O que significa inovação no escritório jurídico?
É uma conceituação complexa, mas eu também gosto de resumir de uma forma empírica associando àquelas situações em que vemos algo inusitado e reagimos com uma expressão do tipo: "Por que eu não pensei nisso antes?!"
quinta-feira, 26 de maio de 2022
Atualizado em 27 de maio de 2022 09:33
O direito 4.0 trouxe consigo uma enxurrada de novos termos e conceitos para a prática jurídica. Curiosamente não são termos e conceitos relacionados à doutrina, mas advindos de outras áreas como gestão, tecnologia e marketing. A transformação digital que vem ocorrendo na advocacia desde a última década está proporcionando mudanças sem precedentes nessa área.
Em meio a essa miríade de novidades se torna difícil discernir quais conceitos são realmente aplicáveis ao cotidiano e quais não passam de meras buzzwords utilizadas exageradamente com o intuito de denotar modernidade. Isso sem falar de vocábulos que parecem semelhantes, porém apresentam diferenças conceituais significativas. Nessa linha de pensamento podemos listar verbetes como inovação, transformação e disrupção, ocasionalmente utilizados como sinônimos. Entender cada um deles é essencial para começar a planejar inovações que conduzam à digitalização de escritório.
O que é Inovação?
Não existe uma definição exata para inovação. Diversos autores já exploraram o assunto trazendo versões e pontos de vistas muito úteis. Estudando essas tantas visões eu cheguei a uma definição bastante abrangente:
Inovação é o processo organizável e gerenciável onde uma ideia é comunicada de forma intuitiva e executada de maneira eficaz para lidar com um problema específico a fim de produzir um resultado produtivo e ser adotado em grande escala gerando valor ao cliente e vantagem competitiva à empresa.
É uma conceituação complexa, mas eu também gosto de resumir de uma forma empírica associando àquelas situações em que vemos algo inusitado e reagimos com uma expressão do tipo: "Por que eu não pensei nisso antes?!"
Os tipos de inovação mais utilizados
Melhor do que trabalhar unicamente com uma definição complexa é desmembrar o assunto em instâncias mais elementares. Nesse caminho, vale explorar os tipos de inovação mais comuns citadas por especialistas que já se dedicaram ao assunto. Clayton Christensen - autor do livro "O Dilema da Inovação" - é um dos autores que mais contribuiu para essa questão com três dessas vertentes.
- Inovação incremental: diz respeito a pequenas melhorias em processos existentes que promovem alguma redução de custo ou tempo de execução.
- Inovação exploratória: envolve construir uma visão de futuro para a empresa ou organização, por meio de projeção de cenários e estratégias;
- Inovação radical: cria uma ideia ou produto inteiramente novo, mas não muda o mercado ou a maneira como as pessoas se comportam;
- Inovação transformacional: ela muda a base tecnológica ou de competitividade de um mercado e vai forçando pouco a pouco a mudança de um produto ou serviço oferecido;
- Inovação disruptiva: modifica severamente toda a cadeia de valor do segmento de mercado e causa forte impacto sobre cultura, usos e costumes em toda a sociedade.
- Inovação aberta: Utiliza a cocriação entre stakeholders para a concepção de novos produtos, serviços, processos, estudos de viabilidade, pesquisa e desenvolvimento.
- Invenção: está ligada a criar algo que não existe, por isso ela passa pelo processo formal de construção de protótipos e patentes para serem testados. Portanto a invenção pode até proporcionar alguma inovação, porém nem toda inovação precisa necessariamente de uma invenção.
Cultura da inovação
À medida que explanamos os conceitos e aplicações de inovação eles nos parecem demasiadamente simples. E realmente o são. Se é assim, por que tanto alarde em torno de um conceito quase simplório? Porque apesar de teoricamente fácil de conceituar e aplicar, na prática a teoria é outra. Isso porque a essência da inovação, que passa pela experimentação contínua; vai diametralmente contra a prática de gestão ainda muito difundida que é baseada no comando e controle.
