A guarda municipal do rio de janeiro e a fiscalização do trânsito
Em decisão de outubro de 2003, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, examinando recurso interposto pelo Ministério Público em ação civil pública, cancelou todas as multas aplicadas pela Guarda Municipal do Rio de Janeiro e suspendeu os efeitos de novos autos de infração que venham a ser lavrados.
terça-feira, 2 de março de 2004
Atualizado em 17 de fevereiro de 2004 11:46
A guarda municipal do rio de janeiro e a fiscalização do trânsito
Alexandre Vider*
Em decisão de outubro de 2003, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, examinando recurso interposto pelo Ministério Público em ação civil pública, cancelou todas as multas aplicadas pela Guarda Municipal do Rio de Janeiro e suspendeu os efeitos de novos autos de infração que venham a ser lavrados.
Em que pese essa decisão ter sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, por despacho do seu presidente, com fundamento na possibilidade de ocorrência de suposto dano à segurança pública e à disciplina de trânsito, bem como de lesão ao Erário, certo é que, sob a ótica puramente jurídica, a Guarda Municipal do Rio de Janeiro não tem competência para aplicar multas de trânsito.
Com efeito, a segurança do trânsito constitui um dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas atribuições, adotar as medidas de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades.
Nesse diapasão, é assinalável que integram o Sistema Nacional de Trânsito, dentre outros, as entidades e os órgãos executivos de trânsito dos Municípios, aos quais compete, ao lado de outras atribuições no âmbito de sua circunscrição, executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas no Código de Trânsito Brasileiro, bem como por infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito, tudo conforme expressamente dispõe o Código de Trânsito Brasileiro.
Bem se vê que o Código de Trânsito Brasileiro ampliou os poderes reservados aos Municípios, notadamente no que se refere às funções relativas à execução e fiscalização das leis de trânsito. Todavia, apesar de fixar a competência dos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, o aludido diploma legal não tratou da organização de tais órgãos, deixando à União e às Unidades Federativas essa tarefa, de modo que os Municípios deveriam organizar sua estrutura própria para o exercício das funções atribuídas pelo Código de Trânsito Brasileiro (Resolução nº 106 do CONTRAN) para que exerçam a competência prevista no artigo 24 do CTB.
Essa inclusão dos Municípios na administração do trânsito nos remete à seguinte indagação: a quem cabe o exercício do poder de polícia para a fiscalização do trânsito na esfera municipal? A preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio é exercida através de vários órgãos, cabendo aos policiais militares o exercício da função administrativa de caráter preventivo, incluindo-se a polícia ostensiva. Nesse sentido são os ditames do artigo 144 da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como dos artigos 183 e 189 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
O Decreto Federal nº 88.777/83, que aprovou o regulamento para a Polícia Militar, elenca os tipos de policiamento de competência da PM, estando o policiamento trânsito incluído no item policiamento ostensivo. Portanto, cabe à Polícia Militar a tarefa de fazer cumprir as leis de trânsito, inclusive nos Municípios, através de convênios.
Ocorre que o Código Brasileiro de Trânsito pretendeu nitidamente que fossem desenvolvidas instituições municipais próprias, especializadas e capacitadas a desempenhar a fiscalização do trânsito, como se verifica do disposto no inciso III, do artigo 23 do Código de Trânsito Brasileiro, que atribui à Polícia Militar o exercício dessa competência, concomitantemente com os demais agentes credenciados, isso em razão das infrações de trânsito serem predominantemente de natureza administrativa.
Nada obstante o exercício desse poder de polícia de trânsito não seja mais de exclusividade da Polícia Militar e possa ser feito pelos órgãos ou entidades dos Municípios, é assinalável que a Guarda Municipal do Rio de Janeiro não pode atuar como agente municipal de trânsito na fiscalização do trânsito no município do Rio de Janeiro, sob pena de desvio da finalidade constitucionalmente prevista das Guardas Municipais.
Isso porque a Constituição Federal de 1988, no seu §8º do artigo 144, facultou aos Municípios a constituição de guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, disposição legal que é repetida pela Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu artigo 183, §1º.
Entretanto, no caso do município do Rio de Janeiro, o legislador municipal, através da edição da Lei Municipal nº 1.887, de 27/07/92 e do Decreto Municipal nº 12.000/93, foi além daquela finalidade constitucionalmente prevista, atribuindo à Guarda Municipal a discrepante função de fiscalização, organização e orientação do tráfego de veículos em território municipal.
É de se notar que, ao atribuir as mencionadas competências à Guarda Municipal, o legislador municipal, além de desviar-se da vinculação de finalidade (proteção de seus bens, serviços e instalações) instituída na Constituição Federal quando facultou aos Municípios a criação de guardas municipais, acabou por legislar sobre matéria de trânsito, cuja competência é privativa da União.
É assinalável, ainda, que a Lei Estadual que dispõe sobre as normas balizadoras para atuação preventiva das Guardas Municipais, não incluiu como finalidade das Guardas Municipais a fiscalização do trânsito nos municípios.
Pode-se concluir do exposto que a Polícia Militar pode executar a fiscalização de trânsito nos Municípios, através de convênios e concomitantemente com os demais agentes credenciados. Entretanto, a Guarda Municipal do Rio de Janeiro não pode exercer a fiscalização do trânsito na qualidade de agente credenciado, vez que tal atividade destoa da sua finalidade prevista constitucionalmente (§8º, do artigo 144, da Constituição Federal) e infraconstitucionalmente (arts. 1º e 8º da Lei Estadual nº 2.696/97).
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* Advogado do escritório Siqueira Castro - Advogados