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Decisão proferida na vigência do CPC/73 e cuja intimação se dá durante o CPC/15, qual norma processual aplicar?

Recentemente o STJ analisou as regras de direito processual em um caso envolvendo um incidente de desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa, cuja desconsideração havia sido deferida na vigência do CPC/1973, mas a intimação da parte ocorreu somente na vigência do CPC/15.

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Atualizado em 28 de junho de 2022 10:30

Após a entrada em vigência do atual Código de Processo Civil muito se debateu sobre a (i)retroatividade dos atos processuais praticados durante o período de transição. O questionamento se mostra plenamente compreensível à medida que o novo codex processual alterou, significativamente, a forma como certos procedimentos deveriam ser realizados, apresentando, em algumas circunstâncias, maior rigor quanto a inadmissibilidade de atos praticados que não observam de maneira restrita a forma descrita no ordenamento processual.

Nesse sentido, mostra-se plenamente válido o seguinte questionamento: as decisões prolatadas na vigência do antigo código, contudo, efetivadas na vigência do novo código, devem observar qual disposição processual?

Segundo a recente interpretação do Superior Tribunal de Justiça, há que se aplicar em tais casos o princípio do tempus regit actum e a teoria do isolamento dos atos processuais, esta última instituída no art. 14 do CPC de 20151, ou seja, em que pese a intimação tenha ocorrido ao tempo da lei 13.105/15, a decisão foi proferida durante a vigências das regras processuais anteriores, logo a desconsideração da personalidade jurídica deve seguir o comando estatuído pelo CPC/1973.

O entendimento do STJ no tocante à observância da norma vigente ao tempo da decisão pode ser expressamente observado em sua jurisprudência, especialmente no Recurso Especial 1.954.015/PE.

A controvérsia dirimida nos autos do Resp 1.954.015/PE trata justamente da possibilidade de se aplicar as disposições instituídas no CPC/15 em face da decisão interlocutória proferida ainda na vigência do CPC/73 em razão da intimação da parte ter-se efetivado na vigência nova ordem processual.

A decisão proferida sob a égide do CPC/73 autorizou a desconsideração inversa da personalidade jurídica da empresa executada sem dar prévia ciência aos terceiros afetados com a desconsideração.

Pela lógica dos recorrentes, uma vez que o CPC/15 passou a entender ser imprescindível a prévia ciência dos terceiros interessados, para que, querendo, apresentem defesa a desconsideração antes de serem efetivamente inseridas no polo passivo, não há que se falar em aplicação do CPC/73, pois este, ao não impor tal condição, acabaria por violar o direito ao contraditório e a ampla defesa da empresa executada, além do que a intimação se deu já na vigência da lei 13.105/15.

Ainda para os recorrentes, a aplicação retroativa do CPC/2015 visa garantir o exercício a ampla defesa e ao contraditório, pois ao tempo da desconsideração não foi observado o requisito que atualmente é considerado condição sine qua non à desconsideração da personalidade jurídica: a prévia ciência e defesa dos terceiros afetos com o ato.

O Recurso Especial foi processado e julgado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, a qual entendeu por desprover o recurso e, com isso, ratificar seu posicionamento quanto a inaplicabilidade das regras processuais do CPC/15 à decisão proferida na vigência do CPC/73, mesmo que a parte tenha sido intimada da decisão somente ao tempo da lei nova.

Segundo a decisão, "a aplicação do incidente da desconsideração da personalidade jurídica, nos termos previstos no art. 133 do CPC/15, não é exigível ao presente caso, pois a decisão que desconsiderou a personalidade da executada originária foi proferida em meados de 2014, isto é, enquanto vigente o CPC/73, diploma normativo que não disciplinava um incidente próprio para tais casos nos moldes do CPC hodierno. Deve-se ressair que doutrina e jurisprudência, conforme apontado outrora, são hialinas ao sustentar que a lei nova não pode atingir atos processuais pretéritos. Nessa linha de intelecção, permitir a incidência do novo CPC em lugar do vetusto diploma processual implicaria a edificação de um sofisma, máxime porque a desconsideração da personalidade jurídica foi efetivada em 2014, na vigência, portanto, do CPC/1973" (Resp 1.954.015/PE).

Pelas teorias do tempus regit actum e da Teoria do Isolamento dos Atos Processuais estabelece-se critérios de defesa de situações já consumadas quando lei nova entra em vigor, ditando a irretroatividade desta- ou em outras palavras, excluindo sua eficácia com relação a essas situações2, logo a avaliação sobre qual norma é aplicável ao caso decorre da aplicação do direito intertemporal.

Nota-se que para o STJ é indiferente se a ciência da decisão ocorreu após a nova lei, pois a lei que rege o ato é a vigente quando da prolação do ato judicial e não a lei ao tempo da intimação ou aplicação da decisão antes proferida.

______________

1 Art. 14 da lei 13.2015/15: A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada

2 DINAMARCO, Cândido Rangel; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahi; CARRILHO LOPES, Bruno Vasconcelos. Teoria Geral do Processo. 32 ed. Ver. Atua sobre a obra Teoria Geral do Processo de CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO. São Paulo: Ed. Jus Podivm, 2020. pág. 151.

Diego da Mota Borges

Diego da Mota Borges

Professor Universitário; Mestrando em Desenvolvimento Regional pelo Uni-Facef; Especialista em Direito Processual Civil e Direito Penal Econômico; Advogado sócio do escritório MVB Advogados.

Douglas Bruno dos Santos

Douglas Bruno dos Santos

Estágiario de Direito no escritório Moisés, Volpe e Del Bianco Sociedade de Advogados. Atua no setor contencioso de Direito Imobiliário, Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil.

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