Não está no escopo deste artigo descortinar os diversos modelos de gestão, mas em suma, a maioria dos tipos utilizados atualmente foram herdados da era industrial. Isso significa que foram sistematizados com técnicas para extrair o máximo da mão de obra contratada. Não vou entrar no mérito desses sistemas, pois eles faziam sentido para a época em que foram criados. Mas o mundo mudou e na realidade em que vivemos atualmente não faz mais sentido continuar aplicando os mesmos métodos de 200 anos.
As tecnologias evoluíram aceleradamente na última década e a grande maioria dos trabalhos operacionais repetitivos hoje é feita por robôs. Não só na indústria, mas em escritórios de advocacia também. Com isso a valorização do ser humano e das habilidades emocionais se tornou pungente em detrimento dos atributos técnicos.
A criação de uma cultura organizacional passa pela criação e manutenção de um conjunto de crenças, valores e práticas arraigados entre todos os colaboradores da empresa. No que tange a inovação, essa mesma cultura pode e deve abarcar esse assunto em suas regras tácitas. A diretriz mais importante é construir um ambiente de confiança para que as pessoas se sintam livres para experimentar, testar e assumir riscos interpessoais. Entre as principais características de uma cultura voltada à inovação, podemos destacar:
- Promover ambientes de testes;
- Estimular novas ideias sobre antigos problemas;
- Compartilhar ideias sobre problemas e soluções;
- Gerar ideias aplicadas como soluções que proporcionam valor;
- Tolerância ao erro;
- Ouvir as reclamações dos consumidores;
- Dar voz aos colaboradores operacionais;
- Sistematizar a inovação.
Gestão da Inovação
A cultura da inovação precisa estar no DNA do escritório e ser horizontal a todos os departamentos e pessoas. Mas como criar e manter essa cultura? Para isso existem métodos e frameworks de eficácia comprovada desenvolvidos por autores e instituições renomados.
Se gestão significa a administração de recursos com o objetivo de atingir determinadas metas, a gestão da inovação naturalmente diz respeito a desenvolver e assegurar uma cultura organizacional direcionada ao pensamento inovador. Isso é necessário, pois os colaboradores necessitam de parâmetros sobre como ter ideias que resolvam problemas, os líderes precisam delegar autonomia e responsabilidades para estimular a colaboração e os sócios carecem de conscientização e desapego à mentalidade do controle.
Na prática a gestão de inovação tem como principal função definir métodos, estruturar processos, estabelecer metas, elencar tecnologias, gerenciar o cotidiano e mensurar dados. O gestor de inovação é um profissional dotado de pensamento analítico que consegue reunir tudo isso e aferir os resultados que muitas vezes são intangíveis. Além disso ele precisa ter habilidades interpessoais para estimular as boas práticas de inovação entre os times.
Consolidada como uma área administrativa, a gestão da inovação se vale de frameworks, métodos e recursos para aplicar a inovação, tais como:
- Modelo de negócios direcionados à inovação;
- Design Thinking;
- Método Lean;
- Produto Mínimo Viável;
- Métodos ágeis (Kanban, Scrum, OKR);
- Mapeamento de processos / gestão da rotina
- Planejamento estratégico
- Análises PEST, BCG, Ansoff, Porter, SWOT e BSC;
- Gestão de pessoas e talentos com foco nas habilidades e competências;
- Gestão tecnológica;
- Plano de ação.
Inovação nos escritórios jurídicos
Finalmente chagamos ao cerne deste artigo: a inovação nos escritórios de advocacia. Todos os conceitos e aplicações abordados até aqui podem e devem ser utilizados no contexto das bancas jurídicas. De fato, isso já vem ocorrendo há alguns anos e tanto escritórios e departamentos jurídicos quanto o próprio sistema Judiciário se encontram bem adiantados nessa jornada que vem sendo denominada de direito 4.0 em alusão à quarta revolução industrial em andamento na nossa realidade.
