O STJ e a participação de empresas em recuperação judicial em licitações
Espera-se que seja confirmada a posição já adotada pelas 1ª e 2ª turmas do STJ, assegurando-se, assim, o respeito à legalidade e ao objetivo precípuo da preservação das empresas em recuperação judicial.
quarta-feira, 18 de maio de 2022
Atualizado às 08:55
Em 27 de abril de 2022, teve início o julgamento de recurso especial em que se discute a validade de edital que vedava a participação de empresas recuperandas em certame licitatório, haja vista que estabelecia a obrigação de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial.
A Universidade Federal do Cariri/CE interpôs Recurso Especial 1.826.299 buscando a reforma do acórdão p
Votos e outras decisões
O ministro relator, Francisco Falcão, votou pelo provimento do recurso da Universidade, sob o argumento de que o interesse público não pode ser relegado, além de considerar que a comprovação de capacidade econômico-financeira da empresa vencedora do certame não poderia ser auferida pela via do mandamus.
O ministro Mauro Campbell abriu divergência e votou pelo não provimento do recurso especial, a fim de relativizar a exigência de comprovação de regularidade fiscal da empresa em recuperação judicial para assinatura de contrato administrativo.
Apesar do julgamento não ter sido concluído, pois o ministro Herman Benjamin pediu vista dos autos, essa é uma oportunidade para o STJ reforçar seu entendimento sobre o tema, nos moldes do posicionamento já antecipado pelo ministro Mauro Campbell, o qual também se coaduna com alguns precedentes das turmas de Direito Público.
No caso do ARESP 309.867/ES, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, restou assentado que "a exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial deve ser relativizada a fim de possibilitar à empresa em recuperação judicial participar do certame, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica".
Igualmente, no Agravo Interno no REsp 1.841.307/AM, o ministro Herman Benjamin já se manifestou no sentido de que "Sem negar prima facie a participação de empresa em processo de licitação pela exigência de apresentação de Certidão Negativa de Débitos (CND), aplica-se a vontade expressa pelo legislador da Lei de Recuperação Judicial, viabilizando, de forma efetiva, à sociedade empresária a superação da crise econômico-financeira".
Posicionamento
Esse posicionamento prioriza a observância do princípio da preservação das empresas (art. 47 da lei 11.101/05), eis que eventual vedação à participação de empresas em recuperação judicial em certames licitatórios pode dificultar a manutenção de suas atividades e o efetivo cumprimento do plano de recuperação judicial, principalmente no caso de empresas que se voltam majoritariamente à atuação junto ao Poder Público.
Além disso, tal entendimento atende ao princípio constitucional da legalidade ao qual a administração pública está estritamente vinculada. Isso porque o art. 31 da lei 8.666/93, ao estabelecer o requisito da qualificação econômico-financeira, não impôs qualquer vedação à participação das empresas em recuperação judicial nos certames; a documentação exigida para a comprovação desse requisito não abrange a apresentação de certidão negativa de recuperação judicial.
Nesse cenário, espera-se que seja confirmada a posição já adotada pelas 1ª e 2ª turmas do STJ, assegurando-se, assim, o respeito à legalidade e ao objetivo precípuo da preservação das empresas em recuperação judicial, uma vez que a ausência de certidão negativa de recuperação judicial não implica falta de capacidade econômica para cumprimento do contrato específico e, portanto, não pode obstar a participação de empresas recuperandas em certames licitatórios.
Bruna Silveira Sahadi
Sócia do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.
Rafaella Bahia Spach
Atua junto ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, com ênfase em demandas relacionadas à improbidade administrativa, infraestrutura e licitações. Possui experiência decorrente de atuação junto ao Tribunal de Contas da União, Agências Reguladoras, Justiça Federal e Justiça Comum na área de contencioso em direito administrativo e direito regulatório.