80% da população brasileira professa a fé cristã, terminantemente contrária ao aborto, por prestigiar a vida.
Barroso defende que essa decisão é iluminista, representa o avanço, o progresso, que o povo brasileiro ainda não está preparado, mas ainda assim deve ser imposta.
Marinoni discorda de Barroso. Para o primeiro, em determinadas situações o STF não deve decidir, isso para que a Corte respeite a vontade popular, o que evitaria traumas na democracia. Essa prerrogativa pode ser lida como uma medida de autocontenção, quando o próprio Supremo percebe que em determinadas situações, ainda que possa decidir, tendo em vista que o caso foi levado até a Corte, opte por não dizer o direito.
O raciocínio de Marinoni pode levar a crer que o STF poderia violar o inciso XXXV do art. 5º da CF/88, segundo o qual: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Contudo, não acreditamos que seja esse a melhor compreensão.
Para nós, quando o autor paranaense fala em não decidir, deseja que o debate público entre as instituições e a população civil organizada possa ocorrer, surgindo daíum amadurecimento. As discussões geram dissenso, por óbvio, mas até na divergência pode-se ter um efeito pedagógico positivo.
Marinoni, ao prestigiar a não decisão como manifestação de virtude, está, para nós, afirmando que a sociedade deve se posicionar diante das infindáveis demandas. Um descontentamento pode ser debatido entre os moradores de uma determinada cidade e surgir daí um propósito de acionar os parlamentares para deliberarem acerca do assunto. É verdade que há uma demora para que o Legislativo enfim delibere, contudo, esse tempo, essa demora (quando não é fruto do descaso ou apatia do legislador) faz parte do processo democrático. Há outras demandas que já foram levadas até os legítimos representantes do povo.
O STF, quando atropela esse percorrer, comete um grave equívoco, capaz de gerar traumas sociais e reações desproporcionais. É comum que um determinado partido não tenha êxito em suas proposições no Congresso Nacional, sendo vencido e, ao invés de melhor debater o tema, promover eventos que reúnam os interessados na proposta vencida e tentar convencer a maioria congressual, atropelam a deliberação do Legislativo e acionam diretamente o STF. Os parlamentares vencidos podem conseguir, em sede liminar, o que não teriam condições de galgar na casa legislativa.