Ainda que o direito se posicione como uma área tradicionalista, a resistência às mudanças diminuiu sensivelmente nos últimos anos, criando um ambiente convidativo à inovação. Especificamente nos escritórios podemos elencar inovações em instâncias como:
- Alteração do modelo de entrega de serviços;
- Gestão integrada com controladoria jurídica e legal operations;
- Sistematização do fluxo de processos internos;
- Atendimento eficaz utilizando tecnologias de voz;
- Automação de documentos e processos;
- Foco no cliente (Customer Experience);
- Perfil analítico e orientado a dados (Data Driven);
- Estrutura organizacional com modelos flexíveis e hierarquias horizontais;
- Oportunidades em novos mercados;
- Utilização do marketing jurídico e prospecção ética;
- Aprendizagem autônoma e contínua (LifeLong Learning);
- Gestão de RH com foco em atrair e reter talentos;
- Liderança orientada à transformação digital.
Ecossistema de inovação: impulso das LegalTechs
A inovação típica do direito 4.0 não ocorre somente dentro dos escritórios e departamentos jurídicos. Ela vem sendo impulsionada por uma geração de startups focadas em diversas práticas e tecnologias jurídicas. As LegalTechs ou LawTechs estão promovendo a transformação digital no direito em ritmo bastante acelerado.
Pode-se definir LawTech como uma startup com modelo de negócios escalável e inovador, que desenvolve produtos e serviços para o universo jurídico, criando e entregando produtos e serviços de base tecnológica com o intuito de melhorar o setor. Basicamente o termo se compõe da fusão entre duas palavras em inglês. Law, que significa "lei" ou "jurídico"; e tech, que representa "tecnologia". Em outros países o termo se firmou como LegalTech, mas o conceito é o mesmo.
Os focos de atuação das LawTech estão em soluções bastante específicas e de fundo tecnológico muito avançado. Consoante a essas premissas, o objetivo das LegalTechs consiste em identificar demandas, deficiências e dificuldades do tanto do universo jurídico quanto das esferas do judiciário. Ou seja, promover inovação.
As inovações incrementais e até disruptivas proporcionadas por essas inovações tecnológicas tem por objetivo proporcionar benefícios como a melhoria da produtividade através da automação, interoperabilidade de recursos através da integração de sistemas, democratização e transparência dos serviços jurídicos, redução de custos em diversas instâncias e desafogar o judiciário diminuindo o litígio com a melhoria dos processos operacionais do meio jurídico brasileiro.
Passar da teoria à prática é o principal desafio para implantar uma cultura de inovação nos escritórios jurídicos. Isso porque não existe uma fórmula mágica ou uma receita infalível que funcione para todos os casos. Cada banca tem suas particularidades e precisará de um roteiro personalizado e exclusivo. Os recursos e métodos listados acima são úteis e necessários, porém sua aplicação é totalmente individualizada. A profundidade dos métodos de inovação também dependerá do porte do escritório e da mentalidade digital de seus sócios.
A transformação digital pode e deve ser adotada por escritórios de todos os portes. Embora essa transformação possa ser aplicada tanto para pequenas como grandes, não quer dizer que aconteça da mesma forma. O desafio nos grandes escritórios é a burocracia que cria empecilhos à adoção de novos processos e métodos. Já entre os advogados autônomos e escritórios de pequeno porte, os sócios tendem a pensar que o desafio está na disponibilização de recursos financeiros, humanos e tecnológicos. Eles importam, mas o desafio maior é justamente mudar a cultura do escritório ou mesmo do advogado autônomo. Sem mudar a mentalidade, não adianta tentar iniciar algum projeto de inovação ou digitalização do escritório.
A fim de estimular os primeiros passos para a inovação em seu escritório de advocacia, proponho aqui um exercício simples: pensando no fluxo de atividades operacionais do seu negócio, liste três processos ou atividades que podem ser melhorados a fim de se tornarem mais rápidos e mais eficazes. Essa tarefa pode destravar o primeiro passo na sua jornada ao direito 4.0 com um escritório realmente inovador. Sucesso nessa jornada!