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O drama da prisão de inocentes

Precisamos estar em permanente estado de vigilância, para ao um só tempo defender a sociedade daqueles que teimam em fazer do público o privado.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Atualizado em 8 de junho de 2022 14:42

A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu título II, os Direitos e Garantias Fundamentais, subdivididos em cinco capítulos.

Todo ser humano já nasce com direitos e garantias, não podendo estes ser considerados como uma concessão do Estado, pois, alguns estes direitos são criados pelos ordenamentos jurídicos, outros são criados através de certa manifestação de vontade, e outros apenas são reconhecidos nas cartas legislativas.

As pessoas devem exigir que a sociedade e todas as demais pessoas respeitem sua dignidade e garantam os meios de atendimento das suas necessidades básicas.

Os direitos humanos têm uma posição bidimensional, pois por um lado tem um ideal a atingir, que é a conciliação entre os direitos do indivíduo e os da sociedade; e por outro lado, assegurar um campo legítimo para a democracia.

A par disso, sabemos que o titular desse direito individual é o ser humano, seja ele alto, ou baixo honesto ou desonesto cumpridor da lei ou criminoso. Não se discute que o combate à criminalidade cabe exclusivamente ao Poder Executivo, por intermédio das polícias, e do Ministério Público, titular que é da ação penal. Ocorre, porém, que esse combate fatalmente há de colidir com os direitos individuais.

Seguindo esse raciocínio, sabemos que o art. 129, VII da Constituição Federal conferiu a combativa instituição do Ministério Público o exercício do controle externo da atividade policial, objetivando que seja exercida fiscalização sobre as atividades da polícia em sua missão de apurar as infrações penais, para o inquérito seja revestido, repita-se, revestido de elementos fortes a dar suporte a futura ação penal e ao próprio processo penal, bem como que a atividade policial trilhe pela total legalidade.

Pois bem.

Assistimos com indignação os fatos ocorridos na cidade de Umbaúba/SE, em que uma ação envolvendo policiais rodoviários federais resultou na morte do senhor Genivaldo de Jesus Santos na quarta-feira após uma desastrosa abordagem policial, cuja ação da 'violência' viralizaram nas redes sociais pelo mundo todo.

O vídeo mostra o Genivaldo sendo arrastado pelo chão e, ainda vivo sendo trancado no porta-malas de uma viatura onde os policiais detonaram bombas de gás. Toda a ação foi registrada por testemunhas. Com os rostos cobertos por capacetes, os policiais aparecem nos vídeos tentando fechar o porta-malas da viatura sobre as pernas da vítima, que estavam fora do veículo e, para tentar impedir a resistência de Genivaldo, os policiais atiraram as bombas no interior do carro.

Sem dúvida, a truculência e os despreparos demonstrados nos vídeos chocam, basicamente, pelo abuso nítido na conduta dos policiais, que agiram de forma desmedida, empregando força além da necessária para o caso, em total descompasso com as garantias constitucionais, legais.

Com efeito, é inadmissível que um órgão estatal, cumpra sua altaneira missão violando a norma legal. Nada justifica e tampouco autoriza que alguns de seus integrantes, independente do móvel de que imbuídos, operem à margem da lei no exercício de suas funções. Com tal não se pode compadecer, exigindo-se, pois, ampla apuração e severa punição.

Sem embargo, não se trata de 'desconfianças' quanto aos rumos que se pode dar às investigações, mas de legitimidade e interesse mesmo da OAB nacional em acompanhá-las, até porque, dentre suas funções institucionais está a de agir em defesa da Constituição, da ordem Jurídica do Estado Democrático de direito, e de pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento das instituições [lei 8.906/94, art. 44, I], especialmente diante desses deploráveis fatos, enormemente repudiado por todos.

O Conselho Federal e a Seccional de Sergipe da Ordem dos Advogados do Brasil manifestam indignação pelo assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, praticado com fortes indícios de tortura, e atuarão diretamente no caso para cobrar das autoridades as providências cabíveis, inclusive prisão cautelar dos envolvidos, afirmou a nota, assinada pelo presidente em exercício do Conselho Federal da OAB, Rafael Horn; o presidente da OAB-SE, Danniel Costa; e  do atuante e renomado Procurador-Geral do Conselho Federal da OAB, advogado do nosso Estado Ulisses Rabaneda.

A entidade afirmou que o assassinato de pessoas negras no Brasil não é um caso isolado. "As instituições lamentam o triste episódio, que não pode ser considerado isolado, pois o assassinato sistemático de pessoas negras é uma triste realidade de nosso país, que carece de ações específicas para ser superada".

O Brasil inteiro tornou-se testemunha desse crime 'hediondo' graças aos vídeos feitos por moradores de Umbaúba, que a tudo assistiram em agonia, desespero, horror. E resignação diante de um poder sem freios. Como exigir que interviessem, que impedissem? Um dia antes, uma operação deflagrada pelo Bope - Batalhão de Operações Policiais Especiais, da Polícia Militar do Rio, em conjunto com a PRF, havia deixado um rastro de pelo menos 23 cadáveres na Vila Cruzeiro, favela da Zona Norte da capital fluminense. Como então não ter medo sendo apenas um cidadão civil e negro?             

É evidente que não estamos diante de um caso de utilização de força necessária à condução de indivíduo que esboçou atos de resistência. A primeira pergunta que nos vem à mente é: O que fazem as corregedorias para evitar que cheguem a tais incidentes? Afinal, na maioria das vezes, os casos noticiados na mídia não ocorrem isoladamente, ao contrário, é fruto da tolerância daqueles que têm o dever de controlá-los. Em outras palavras, a ausência de controle estimula a prática de infrações? Eis a questão!

Diante desses fatos, precisamos estar em permanente estado de vigilância, para ao um só tempo defender a sociedade daqueles que teimam em fazer do público o privado, que insistem em macular a vida de cidadãos de bem, mantendo-se firme na vigilância do Estado Democrático de Direito, da ampla defesa e o devido processo legal, princípios basilares, porque contra esse paradoxo intolerável, todos os cidadãos, independente de origem profissional ou social, têm o dever de cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis do país, em defesa dos valores essenciais da vida coletiva e da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República.

A OAB estará sempre atenta em defesa dos inocentes!

José Ricardo Costa Marques Corbelino

José Ricardo Costa Marques Corbelino

Advogado e membro da ABRACRIM.

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