Um ano do marco legal das startups: o que ainda precisa ser visto pelo legislador
Por mais que o legislador tenha criado um ambiente mais favorável para que as Startups se desenvolvam, ainda houve omissão ao deixar de lado pontos essenciais que impedem que as Startups brasileiras se desenvolvam no mesmo passo que as estrangeiras, e nos freia diante do cenário mundial de inovação.
sexta-feira, 8 de julho de 2022
Atualizado às 08:07
Os últimos anos foram marcados por frenéticas transformações e revoluções tecnológicas, que influenciam a sociedade desde as pequenas ações do dia até na maneira como o mercado internacional faz negócios e a economia mundial se formula. A utilização da inteligência artificial nas empresas, tribunais, ferramentas de pesquisa e ações cotidianas já são realidade. A transição do uso de dinheiro para bancos e serviços totalmente digitais (as fintechs), a inserção da internet das coisas nas casas, trabalhos, carros, além de outras milhares de tecnologias criadas no último século. As grandes responsáveis por descobrir e criar essas tecnologias são as famosas Startups, empresas não convencionais, que buscam evoluir rapidamente propondo negócios inovadores e ideias que fogem do tradicional, mas que sejam disseminadas em grande escala. Esses são os motivos pelos quais cada dia as Startups têm atingido mais esferas da sociedade e alcançado patamares mais altos de evolução.
No Brasil, as Startups começaram a crescer em 2010, e continuaram a se desenvolver mesmo em momentos de crise, ganhando cada vez mais espaço no mercado, atuando como um grande gerador de empregos, principalmente para jovens, universitários e interessados em tecnologia. Além disso, com a criação de programas de aceleração e apoio a Startups, o Brasil tem buscado alavancar essas empresas criando ambientes favoráveis livre de entraves jurídicos e de abuso de regulação, e em troca elas têm auxiliando o setor público, oferecendo ao governo soluções de alto impacto social e econômico e que podem melhorar significativamente os gargalos de gestão e ineficiências nos serviços públicos.
A criação desse ecossistema de inovação permitiu que o Brasil se tornasse um celeiro de Startups, despertando o interesse dos fundos globais para as empresas nacionais. Como resultado, o volume investido nesses negócios durante os dois primeiros meses de 2022 superou o volume do mesmo período de 2021, que insta ressaltar, foi recorde em investimentos, fazendo muitas dessas empresas virarem unicórnios - corporação com modelos repetíveis e escaláveis, com valor de mercado avaliado em mais de US$ 1 bilhão - nos setores de e-commerce, mídia, fintech, segurança e logística, incluindo São Paulo na lista dos lugares mais promissores do mundo.
Nessa perspectiva, e diante do avanço desse modelo de negócio no Brasil, tornou-se necessário que o legislador criasse uma norma que possibilitasse ao Brasil acompanhar os avanços mundiais e que visasse estabelecer condições mais favoráveis à criação dessas empresas. Por isso, ao final de Agosto do ano passado (2021) foi sancionada a Lei Complementar 182/2021, mais conhecida como "Marco Legal das Startups". Pautada em princípios que buscam garantir segurança tanto para o investidor quanto para o desenvolvimento da Startups, a lei busca essencialmente o reconhecimento do empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental, procura incentivar ambientes favoráveis ao empreendedorismo inovador, com valorização da segurança jurídica e da liberdade contratual, reconhece a importância da modernização do ambiente de negócios brasileiro, à luz dos modelos de negócios emergentes, visa fomentar o empreendedorismo inovador como meio de promoção da produtividade e da competitividade da economia brasileira e de geração de postos de trabalho qualificados. A lei ainda tem como um dos objetivos primários aperfeiçoar as políticas públicas de fomento ao empreendedorismo inovador, a promoção da competitividade das empresas brasileiras e a internacionalização e atração de investimentos estrangeiros.
A partir desse marco legal, as Startups passaram a ser vistas com outros olhos no mundo jurídico, pois até então, elas não possuíam leis específicas e, por isso, se sustentavam em cima de diversas instabilidades, já que não era possível ter certeza sobre quais modelos jurídicos poderiam ser utilizados e até que ponto os profissionais da área poderiam executar esse tipo de negócio. Com a tipificação das formas de investimento, o marco legal das Startups traz consigo um grande avanço quando se fala em maior segurança jurídica para os investidores, que podem escolher não ter vínculos com a empresa e ficam desobrigados de obrigações fiscais e tributárias, caso o negócio não dê certo. No entanto, apesar das novidades que o marco trouxe para o mercado de Startups brasileiras, durante a votação do projeto, o Presidente da República vetou dispositivos de incentivo fiscal para investidores e o que traria facilidade de acesso dessas empresas ao mercado de capitais. dois pontos considerados de suma importância para a Abstartups - Associação Brasileira de Startups e o ecossistema de inovação. No que tange à tributação dos rendimentos do investidor anjo, que é aquele empreendedor que financia com seu próprio patrimônio Startups com alto potencial de retorno, o Brasil, possui tributação excessiva e desproporcional sobre os rendimentos do investidor, tendo em vista que as alíquotas regressivas variam entre 22,5% e 15%, e são idênticas às praticadas na tributação de investimentos de renda fixa. Esse fator acaba se tornando um verdadeiro desincentivo para os investidores, afetando o desenvolvimento do ecossistema no Brasil e consequentemente levando a uma frenagem na inovação, uma vez que investir em uma Startup é de altíssimo risco, enquanto a renda fixa é de baixo risco.
