A "guerra" que o Brasil enfrenta: as idas e vindas no sistema partidário
O Brasil vive um tempo de desordens, e com eleições próximas eivadas de nódoas urge mudar o atual sistema político para um outro moderno e competitivo, oportunizando o surgimento de novas lideranças.
segunda-feira, 13 de junho de 2022
Atualizado às 13:56
Entendo que o Brasil está passando por um momento ímpar em suas diversas áreas de atividades, e uma delas que passo a comentar diz respeito à reforma política - o que tem ocorrido são reformas eleitorais anuais, de cunho transitório e sem efetividade.
Os parlamentares sempre propõem legislações para satisfação direta de seus interesses pessoais, sem ver as necessidades gerais do país - são tantas propostas existentes na Câmara e Senado que ao longo dos anos perdem a razão de serem implementadas por falta de uma ação impulsionadora de quem propôs.
Uma das mais recentes, dentre outras existentes, foi proposta em setembro de 2021 pelo senador Oriovisto Guimarães/Podemos-PR (PEC com três candidatos no segundo turno das eleições presidenciais), cuja ideia original partiu do senador Marcelo Castro/MDB-PI, sem estender essa medida para às eleições de governadores e futura, de prefeitos, o que se ocorresse contemplaria as outras duas esferas de poder (estados e municípios).
Não deixa de ser uma boa ideia, mas longe de ser uma proposta efetiva, duradoura, de longo alcance e abrangente, mas sobre sua tramitação apenas foi iniciada - não se sabe por que não prosperou, podendo, em tese, o seu autor ter sido desestimulado a não prosseguir, dentro e fora de seu partido, por razões desconhecidas.
Os parlamentares brasileiros tiveram tempo de sobra para dar uma grande contribuição ao processo político do país, pois tanto o Senado (05/20) quanto a Câmara dos Deputados (04/21) tomaram conhecimento de propostas, dentre outras, de reforma política, ainda dentro do prazo para obedecer o princípio da anualidade eleitoral, inclusive com possibilidades de ser reformada e aperfeiçoada, e que dentre outros objetivos se propunha: 1) redução de partidos; 2) fim da reeleição; 3) não haver coligações, com a obrigação de todos os partidos lançarem candidatos, desde que reduzidos, nas três esferas de poder (Federal, Estadual e Municipal); 4) preenchimento dos cargos na estrutura administrativa desses poderes, de acordo com o número de votos recebidos por cada partido (administração compartilhada pelo voto) entre os participantes das eleições.
Outras situações favoráveis desse novo modelo, no caso de ser adaptado para enfrentar a atual realidade política, serviria para se obter as seguintes vantagens adicionais: a) o modo de atuar das mídias sociais, que hoje se expressa de forma agressiva entre militantes partidários, fora do contexto civilizatório, doravante com essa nova proposta de modelo partidário deveria atuar de forma proativa, consentânea com a linha programática do seu partido de preferência, concorrendo para mudanças de agir em suas relações interpessoais e, consequentemente, abolindo ou diminuindo a proliferação de fake news; b) as demissões no cargo situado em atividades meio, e sua consequente substituição, não teria mais a intervenção do chefe do executivo, sendo uma prerrogativa do partido por força do voto do eleitor que recebeu nas eleições, e assim não haveria tanta descontinuidade administrativa no exercício do cargo quando houvesse mudança repentina do seu ocupante; c) ao final, depreende-se, toda vez que houvesse necessidade de preenchimento de cargos, com disputas entre os partidos pela vaga aberta, e se ocorresse, ficaria restrita dentro do partido, e com isso se daria um basta (o que se espera) no "toma lá dá cá", no "é dando que se recebe", no "balcão de negócios" entre o Executivo e o Legislativo.
A nova ordem partidária, de um modo geral, teria o condão de mudar os rumos de administração dos partidos para um modelo profissional, onde não mais se veria a figura de seus "donos", que sempre dão as cartas nos seus destinos como se fosse uma propriedade particular, sem ter que dar satisfação aos seus filiados. Essa reforma acima descrita abrangeria as duas casas legislativas (Câmara e Senado), bem como os governos Estadual e Municipal, e respectivas assembleias e câmaras, seguindo também o mesmo princípio de votos recebidos por cada agremiação partidária.
