Democracia representativa e direitos individuais: uma breve dialética sobre o modelo político adotado pelo Brasil
Falar de democracia é falar de direito, mas, principalmente, em defender direitos, pois a relação política-jurídica de um país deve caminhar na mesma direção, atrás do mesmo objetivo: fazer e garantir a justiça.
segunda-feira, 30 de maio de 2022
Atualizado às 13:45
A ideia moderna de democracia advém de uma linhagem histórica, que respeita a noção de "governo do povo", derivada da Grécia Antiga, mas que somente se consolida nos moldes que conhecemos hoje, a partir das revoluções liberais, especialmente a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789). Assim, temos que a ideia moderna de um Estado Democrático tem seu alicerce no século XVIII, período em que há a implicação direta dos aclamados "valores fundamentais da pessoa humana", não apenas no discurso, mas na estrutura jurídico-política ocidental. O povo, então, passou a exigir a proteção dos direitos de primeira geração, chamados de direitos individuais, demandando à necessidade de um novo modelo de organização e funcionamento do Estado.
Logo, podemos compreender o Estado Democrático como a Instituição que garante ao povo o exercício da sua vontade e dos seus direitos, criando, portanto, inúmeras condições de possibilidade para essa manifestação.
Mas, caro leitor, é importante ressaltar que existem diversas formas de se estabelecer uma Democracia. O modelo adotado pelo Estado Brasileiro não é somente democrático, mas uma remocracia representativa (indireta), na qual os cidadãos delegam a um representante político o direito de representá-los e de tomar decisões que, em tese, deveriam favorecer os interesses de toda a sociedade.
O instrumento pelo qual os cidadãos fazem essa escolha consiste no sufrágio universal, conhecido como direito ao voto, seja na eleição para o Poder Executivo, seja para o Poder Legislativo. Já no que se refere aos sistemas eleitorais, o que ainda confunde boa parte da população, tem-se que o Brasil adota dois modelos: o majoritário e o proporcional.
O sistema majoritário é mais simples de entender. Ele consiste no método de eleição dos chefes do Executivo, como presidente, governadores e prefeitos, assim como para as eleições do Senado, em que, como o próprio nome já explica, se prevalece à maioria absoluta dos votos. Os candidatos mais votados, portanto, serão aqueles que irão representar o povo nos cargos em que foram eleitos.
Já o sistema proporcional, de forma bem diferente, determina o resultado a partir de um quociente eleitoral que corresponde ao número de cadeiras disponíveis a cada partido, utilizado para a eleição dos vereadores, deputados estaduais e federais, permitindo que um candidato que obteve menos votos em comparação a outro seja eleito, em razão desse coeficiente eleitoral. É por isso que muitos eleitores se confundem na hora da apuração, uma vez que, nem sempre o candidato mais votado será eleito. Então é imprescindível lembrarmos que, quando se trata de eleições para vereadores e deputados, a quantidade de votos não pode ser entendida como resultado.
Outra observação importante é que a Constituição Federal de 1988 defende uma democracia mista, na qual permite instrumentos de uma democracia participativa no campo político, conforme o parágrafo único do art. 1ª da CF, como os conselhos (art. 194, inciso VII), referendo e plebiscito (art. 49, inciso XV) e iniciativa popular (art. 29, inciso XIII, e art. 61, parágrafo 2º da CF). Tais ferramentas são essenciais para a luta das garantias de nossos direitos.
Desse modo, podemos concluir que a democracia representativa é um modelo de sistema político que visa, principalmente, garantir e proteger os direitos individuais, de forma que deve se pautar, obrigatoriamente, em um conjunto de valores. Como exemplo, temos a soberania popular; a observância constitucional; o princípio da separação de poderes; a igualdade de todos perante a lei, assim como o tão conhecido Estado de Direito, que deve incluir a oportunidade de representação, como as minorias nacionais, independentemente de onde estas existirem.
Assim, falar de democracia é falar de Direito, mas, principalmente, em defender direitos, pois a relação política-jurídica de um país deve caminhar na mesma direção, atrás do mesmo objetivo: fazer e garantir a justiça.
Pelo menos, é o que a democracia representativa e o judiciário deveriam garantir. Apesar disso, continuaremos caminhando.
José Ney de Siqueira Mendes
Jurista, advogado, historiador e professor brasileiro. Professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade da Amazônia e professor titular aposentado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, onde foi Diretor do Centro de Ciências Jurídicas.
Natasha Siqueira Mendes de Nóvoa
Graduanda em direito na Universidade Federal do Pará (UFPA). Estagiária na Mudrovitsch Advogados. Bolsista de Iniciação Cientifica em Direito do Consumidor Digital. Membro do grupo de pesquisa Consumo e Cidadania (CNPq). Pincadista no 41° Programa de Intercâmbio do CADE.