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Os tribunais superiores não são órgãos de segurança pública

Uma matéria que necessita de revista por parte de nossos Tribunais superiores é o das nulidades processuais penais, com seus brocardos e adágios mais que ultrapassados.

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Atualizado às 08:53

Atualmente, o mundo jurídico, especialmente aquele que trata de direito processual penal e direito penal, está observando diversas decisões paradigmáticas que efetivam os direitos e garantias dos acusados e investigados na persecução criminal.

Exemplos dessa mudança jurisprudencial podem ser vistas nas decisões do HC 598.051, 6ªT, STJ, que estabeleceu cinco teses centrais em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial:

HC 598.886, 6ªT, STJ, que determinou que o reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; nesse mesmo sentido RHC 206.846, STF;

HC 736.926, 5ªT, STJ, que reconheceu a ilicitude das provas obtidas por revista pessoal realizada por guardas municipais, sem a existência de necessária e prévia justa causa;

RHC 158.580, 6ªT, STJ, que estabeleceu que "exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa) - baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto - de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência";

HC 214.916, STF, que decidiu que o fato de o paciente não se apresentar à Justiça não implica renúncia tácita ao direito de participar da audiência virtual, em outras palavras, a presença do réu foragido na sessão de audiência de instrução virtual é plenamente possível.

Esses são alguns dos exemplos que demonstram que os tribunais superiores estão alinhando uma posição mais garantista aos casos que são chamados a julgar. Estão levando a Constituição Federal a sério.

Como reação, algumas pessoas e grupos começaram a criticar os Tribunais, com comentários como: "essas decisões favorecem a violência", "o crime venceu", "estão tirando o livre-arbítrio da polícia", "estão acabando com a polícia"1.

Cientes dessas críticas, alguns ministros do STJ, na última sessão do dia sete, rebateram essas falas e ressaltaram a real função da Corte de Justiça.

O ministro Olindo Menezes pontuou que essa "nova" jurisprudência, redentora, nas palavras dele, ainda não está sendo seguida por certos seguimentos da sociedade, citou o Poder Judiciário, Ministério Público e os órgãos de investigação policiais. De vez em quando, esses segmentos interpretam como se o STJ estivesse acenando ao crime, como se o STJ fosse contra o trabalho policial. Finalizou dizendo que essa nova jurisprudência inaugura uma cultura de culto aos direitos constitucionais dos acusados e que sua adesão por todos os atores da persecução penal leva tempo2.

O ministro Rogerio Schietti Cruz, por sua vez, esclareceu que enquanto as agencias estatais não mudarem radicalmente a sua maneira de lidar com o processo criminal, cada autoridade (policial militar, policial civil, promotor de justiça, juiz, desembargador, ministro) não se ocupar do seu caso como singular, continuaremos a ver pessoas serem condenadas de modo absolutamente divorciado do que preconiza a lei3.

Vê-se, assim, que não cabe a um ministro adequar as suas decisões a uma prática de investigação policial, de atuação ministerial ou fundamentos judiciais em primeira e segunda instâncias que não mais de adequam e respeitam à ordem jurídica advinda com a Carta Política de 1988.

É justamente ao contrário. Devem as autoridades, principalmente as judiciarias assegurarem direitos e aplicarem a lei, pois, direitos e garantias fundamentais, mais do que palavras bonitas, são conquistas civilizatórias e necessitam de efetividade por parte de todos os atores no processo penal constitucional democrático.

É necessário abandonar no campo processual penal a ideia de que efetividade significa prender e condenar mais pessoas. Condenar sim, quando respeitadas as regras processuais e a pena for individualizada de forma correta. Contudo, tudo deve seguir rigorosos parâmetros para se aferir uma responsabilidade penal. A presunção de inocência é a regra e só com a certeza advinda de provas obtidas de forma lícita, obtém-se a condenação criminal.

Esse é o "preço" que muitos atores da investigação e processo criminal não querem pagar, querendo encontrar culpados a qualquer custo. Cedo ou tarde todos terão de se adequar, sob pena do sistema de justiça criminal não se sustentar mais em si.

A torcida é que tenhamos cada vez mais decisões paradigmáticas, que valorizem e continuem dando efetividade a direitos, não favores, ajudinhas ou manobras como muitos assim interpretam, ou de desconhecimento ou má-fé!

Aliás, uma matéria que necessita de revista por parte de nossos Tribunais superiores é o das nulidades processuais penais, com seus brocardos e adágios mais que ultrapassados, mas essa análise fica para outro artigo.

A advocacia criminal, por sua vez, deve sempre se manter atualizada para poder requerer com fundamentos não só jurídicos, mas com embasamento em diversos campos do saber e assim, oferecer argumentos fortes e que possibilitem mais alterações substanciais de entendimento nos tribunais pátrios.

Finalizo com excerto do julgamento Justice Brandeis, em Olmstead v. Estados Unidos, 277 U.S. 438, 485 (1928), que demonstra o espírito que deve animar os operadores do direito:

 A decência, a segurança e a liberdade exigem que os funcionários do governo sejam submetidos às mesmas regras de conduta que são ordens para o cidadão. Em um governo de leis, a existência do governo estará em perigo se não observar escrupulosamente a lei. Nosso governo é o professor poderoso e onipresente. Para o bem ou para o mal, ensina todo o povo pelo seu exemplo. O crime é contagioso. Se o governo se torna um infrator da lei, gera desprezo pela lei; convida todo homem a se tornar uma lei para si mesmo; convida à anarquia.

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1 Como exemplo: https://www.instagram.com/reel/Cd_FuFPDd27/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D&fbclid=IwAR1_0WgQCEmme4niCfsYdtJI-oqhS3YPyGV_PwTd-5CvsQIJatx75p86bDA

2 A partir do minuto 2:38:22 https://www.youtube.com/watch?v=X4DDpMDRMgg

3 A partir do minuto 2:56:30 https://www.youtube.com/watch?v=X4DDpMDRMgg

Bruno Parentoni

Bruno Parentoni

Advogado criminalista do escritório Roberto Parentoni e Advogados. Graduado pelo Mackenzie. Membro do IBRADD - Instituto Brasileiro do Direito de Defesa.

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