Súmula do CARF viola direito das agroindústrias exportadoras
Deve ser assegurado o direito das agroindústrias exportadoras ao crédito presumido de IPI na aquisição de insumos utilizados na fase agrícola do processo produtivo.
segunda-feira, 11 de julho de 2022
Atualizado às 08:55
O CARF encerrou longo debate administrativo ao atribuir o caráter vinculante à súmula 183, oportunidade em que negou a pretensão de agroindústrias exportadoras de produtos nacionais de apurar crédito presumido de IPI sobre as aquisições de insumos aplicados na fase agrícola do processo produtivo. A restrição em questão não tem amparo na lei 9.363/96 que garante ao produtor-exportador o direito de apuração de créditos sobre insumos utilizados no processo produtivo do bem exportado. Entender de forma diversa, além de ferir a própria lei, viola o princípio da isonomia e a máxima de não exportação de tributos.
O crédito presumido de IPI, não obstante sua denominação, é uma forma de o exportador ser ressarcido do resíduo de tributos que incidem na circulação interna, notadamente no tocante às contribuições ao PIS e à COFINS. Dessa forma, conforme determina a lei 9.363/96, a empresa produtora e exportadora de mercadorias nacionais tem o direito de apurar tal crédito, mediante a aplicação do percentual estabelecido na lei, sobre o valor total das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem adquiridos no mercado interno para utilização no seu processo produtivo.
Entretanto, partindo de interpretação equivocada do artigo 3º, parágrafo único, da lei 9.363/96, a RFB e o CARF limitaram a amplitude do crédito presumido apenas à fase de industrialização do processo produtivo em razão do conceito restritivo de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, aplicável aos créditos da não-cumulatividade do IPI. Segundo tal conceito restritivo, os insumos para fins de apuração do crédito são apenas aqueles utilizados diretamente na fase de industrialização, em contato físico com o produto industrializado.
Todavia, além de duras críticas que podem ser feitas ao conceito restritivo de insumos que dão direito ao crédito da não-cumulatividade do IPI, fato é que o referido entendimento não pode ser aplicado ao crédito presumido de IPI. Isso, pois, a aplicação do referido conceito é subsidiária, o que significa que o conceito somente deve ser utilizado em caráter complementar à lei 9.363/96, jamais para contrariar ou restringir o direito nela estabelecido. Neste sentido, pode-se listar as seguintes premissas legais a partir da literalidade dos artigos 1º e 3º, parágrafo único, da referida lei:
- O crédito presumido de IPI incide sobre as aquisições, no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, para utilização no processo produtivo;
- Deve ser aplicada, subsidiariamente, a legislação do IR para o estabelecimento dos conceitos de receita operacional bruta e de produção; e
- Deve ser aplicada, subsidiariamente, a legislação do IPI para o estabelecimento dos conceitos de matéria-prima, produtos intermediários e material de embalagem.
A bem da verdade, o entendimento que prevaleceu na esfera administrativa restringe o processo produtivo a uma de suas fases, a fase industrial, o que jamais foi feito pelo artigo 1º da lei 9.363/96. A simples comparação entre o dispositivo legal e a súmula entrega ao leitor o desacerto do CARF na questão:
Lei nº 9.363/1996 |
Súmula CARF nº 183 |
Art. 1º A empresa produtora e exportadora de mercadorias nacionais fará jus a crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados, como ressarcimento das contribuições de que tratam as Leis Complementares nos 7, de 7 de setembro de 1970, 8, de 3 de dezembro de 1970, e 70, de 30 de dezembro de 1991, incidentes sobre as respectivas aquisições, no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, para utilização no processo produtivo. |
O valor das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários, materiais de embalagem, energia elétrica e combustíveis, empregados em atividades anteriores à fase industrial do processo produtivo, não deve ser incluído na base de cálculo do crédito presumido do IPI, de que tratam as Leis nºs 9.363/96 e 10.276/01. (Vinculante, conforme Portaria ME nº 12.975, de 10/11/2021, DOU de 11/11/2021). |
Não fosse a evidência de que as atividades agrícolas fazem parte do processo produtivo de uma agroindústria, é importante destacar que estas atividades também são conceituadas pela legislação do IR como produção, sendo diversos os dispositivos que fazem remissão justamente neste sentido. Assim, a aplicação subsidiária da legislação do IPI quanto aos conceitos de matéria-prima, produtos intermediários e material de embalagem, jamais poderá resultar em ineficácia do direito creditório sobre as aquisições utilizadas em qualquer fase do processo produtivo, inclusive a fase agrícola.
Caso fosse aceito o entendimento fazendário, além da patente violação à lei 9.363/96, as agroindústrias exportadoras adquirentes de insumos agrícolas (silvicultura, avicultura, piscicultura, cultivo agrícola etc.) para produção da própria matéria prima utilizada na fase industrial não teriam direito ao crédito presumido de IPI sobre estas aquisições. Todavia, os exportadores adquirentes de matérias primas produzidas por terceiro, teriam o direito assegurado.
Trata-se de flagrante violação ao princípio da isonomia, pois está sendo oferecido tratamento fiscal distinto a contribuintes em situação de equivalência. Além disso, o entendimento impõe a exportação de tributo brasileiro na composição do preço do produto nacional exportado, o que viola tratados internacionais e o princípio do destino vigente no Direito Internacional.
Portanto, embora o prognóstico seja desfavorável na esfera administrativa, pois a súmula do CARF vincula toda a administração tributária, é possível pretender em juízo a garantia do direito das agroindústrias exportadoras de apurar o crédito presumido de IPI sobre os insumos adquiridos na fase agrícola do processo produtivo.