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Inovações na regulação das concessões rodoviárias: o que esperar?

O momento é propicio a boas mudanças: a ANTT tem se mostrado aberta ao diálogo com todas as partes interessadas. Usuários, concessionárias, poder público e outros agentes da cadeia logística tem, portanto, o potencial de contribuir para melhoria da infraestrutura rodoviária.

terça-feira, 31 de maio de 2022

Atualizado em 1 de junho de 2022 08:26

Enquanto teóricos disputam qual modelo regulatório ideal para as concessões rodoviárias, a ANTT finca sua aposta em ações de unificação da sua regulação discricionária, como alternativa ao casuísmo da regulação contratual.

A iniciativa de unificar o tratamento de certos pontos em um regulamento de concessões rodoviárias (RCR) surgiu justamente com intuito de padronizar a regulação e torná-la mais aderente às necessidades do serviço público concedido. O regulamento único valerá para novas concessões de forma automática, ao passo para os contratos antigos, assinados antes de sua publicação, sua aplicação dependerá de expressa adesão por parte da concessionária.

A primeira parte deste projeto, o RCR 1 que trata de normas gerais para contratação, já se encontra em pleno vigor e além dele são esperadas mais quatro normas:

RCR2: condução de obras e serviços,  bem como preservação do patrimônio público concedido de acordo com princípio da eficiência.

RCR3: manutenção do equilíbrio contratual durante toda a gestão do serviço público.

RCR4: supervisão da prestação de serviço e correção das não conformidades; função sancionadora.

RCR5: continuidade do serviço público e manutenção do nível do serviço público.

O tema está na ordem do dia, considerando que a reunião participativa aberta 2/20 com o objetivo de discutir e receber manifestações acerca da segunda parte do regulamento de concessões rodoviárias e relatório final da audiência pública 008/2021 está aberta até 13/05/22.

Os principais temas abordados pela RCR2, como destacado pela ANTT são "planejamento e sistemas de gestão; tratamento dos bens da concessão; elaboração de estudos, projetos e orçamentos de engenharia; gestão da área da concessão; acompanhamento ambiental; execução de obras e serviços pelo concessionário; operação rodoviária; verificador independente; e obras do poder concedente".

No atual momento, a ANTT já sinalizou algumas mudanças em relação texto original posto em audiência pública em 2021, alteração que ocorreu após intensa atuação de vários stakeholders.

Na coluna de hoje discutiremos  quatro relevantes sugestões de alteração que foram acatadas pelo relatório de análise das contribuições da audiência pública 8/2021 além da justificativa para rejeição de uma contribuição, antecipando o que poderemos esperar da regulação que está por vir.

Segurança jurídica para os pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro

Se de um lado a mutabilidade é elemento essencial para assegurar a capacidade das concessões se adaptarem a novos tempos e circunstâncias, de outro  o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro funciona como contraponto que confere segurança jurídica ao investimento do privado em relação às tais mudanças.

Ainda que o tema do reequilíbrio seja objeto específico da RCR3 (ainda não, alguns marcos relevantes para garantia do direito ao reequilíbrio foram definidos. Veja-se alguns exemplos: 

  • A ANTT indicou que caso o termo de arrolamento com bens da concessão acompanhe o edital (situação ideal, diga-se de passagem!), sua eventual alteração superveniente deverá ser acompanhada do respectivo reequilíbrio econômico-financeiro (art. 13,§4º)
  • A ANTT acatou que em caso de projetos de obras e serviços não previstos inicialmente no contrato, deverão ser considerados também os custos de compensação ambiental e de seguro de obras, além de outros custos mais óbvios, como a própria manutenção, conservação e operação do trecho e das despesas indiretas (art. 41)
  • Ainda, a agência entendeu pela possibilidade de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro a necessidade de elaboração de novo projeto executivo em virtude de incremento ou alteração de obras previstas inicialmente no contrato de concessão (art. 42, §8º) 

Casamento feliz é aquele que começa com um com regime de bens justo e bem definido

O tema da definição dos bens da concessão e da extensão do instituto da reversibilidade é uma das questões mais sensíveis do regime jurídico das concessões de serviço público- qualquer semelhança com casamentos não são mera coincidência. 

A clareza e equidade da opção regulatória  adotada para o regime de bens da concessão impacta diretamente na viabilidade e eficiência da própria delegação do serviço público.

Algumas alterações à versão original do RCR2 merecem ser comemoradas: em diversos trechos, a agência acatou a sugestão de agentes econômicos e associações para que a ingerência e acompanhamento patrimonial imposto pela regulação ocorra tão somente em relação aos bens vinculados à concessão (art.14).