Dessa forma, as funções dos poderes Executivo e Legislativo, em tese, estariam programadas para dar um novo rumo promissor de governança no plano Federal, Estadual e Municipal, estabelecendo relações de governo livre de amarras por relações políticas transitórias, e até espúrias, trazendo uma outra vantagem de maior alcance e perenidade: "distinção dos partidos por sua linha ideológica" sem ficar preso por um cordão umbilical vinculado a outro partido hegemônico, como se fosse um satélite dependente das sobras de quem está no comando do poder central dos três níveis de governos.
Quem não se lembra da "simbiose partidária", pela linha da centro-esquerda/direita, entre o PSDB/PFL-DEM e conexos; pela esquerda, entre o PT/PCdoB/PSB e conexos, essa ainda em atividade, o que tem gerado situações confusas no quadro das agremiações determinadas pelas implicações de mudanças políticas temporárias, denominadas de "janela" e "federação" partidária, mais adiante comentadas.
Dito isto, pela exposição acima dos fatos, consideraria ainda tecer algumas impressões oriundas das práticas do atual modelo político que tem desfigurado os partidos, levando os seus dirigentes a disputas autodestrutivas - a recente escolha, por pesquisa, do candidato do PSDB à presidência da República é um exemplo de desunião interna, onde a ala do perdedor não aceitou o seu resultado, gerando graves e irreversíveis distorções nas relações desse partido com seus membros, contornadas depois por dirigentes do partido, mas hoje tomando um rumo inesperado com a renúncia do candidato vitorioso nas prévias à presidência, sendo mais uma prova de que o atual modelo político não tem mais razão de existir.
Por não ter tradição de escolhas de candidatos, pelo voto dos filiados, os partidos são compelidos a seguir legislações eleitorais de curto prazo, dificultando-os implementar suas linhas programáticas.
A - janela partidária
Criada pela reforma eleitoral (lei 13.165/15), tem por objetivo proporcionar aos parlamentares a mudança de partidos sem que haja perda de mandatos, tendo se consolidada como uma forma de saída para outra legenda, após decisão do TSE, considerando que o mandato pertence ao partido, e não ao candidato eleito. Tal decisão tomada por esse tribunal é mais uma intervenção no seio do sistema político brasileiro que veio, segundo entendo, para tornar mais confuso o modelo partidário do país, no presente com mais de 30 legendas, sendo que grande parte delas não têm condições de chegar ao poder - objetivo maior a ser perseguido por qualquer uma delas.
O que se vê hoje nessa corrida desenfreada de mudanças de legenda, com prazo de 30 dias (curtíssimo para atender demandas, às vezes complexas, de um processo viciado de muito tempo), é que não houve um tempo razoável para os partidos absorverem um contingente de novos parlamentares aliados, onde muitos que chegam à nova casa se dá mais em função dos recursos do fundo partidário do que em defender às linhas programáticas de seu novo abrigo, aderindo principalmente para fins de defesa de suas próprias reeleições, o que se constata em todos os estados.
Para confirmar o troca-troca tresloucado de parlamentares entre os partidos para as eleições de 2022, destituído de qualquer lógica e sem pudor, pode-se ver que a corrida ao ouro se deu de forma desenfreada, conforme abaixo:
I) Partidos de apoio ao governo com mais ganhos de parlamentares: PL (33 para 75) = + 42; Republicanos (30 para 44) = + 14; PP (38 para 49) = + 11;
II) Partidos sem apoio ao governo, com acréscimos de parlamentares: PSD (35 para 45) = + 10; PT (54 para 56) = + 2; MDB (34 para 36) = + 2;
III) Partidos que perderam parlamentares: PSB (32 para 24) = - 8; PDT (28 para 21) - 7: PSDB (29 para 27) - 2.
B - Federação Partidária
Criada pela reforma eleitoral de dezembro/21 (lei 14.208), tem o objetivo de permitir às legendas atuarem de forma unificada em todo o país, como teste para eventual fusão ou incorporação, desde que essa união permaneça durante todo o mandato conquistado, valendo para eleições majoritárias ou proporcionais. As federações têm apresentado dificuldades para os partidos que se juntam nessa configuração em função de peculiaridades existentes nos estados, destacando-se, dentre outras:
- Conjuntura política diferente em cada estado;
- Interesses locais conflitantes dentro do próprio estado;
- Parlamentar de partido que antes da federação tinha uma posição de crítica ao governo local estaria ameaçado de expulsão, por imposição dessa junção, caso não se alinhasse com as ideias do candidato dessa federação;
- Ideologias nem sempre afinadas entre si, dificultando a junção de várias linhas programáticas dos partidos em uma única plataforma de ação, visando uma só unidade de comando.
