As implicações sucessórias nas sociedades empresárias familiares
No que tange à companhia adquirente, ainda que na empresa controladora desta predomine o caráter familiar, raramente haverá o interesse em estender essa condição à sociedade adquirida.
segunda-feira, 4 de julho de 2022
Atualizado às 14:30
Tivemos a oportunidade de examinar as principais causas de fracasso nas sucessões das sociedades empresárias no artigo "As principais vantagens e problemas das empresas familiares", o qual recomendamos a leitura, tendo em vista que o presente trabalho dará continuidade a muitos tópicos que foram tratados neste primeiro.
A partir desse momento, focaremos nas soluções que podem ser adotadas para que o bastão da empresa seja passado com eficiência, preservando a atividade societária e a função social que esta exerce na comunidade.
De antemão, constata-se que há dois meios que podem ser adotados pelo(s) dono(s) do tipo societário. A primeira, é a manutenção da sociedade com o caráter familiar, hipótese na qual os herdeiros sucedem na gestão administrativa. A segunda trata da possibilidade de profissionalizar a governança, ou seja, os cargos estratégicos serem assumidos por pessoas comprovadamente qualificadas para tanto.
Na sucessão que preserva o aspecto estritamente familiar, é substancial que haja um membro da família que tenha sido devidamente preparado para ocupar esta posição e, ainda, que demonstre deter as aptidões necessárias para tanto.
Em geral, não somente a prática como os números estatísticos corroboram que o(s) controlador(es) da sociedade não buscam ativamente realizar um planejamento sucessório que englobe a identificação e o treinamento de um integrante que apresente desde a sua criação habilidades interessantes para o cargo de dirigente. Como consequência disso, o SEBRAE registra que apenas 25% das empresas que seguem esse modelo sobrevivem ao longo do tempo.
De outro ângulo, além da escolha pelo caminho da profissionalização de funções estratégicas, temos ainda a possibilidade da organização sucessória ser concebida com base em institutos como o protocolo familiar e a holding familiar, os quais serão analisados com maior cautela nos próximos escritos.
Nesta ocasião, vamos nos ater às direções possíveis que podem ser tomadas pelos sucessores quando não foi feito um preparo prévio pelo fundador e estes não conseguem chegar a um denominador comum quanto à gestão, porém concordam apenas no que tange a preferência pela opção que cause menores prejuízos financeiros.
Na presente conjuntura, estes podem ajustar entre si a alienação da empresa para terceiros, deixando o empreendimento não somente de ser propriedade da família do fundador, como provavelmente também perderá a natureza de sociedade familiar, tendo em vista que o que se verifica no campo prático é que essas empresas são compradas por grandes grupos econômicos.
No que tange à companhia adquirente, ainda que na empresa controladora desta predomine o caráter familiar, raramente haverá o interesse em estender essa condição à sociedade adquirida, posto que o investimento realizado nessa operação tem objetivo exclusivamente econômico.
Não verifica-se, pela perspectiva do adquirente, qualquer aspecto pessoal na operação. Já no olhar dos alienantes, este elemento prepondera, uma vez que estes estão transferindo a propriedade constituída por sua família para terceiro na tentativa de salvá-la e, ainda, para preservar os seus interesses financeiros nesta.
Afinal, essa é a herança desses descendentes/alienantes e, caso os mesmo não deem uma resolução para esta, ficarão sem a propriedade da companhia, já que mais cedo ou mais tarde esta será extinta em virtude das problemas administrativos decorrentes da desarmonia entre os sucessores e, ainda, sem o numerário em que esta poderia resultar se vendida em momento oportuno.
Intenta-se, dessa forma, que os herdeiros transformem suas respectivas quotas-partes em pecúnia, para que cada um defina onde desejará alocar a sua monta e, de outro lado, que a atividade empresarial seja preservada, de maneira que a função social desta seja propagada ao longo do tempo.
Uma sugestão possível também seria o chamamento de executivos experientes para os cargos de liderança, ficando os herdeiros apenas no conselho de administração da sociedade.
Outrossim, temos a circunstância na qual dois irmãos fundaram uma sociedade juntos, tendo cada um metade das cotas. Nesse sentido, a título exemplificativo, vamos supor que ambos possuem dois filhos, o que totaliza quatro herdeiros e, por conseguinte, eventuais sucessores.
Os fundadores, diante desse cenário, podem dispor no acordo de acionistas que, quando um destes vier a falecer, os outros não terão direito ao ingresso na sociedade.
Sendo assim, o único caminho possível seria a dissolução parcial, a qual pode ser efetuada consoante a regra geral prevista no CC/02 ou conforme os termos preestabelecidos pelos fundadores. Neste ponto, imprescindível ressaltar que o planejamento desta, com a apuração dos haveres devidos e a realização dos demais procedimentos, deve necessariamente perpassar pela observância à saúde financeira da empresa.
Portanto, deve-se sempre ter em mente que este é o objetivo precípuo do planejamento por meio da dissolução parcial, dado que uma retirada abrupta de elevado montante dos caixas da empresa pode levá-la ao estado de falência, o que pretende-se evitar ao máximo.
São infinitos os cenários que podem surgir e, por isso, ainda que o fundador não tenha tido a cautela de delinear a sua sucessão, revela-se viável, na prática, que os herdeiros procurem auxílio especializado para conservar as atividades empresariais, preservando o seu próprio interesse financeiro e, ainda, a função social executada pela sociedade.
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https://raulbergesch.com.br/
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