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O controle de constitucionalidade e o Direito intertemporal

Este artigo aborda a interface teleológica da aceitação normativa entre o ordenamento pré-constitucional e a Nova Carta Magna.

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Atualizado às 09:31

Desde a Constituição imperial brasileira de 1824, os órgãos constituintes do Brasil já promulgaram sete Constituições Federais, fato que coloca em xeque a importância da compatibilização entre tais normativas com as modificações estruturais da sociedade ulteriores. Nesse contexto, a segurança jurídica deve se equalizar ao aproveitamento máximo das legislações pré-constitucionais, gerando a denominada novação- relação intrassistemática da existência e da validade das normas. Entretanto, de acordo com o STF, quando não há a mínima chance de compatibilidade material de normas, ocorre a revogação da Carta Magna pretérita, gerando o efeito ex-nunc (a posteriori). Destarte, nesse contexto de controle de constitucionalidade, para muitas doutrinas vanguardistas, é válida a teoria da inconstitucionalidade superveniente na qual uma lei ou ato normativo julgado inconstitucional pode, por mudanças de paradigmas socioeconômicos e políticos, se tornar constitucionais e integrar o ordenamento jurídico.

Inicialmente, é cediço que cada Constituição condensa e propõe um tipo de paradigma adaptado para cada época e, com o passar dos tempos, as normas podem sofrer mutações intertemporais.  Nesse prisma, para se evitar uma grave crise institucional e um vácuo normativo, a regra brasileira é a consideração do aproveitamento material de normas pre-constitucionalizadas e revogação mínima, com o intuito de arrefecer a demanda do poder legislativo. Ademais, faz-se mister esclarecer que não cabe declarar uma norma pretérita inconstitucional em relação a Constituição vigente, pois faltaria um modelo precedente de questionamento. Nessa linha de discussão, para exemplificar, a revogação promove efeitos ex-nunc, como ocorreu com o CTN - Código Tributário Nacional. Ou seja, esta normativa tributária estava vigente antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 e tinha status de lei ordinária, mas foi recepcionada pela Constituição Cidadã com aproveitamento analítico de lei complementar, evitando-se a criação de uma nova legislação tributária contemporânea a Carta Magna.

Todavia, nem sempre é eficaz e efetiva a compensação entre normais intertemporais, ocasionando a não recepção e o não aproveitamento, sem declaração de inconstitucionalidade. Segundo o doutrinador Gugliano Hernani, "a compatibilidade entre o velho e o novo não tem como resultado o aproveitamento, mas sim o surgimento do novo ou uma derivação". Nessa toada, apesar de todas as discussões a respeito do prejuízo inerente a uma extirpação de um ordenamento anterior, deve-se levar em consideração o conteúdo conflituoso entre o possível prejuízo Constitucional e a segurança jurídica como preceito fundamental.

Outrossim, ainda é importante esclarecer que para se avaliar se uma norma pretérita está de acordo com a atual em vigência, pode-se utilizar dois artifícios legais: o ADPF - Argumento de Descumprimento de Preceito Fundamental e o controle de constitucionalidade difuso e comparativo. O primeiro pode ser descrito como concentrado, abstrato, vinculante com efeito ex-tunc e só pode ser efetuado pela Corte Suprema. O segundo, pode ser promovido por juízes e tribunais, em casos particulares incidentais, no qual se propõe a análise de normas anteriores compatíveis com Constituições contemporâneas as normas em detalhamento.

Para finalizar, deve-se descrever a importância do Direito Intertemporal na aceitação da inconstitucionalidade superveniente (no qual uma norma inconstitucional poderia se tornar constitucional com a mudança de paradigma normativo ulterior determinante). Nesse âmbito, há, por parte da doutrina, aceitação relativa pelo Supremo Tribunal Federal, pois em alguns casos pontuais contemporâneos, houve a anuência de normas inconstitucionais que se tornaram constitucionais lato sensu. Um exemplo disso foi descrito com a criação da emenda Constitucional 57/08 que anistiou todos os municípios criados por leis estaduais inconstitucionais. Por conseguinte, nesse caso específico, percebe-se que haveria prejuízo para a coletividade se houvesse necessidade de se excluir tais entes políticos e recriar uma nova normativa condizente e materialmente compatível com a Constituição. Todavia, é importante se ter ciência do perigo de se implantar tal doutrina no ordenamento jurídico constitucional, pois poderia acarretar uma cascata de constitucionalização de normas inconstitucionais - fato que desestabilizaria todo o sistema de controle de constitucionalidade.

Para finalizar, a densidade desse tema gera curiosidade e apreensão em relação aos atuantes jurídicos, contudo, revela o anacronismo vigente desde o Brasil Império em relação a atuação normativa constitucional. É fato que o Brasil permite a utilização mista do sistema jurídico alemão, inglês e americano, habilitando todo o aparato normativo vigente com a realidade brasileira de uma grande variedade socioeconômica e uma imensa extensão territorial.

Segundo o jurista francês Léon Duguit, "Estado não é uma pessoa jurídica, não é uma pessoa soberana, é um produto histórico de uma diferenciação social entre os fortes e os fracos, em uma dada sociedade. O poder pertence aos mais fortes, individuo, classe, maioria, ou seja, é um simples poder de fato. Os governantes que detém os poderes são indivíduos como os outros".

Joseane de Menezes Condé

VIP Joseane de Menezes Condé

Discente de Direito em Piracicaba, estagiária do TRT 15 e é formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve para o Jornal Gazeta Piracicaba .

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