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A nova circular da SUSEP sobre o seguro performance bond

Carlos Eduardo Staudacher Leal de Carvalho

Além de o segurado não participar das tratativas entre o tomador do seguro e a seguradora, o processo de subscrição da garantia pressupõe a chancela da qualidade do risco pelo segurador.

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Atualizado às 14:56

Entrou em vigor no dia 2/5/22 a Circular SUSEP 662, editada em 11/4/22, a nova regulamentação da Superintendência de Seguros Privados para o seguro-garantia.

Pretendemos abordar neste breve artigo a modalidade de seguro-garantia mais comum, a denominada performance bond.

Essa modalidade de seguro-garantia tem por objeto, em síntese, a garantia do interesse do segurado sobre seu crédito relacionado a contrato de construção, fornecimento de bens ou prestação de serviços contra o risco de inadimplemento.

O seguro estrutura-se num tripé formado pelo segurado, detentor do interesse de crédito, pelo segurador, que garante esse interesse e, finalmente, pelo tomador do seguro que, na qualidade de devedor do segurado, celebra o contrato em benefício deste contra o risco de seu próprio inadimplemento.

Algo que torna esse seguro bastante singular é o processo de subscrição do risco, isto é, a investigação realizada pelo segurador a respeito do risco antes de emitir a apólice. Após receber a proposta de seguro, o segurador realiza minuciosa avaliação do pretendente-tomador e do negócio que este concretamente pretende garantir. Essa avaliação envolve a análise técnica e econômico-financeira do proponente, buscando examinar sua solidez patrimonial e capacidade para assumir o negócio em questão.

O segurador se debruça, ainda, sobre o risco do negócio a ser garantido, examinando sua dimensão econômica e técnica, se o prazo para cumprimento da prestação é adequado, se o preço estipulado é apropriado ou se comportará algum reajuste,1 bem como uma série de outros fatores que conformem o risco.

Nesse sentido, o art. 28 da nova regulamentação da SUSEP determina que "[a] política de subscrição de risco deve levar em consideração, no mínimo, a avaliação do tomador, assim como do objeto principal e sua legislação específica". A circular exige, no parágrafo único da mesma disposição, que a seguradora apresente nota técnica especificando "detalhadamente, os critérios técnicos e os instrumentos utilizados pela seguradora na subscrição de risco" e "na avaliação de risco do tomador".

A formação do seguro-garantia apresenta, portanto, peculiaridades relevantes em relação a outros tipos de seguro. Além de o segurado não participar das tratativas entre o tomador do seguro e a seguradora, o processo de subscrição da garantia pressupõe a chancela da qualidade do risco pelo segurador.

Modesto Carvalhosa afirma, a propósito, que "quando emite a apólice, a seguradora sinaliza à parte segurada a sua avaliação positiva da capacidade de realização do contrato por parte do tomador".2 Fábio Konder Comparato, no mesmo sentido, esclarece que no seguro-garantia "é também, e reversivamente, o segurado que confia na capacidade do segurador de avaliar o risco cuja cobertura é proposta". E arremata: "o negócio de base é feito, unicamente porque se supõe que o risco econômico representado pelo devedor foi avaliado por uma companhia de seguros".3

O art. 29, inc. I, da nova Circular SUSEP 662/22 dispõe, todavia, que "desde que prévia e expressamente acordado entre as partes, o Seguro Garantia poderá prever (...) a possibilidade ou a obrigação de a seguradora (...) realizar o acompanhamento e/ou monitoramento do objeto principal" (compreendido esse objeto como a relação contratual entre o tomador e o segurado; art. 2º, inc. II, da mesma Circular SUSEP).

A norma, como se observa, traz a possibilidade de a seguradora se obrigar a acompanhar a execução do contrato principal garantido.

É evidente, no entanto, diante das peculiaridades do seguro-garantia do tipo performance bond, que os esforços que levaram o segurador a abonar a capacidade do tomador não podem se encerrar com a emissão da apólice.

Como ocorre na fase de formação do contrato, na qual o segurador participa ativamente da análise do risco, na fase de execução ele deve adotar postura proativa, permanecendo na vigilância do risco, pois, no fundo, como ressalta Modesto Carvalhosa, esse seguro estrutura um sistema no qual o segurador "se insere na relação contratual, na condição de interessado em sua regular execução". Interpõe-se, no contrato principal, um terceiro, o segurador, "tanto na fase preliminar como durante a execução do instrumento".4

O monitoramento do risco ao longo da vigência do seguro performance bond constitui, portanto, um dever do segurador, uma vez que, além de interessado no adimplemento, é ele quem detém expertise, necessitando, assim, cooperar com o segurado no acompanhamento das atividades que integram o programa contratual garantido, buscando identificar precocemente qualquer sinal de materialização do risco de inadimplemento.

Atualmente, chega a ser um truísmo dizer que a relação contratual constitui um vínculo de cooperação, tendo sido abandonado o antagonismo que antes distanciava os polos do contrato.

A cooperação está no núcleo da relação obrigacional que, ademais, deve ser observada sob uma perspectiva dinâmica, como um processo, para utilizar a expressão consagrada por Clóvis do Couto e Silva, de modo que "as várias fases que surgem no desenvolvimento da relação contratual" "entre si se ligam com interdependência".5

Portanto, considerando a execução do seguro-garantia performance bond como uma sequência teleologicamente estruturada para afastar o risco de inadimplemento do tomador, é natural que o segurador deva permanecer vigilante ao longo da vigência do contrato, aconselhando as partes, se necessário.

É muito comum, aliás, que nas apólices de seguro-garantia constem previsões atribuindo ao segurador o poder de fiscalização, livre e permanente, das atividades de execução do contrato principal, justamente "como forma de atuar na prevenção do sinistro".6

Por essas razões, muito embora a nova Circular SUSEP 662 tenha tratado genericamente do seguro-garantia, isto é, não apenas da modalidade performance bond, é criticável a previsão do seu art. 29, pois pode levar à enviesada interpretação de que as partes poderiam, também nessa modalidade de seguro, afastar o dever de monitoramento do risco pelo segurador. Na realidade, esse dever é inerente à condição de seguradora neste tipo de contrato.

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1 CUBIDES, Hernando Galindo. El seguro de fianza. Bogotá: Legis, 2005, p. 72.

2 CARVALHOSA, Modesto. Performance Bonds: quebra da interlocução direta entre agentes públicos e privados na execução de contratos administrativos. In: Affonso Celso Pastore (Org.). Infraestrutura, eficiência e e'tica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017, p. 215-6.

3 COMPARATO, Fábio Konder. Seguro de garantia de obrigações contratuais. In: Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 367.

4 CARVALHOSA, Modesto.  Op. cit., p. 215.

5 COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007, p. 20.

6 CARVALHOSA, Modesto. Op. Cit., p. 218.

Carlos Eduardo Staudacher Leal de Carvalho

Carlos Eduardo Staudacher Leal de Carvalho

Mestrando em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e sócio de Ernesto Tzirulnik Advocacia.

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