A alteração indica o reconhecimento, a contrário senso, de que a Concessionária tem ampla liberdade para gerir bens não vinculados à concessão, não necessitando de anuência do Concedente para alienar ou transferir sua posse, nem mesmo no período final da concessão.

A mudança sinaliza a oportunidade de aprender erros de outros reguladores no passado: a visão maximalista do controle de bens no bojo das concessões, ao invés de salvaguardar o interesse público, acaba prejudicando-o. Perde-se o foco no acompanhamento do acervo essencial à prestação de serviço e burocratiza-se a gestão contratual com risco de comprometer a própria eficiência da gestão privada. Portanto, esses pontos merecem ser mantidos na versão final da norma analisada. 

Desapropriação: aí que mora o perigo 

A desapropriação é um gargalo em inúmeros projetos de infraestrutura de transportes. Quem nunca teve que esperar pela emissão de uma declaração de utilidade pública (DUP) ou não se perdeu em complexos cálculos indenizatórios que atire a primeira pedra.

Os interessados fizeram diversas contribuições para tentar conferir maior racionalidade e segurança a esses atos, sendo que muitas dessas foram apenas parcialmente atendidas.

Em relação ao valor de indenização, a ANTT não acatou sugestão de alteração do texto no sentido de que fosse considerado o valor efetivamente pago como critério prioritário. Contudo, optou por incluir novo parágrafo no sentido de que caso "o valor seja definido mediante perícia técnica em processo judicial, considera-se o valor da decisão judicial" (art.81,§3º). A indicação endereça situações em que o valor efetivamente pago é maior do que o estipulado em laudo de avaliação sem que haja qualquer possibilidade de atuação da concessionária para reduzir esse pagamento, sob pena de descumprimento de decisão judicial.

Também foram parcialmente acolhidas as contribuições para tornar mais claros e factíveis os prazos para ingresso com ação judicial de desapropriação em caso de a desapropriação extrajudicial não ocorrer em até 60 dias da publicação da declaração de utilidade pública. Nesse caso a concessionária deverá promover ação de desapropriação em face do expropriado em até 60 dias da primeira notificação extrajudicial (art. 91, §3º). 

A arte de não ser mais realista que o rei: cronograma bom é cronograma factível

Foram acolhidas (ainda que parcialmente) contribuições que conferem prazos maiores para as concessionárias cumprirem obrigações como apresentação de projetos (de 60 dias  para 120 dias após não objeção ao anteprojeto) e prazo para prestação de contas em caso de necessidade de valores referentes ao ressarcimento dos custos de estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental, licenciamento ambiental, desapropriação, servidão ou outra limitação administrativa e remoção de interferência (de 30 para 90 dias).

Prazos realistas (nem impossíveis e nem excessivamente dilatados) são aqueles compatíveis com a dinâmica do serviço concedido e tais alterações são sinal de que o regulador está aberto ao diálogo. Merece também elogio uma das justificativas apresentadas pela ANTT na qual chegou-se a sinalizar que "não se pretende, a priori, no RCR4 prever a penalização pelo simples descumprimento nos prazos de apresentação de projetos, quanto observados adequadamente os prazos para execução de obras e serviços", em clara demonstração de adoção de método de controle finalístico. 

Verificador Independente contratado pela Concessionária: pode isso, Arnaldo?

Depois de angustiante período de questionamentos sobre a possibilidade de uso da verificação independente nas concessões rodoviárias, a proposta do RCR2 visou consolidar regras para esta contratação, prevendo ainda que esta ficaria a cargo da concessionária, por meio de procedimento de chamamento público desenhado a quatro mãos com o Poder Concedente.

Esse ponto foi impugnado na audiência pública do RCR2 e mantido pela ANTT na atual versão em consulta pública. A agência justificou essa possibilidade considerando que a contratação direta do verificador pela concessionária visa, sobretudo, evitar os riscos de atraso em licitação pública.

Nota-se que o momento é quente para participação social das concessões rodoviárias pois além do RCR 2, está em discussão a elaboração de manual de procedimentos para o encerramento dos contratos de concessão de exploração de infraestrutura rodoviária.

E mais: ainda há oportunidade para aprimoramentos: estamos em fase de reunião participativa aberta, com possibilidade de contribuições orais, com o objetivo de discutir e receber manifestações acerca do RCR2 e do relatório final da audiência pública 008/21.

O momento é propicio a boas mudanças: a ANTT tem se mostrado aberta ao diálogo com todas as partes interessadas. Usuários, concessionárias, poder público e outros agentes da cadeia logística tem, portanto, o potencial de contribuir para melhoria da infraestrutura rodoviária.

Mariana Magalhães Avelar

Mariana Magalhães Avelar

Advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, com atuação principal nas áreas de Infraestrutura & Projetos e Anticorrupção & Improbidade.

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