Um estudo realizado pela instituição Grant Thornton Brasil em parceria com a Anjos do Brasil, mostrou que a dedução de impostos e programas de incentivos fiscais não representam renúncia tributária, assim como justificou o Governo ao vetar o artigo presente no marco, mas muito pelo contrário, aumentam o volume de arrecadação para Receita Federal, além de gerarem empregos e renda. Por isso, regulamentar uma ferramenta que facilita o acesso das Startups ao capital é um incentivo importante para aqueles interessados em investir em pequenas e médias empresas. Ademais, o estudo salienta que o investimento anjo pode alavancar o índice de emprego e renda em um país, e isso vem se mostrando cada vez mais fundamental no cenário atual, onde temos visto startups como o Quinto Andar, Loft, Mercado Bitcoin, Kavak, Facily, Vtex, Olist e outras empresas demitindo boa parte das equipes, resultado do aumento das taxas de juros pelos governos para combater a inflação.
Nos Estados Unidos, há 298 mil investidores-anjo, que aportam US$ 21,3 bilhões em empresas com alto potencial de crescimento. Na Europa, são 304 mil investidores-anjo, responsáveis por ? 6,1 bilhões. Já no Brasil, são R$ 851 milhões investidos, que representam apenas 0,9% da média mundial. Isso acontece porque, nos Estados Unidos, há dedução do Imposto de Renda de 10% a 100% do valor, dependendo do investimento. Na França, há 25% de isenção. O Reino Unido, além de dar isenção de impostos, permite a compensação de até 50% do valor do investimento em impostos devidos; em Portugal, são 20%. Nestes dois últimos países e na Itália, há isenção sobre ganho de capital. A Itália instituiu, em 2012, o Marco Legal das Startups, ou Italian Startup Act, para desenvolver um ecossistema inovador de empresas que empregam tecnologias de ponta. O conjunto de incentivos, entre eles o fiscal, permitiu ao país ter, na metade do ano de 2016, mais de 5,9 mil Startups inovadoras, número 160% maior em relação ao mesmo período de 2014.
Além da tributação de investimentos, também ficou de fora do Marco regulatório a contratação de talentos por stock options, que acontece quando o profissional trabalha em troca de participação acionária, e a contratação de talentos por vesting, que ocorre quando é oferecido a um colaborador ou funcionário de uma determinada sociedade o direito de adquirir uma participação societária, de forma progressiva e mediante o cumprimento de condições previamente estabelecidas. Apesar do ambiente trabalhista ser um dos mais importantes para o funcionamento de uma Startups, já que é por meio desses contratos que as empresas pequenas captam talentos capacitados para criação de projetos, estruturação e crescimento, aqui no Brasil ainda não possuímos uma regulamentação específica sobre o tema, mesmo que o assunto venha despertando entraves com a legislação trabalhista.
Essa natureza remuneratória, decorrente de participação acionária ou societária, compra de ações em valor simbólico e etc.. já é realidade em grande parte do mundo, e inclusive já tem regulamentação e jurisprudência consolidadas em alguns países, como no Reino Unido, por exemplo. No entanto, no Brasil, o cálculo de tributação sobre a contratação por stock options e vesting, e a discussão em torno das regras trabalhistas e previdenciárias, ainda são um assuntos polêmicos e fazem parte de disputas judiciais entre empresas, funcionários, Poder Judiciário e principalmente, Receita Federal. A jurisprudência ainda é meio nebulosa ao tratar dessa relação de trabalho fora do comum, e por isso, uma lei regulamentadora é de suma importância para uniformizar as decisões.
Analisando os fatos não é difícil concluir que, por mais que o legislador tenha criado um ambiente mais favorável para que as Startups se desenvolvam, ainda houve omissão ao deixar de lado pontos essenciais que impedem que as Startups brasileiras se desenvolvam no mesmo passo que as estrangeiras, e nos freia diante do cenário mundial de inovação. Por isso, regulamentar os estímulos fiscais, bem como as relações de trabalho, é fundamental para alavancar as empresas e despertar o interesse de novos investidores, principalmente nesse momento de onda de demissões, mas principalmente pensando no futuro.
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BRASIL. Lei Nº 182, de 1º de jun. de 2021. Institui o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador. Brasília, DF. Presidência da República, 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp182.htm
PORTO. Éderson Garin. Manual Jurídico da Startup: Como Criar e Desenvolver Projetos Inovadores com Segurança. 2ª edição. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2020
NONNENMACHER. Bruna Isabela, CARVALHO. Elisa Andrade, SILVA. Jéssica Maria. O Marco Legal das Startups e a Figura do Investidor Anjo. Vol 27. Belo Horizonte. Direito Izabela Hendrix, 2021
CARRILO. Ana Flávia. Crescimento Das Startups: Veja O Que Mudou Nos Últimos Cinco Anos. Abstartups, 2020. Disponível em: https://abstartups.com.br/crescimento-das-startups/ Acesso em: 21/06/2022
ANJOS DO BRASIL. GRANT THORNTON. O estímulo como ferramenta para o fomento do investimento em startups: O caso do investimento anjo. S.I.
Fernando Zanetti Stauber
Advogado e Procurador do Distrito Federal. Formado em 2001, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestre em Direito Administrativo pela Universidad Complutense de Madrid - UCM (Máster Universitario). Já participou de diversas bancas de concursos públicos e de exames da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Atualmente, exerce o cargo de Chefe da Assessoria Jurídico-Legislativa da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural do Distrito Federal.
Ana Carolina Ribeiro Leal
Graduanda em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Consultora de Projetos na Pacta Empresa Júnior e estagiária na área de Direito Cível.