As federações partidárias tiveram até o último dia 31 de maio para formalizarem os acordos de junção, depois de questionarem no Supremo o prazo exíguo que era de 1º de março, chegando a formar apenas três: 1ª) PT + PC do B + PV (68 deputados); 2ª) PSOL + REDE (10 membros); 3ª) PSDB + Cidadania (27 deputados), o que representa sete partidos de um total de 28 com assentos no Congresso.
Nesse caso, como uma primeira tentativa de ordenamento do processo eleitoral, poder-se-ia repensar (Congresso Nacional) a discussão da proposta da PEC do senador Guimarães, aperfeiçoando-a com outras existentes no Senado e na Câmara dos Deputados, que poderia ir além do que foi proposto nessa iniciativa, com a incorporação de outras ideias fora do contexto parlamentar enviadas às referidas casas legislativas.
Aí vem uma indagação sobre a implementação de uma reforma política que poderia ser considerada na ótica dos congressistas um tanto fora de época e estaria muito em cima das eleições, além do que seria entendida como um casuísmo para prejudicar ou beneficiar algum candidato e ser, como de costume, questionada no STF - o proponente, nesse particular, está com uma visão voltada para o futuro do país, além do que teria como objetivo imediato ordenar o quadro partidário do pais sob uma nova ótica de disputa, desconcentrando o poder sob o império do voto do eleitor consagrado nas urnas.
No presente, fazendo-se alusão ao que os congressistas fizeram com a subtração de parte dos direitos dos credores provenientes de sentenças, os senhores foram muito ágeis em defender os seus interesses partidários, pois sequer fizeram um juízo de valor de que todo o conjunto institucional da Justiça estaria sendo desmoralizado quando, em tempo recorde, desrespeitaram um dos princípios da maior valia para esse poder, qual seja o trânsito em julgado de uma sentença (às vezes dura decênios para sua implementação) que mais adiante se transformaria em precatório. E aí veio os conchavos combinados do Executivo com o Legislativo, retirando parte dos recursos dessas dívidas dos estados para alimentar o processo eleitoral deste ano de 2022.
De tantas controvérsias existentes sobre a validade dos instrumentos operacionais que viabilizam o processo eleitoral, dentre outros, as urnas eletrônicas, o ministro Edson Fachin (presidente do TSE) anda um tanto preocupado com o futuro das eleições, quando afirmou: "A Justiça Eleitoral está sob ataque"; "A democracia está ameaçada"; "A sociedade constitucional está em alerta", e concluiu, pela legalidade constitucional, defender a Justiça Eleitoral e o processo eleitoral.
Portanto, são essas considerações que os senhores congressistas devem se debruçar (planejar) e a população cobrar diuturnamente dos parlamentares a proposição de um novo ordenamento político para o Brasil (reforma política), com propostas promissoras de gerar ganhos adicionais para o país, num futuro próximo e duradouro, mesmo que hoje se tenha a ideia (via PEC) de adicionar um certo tempo (custo menor) de permanência no poder das atuais lideranças - sendo o mais breve possível -, para mais adiante trazer vantagens (benefício maior) para todo o arcabouço partidário e para o Brasil, traduzidas por perspectivas igualitárias de assunção ao poder de todos os partidos participantes das eleições, desde que observado a redução do seu quantitativo.
O atual modelo de disputas eleitorais está exaurido, no qual há muitos pretendentes para uma só vaga no conjunto da administração pública, concorrendo para uma excessiva polarização cada vez mais acirrada, entre o "bem" e o "mal", não permitindo o surgimento de novas lideranças partidárias, situação igual ao bipartidarismo de um passado recente antidemocrático e traumático.
Nessa proposta de reforma política que se está visualizando nada a ver com semipresidencialismo, e sim com a prevalência do voto do eleitor combinado com a linha ideológica dos partidos, permitindo uma desconcentração do poder nas áreas Federal, Estadual e Municipal, onde os partidos assumirão postos de comando nas estruturas das referidas áreas de acordo com o número de votos recebidos nas eleições - de modo genérico, a situação atual de confrontos políticos fora de um contexto civilizatório nunca antes vistos em situações anteriores pré-eleitoral, está a exigir um movimento para elaboração de uma "constituinte pró reforma política", igual na ação, mas em menor dimensão no seu conteúdo, semelhante ao que aconteceu com a elaboração da CF/88.