Da impossibilidade da compensação de ofício de créditos tributários com débitos parcelados
Decisões favoráveis aos contribuintes em mandado de segurança para obter o direito previsto em lei (não autorizar a compensação de oficio de débitos parcelados) não seria uma decisão correta.
segunda-feira, 16 de maio de 2022
Atualizado às 08:58
A Receita Federal do Brasil, tem insistido na compensação forçada, de ofício, de débitos parcelados, de contribuintes, com créditos a restituir ou ressarcir.
Argumenta a Receita Federal que seu entendimento, impositivo, está baseado no decreto-lei 2.287/86, art. 7º., que teve seu inteiro teor alterado pela lei 11.196/05.
Diz o referido artigo:
"Art. 7º A Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda Nacional.
§ 1º Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito.
§ 2º Existindo, nos termos da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966, débito em nome do contribuinte, em relação às contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, ou às contribuições instituídas a título de substituição e em relação à Dívida Ativa do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito.
§ 3º Ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social estabelecerá as normas e procedimentos necessários à aplicação do disposto neste artigo."
A IN RFN 2055/21, por sua vez, traz em seu art. 92 o instituto da compensação de ofício, assim expressando a sua condição:
"Art. 92. A restituição e o ressarcimento de tributos administrados pela RFB ou a restituição de receita da União não administrada pela RFB arrecadada mediante Darf ou GPS será efetuada depois de verificada a ausência de débitos em nome do sujeito passivo credor perante a Fazenda Nacional.
§ 1º Na hipótese de haver débito, inclusive débito já encaminhado para inscrição em Dívida Ativa da União, de natureza tributária ou não, o valor da restituição ou do ressarcimento deverá ser utilizado para quitá-lo, mediante compensação efetuada por meio de procedimento de ofício.
§ 2º Não se aplica a compensação de ofício a débito objeto de parcelamento ativo."
Claro está que qualquer procedimento de compensação de ofício deverá ser precedido da verificação de débitos ativos do contribuinte, excluindo, como prevê o parágrafo 2º. da IN RFB 2055/21, se houver débitos parcelados.
Ocorre que o fisco não tem atendido esse regramento (sua própria instrução normativa interna), considerando que o parcelamento ativo, deve ser compensado, posto que se trata de débitos e assim devem ser compensados em casos de existência de créditos a restituir ou ressarcir do contribuinte.
Isto, porque, interpreta que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário não alcança os débitos parcelados. Faz uma interpretação totalmente equivocada e "contra legem" ao dizer que a suspensão da exigibilidade tão somente alcança a propositura de execução fiscal. Ou seja, entende que não há que se falar em suspensão da exigibilidade se houver mero parcelamento.
Disse em recentes informações prestadas em processo judicial da qual atuamos:
"De fato, acredita-se que a principal consequência das diversas hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, previstas no art. 151 do CTN, consiste na impossibilidade de se ajuizar a execução fiscal, ou seja, afigura-se muito claro que o art. 151 do CTN dirige-se, precipuamente, ao conjunto de ações tendentes à cobrança judicial do crédito tributário, não tendo a finalidade de impedir, por si só, a compensação de ofício em sede de ressarcimento ou restituição. A compensação de ofício, portanto, não é afetada, ipso facto, pela suspensão da exigibilidade do crédito tributário, posto que se fundamenta em bases diversas, notadamente na premissa de que se deve evitar lesão aos cofres públicos. Na verdade, muito embora a suspensão da exigibilidade tenha consequências, cumpre reconhecer que o legislador não incluiu nesse rol a impossibilidade de compensação de ofício. A compensação de ofício e a suspensão da exigibilidade são institutos que podem conviver em harmonia. Apresenta-se necessário, assim, como visto, inclusive admitir que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, quando motivada pelo favor fiscal do parcelamento sem garantia, não afasta a possibilidade de compensação de ofício."1
E vai além a interpretação equivocada, pois há manifestações do fisco de que, decisões favoráveis aos contribuintes em mandado de segurança para obter o direito previsto em lei (não autorizar a compensação de oficio de débitos parcelados) não seria uma decisão correta, posto que haveria afronta aos princípios da legalidade, por ofensa ao art. 73 da lei 9.430/96 e, o da isonomia, por diferenciar pessoas jurídicas que estejam na mesma situação.
Ora, não há lógica na interpretação do fisco, posto que tal entendimento é que afronta princípios basilares da constituição, em especial, o da legalidade.
Isto, porque, há previsão no CTN, em seu art. 151, VI, na IN RFB 2.055/21 e, também, na nova redação dada ao art. 73 da lei 9.430/96, utilizada pelo fisco como norma que garante a sua tese frustrada.
Para colocar uma pá de cal na questão (e na abusividade do fisco) o tema 874 julgado pelo STF, que alterou a redação do parágrafo único do art. 73 da lei 9.430/962, estabeleceu a seguinte tese: "É inconstitucional, por afronta ao art. 146, III, b, da CF, a expressão 'ou parcelados sem garantia' constante do parágrafo único do art. 73, da lei 9.430/96, incluído pela Lei nº 12.844/13, na medida em que retira os efeitos da suspensão da exigibilidade do crédito tributário prevista no CTN." (RE 917285, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-243 DIVULG 05-10-2020 PUBLIC 06-10-2020)3 (grifei)
Retirar os efeitos da suspensão da exigibilidade prevista no art. 151, VI do CTN4, é criar uma condição não prevista em lei. Trata-se de mero entendimento do fisco em detrimento do contribuinte, mediante análise desprovida de legalidade.
E como acima transcrito, o STF corrigiu tal erro, que vem sendo insistido pelo fisco, pois não faz aplicar a lei ao caso concreto, determinando a compensação de ofício mesmo em casos em que a exigibilidade do crédito tributário está suspensa pelo parcelamento.
Assim, não há duvidas de que as malsinadas notificações enviadas pelo fisco federal aos contribuintes, no que se refere as compensações de oficio de débitos parcelados, devem ser repelidas por meio de ações judiciais, ante a insistência em proceder de forma ilegal e em detrimento do contribuinte que tem seu direito garantido por lei.
O parcelamento (art. 151, VI, do CTN), independentemente de garantia, suspende a exigibilidade do crédito tributário.
_____
1 Manifestação do Delegado da Receita Federal no Mandado de Segurança 5002543-37.2021.4.03.6109, em trâmite perante a 3ª. vara federal de Piracicaba/SP.
2 Art. 73. A restituição e o ressarcimento de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a restituição de pagamentos efetuados mediante DARF e GPS cuja receita não seja administrada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil será efetuada depois de verificada a ausência de débitos em nome do sujeito passivo credor perante a Fazenda Nacional
(...)
Parágrafo único. Existindo débitos, não parcelados ou parcelados sem garantia, inclusive inscritos em Dívida Ativa da União, os créditos serão utilizados para quitação desses débitos, observado o seguinte: (Incluído pela Lei nº 12.844, de 2013) (Vide RE 917285)
I - o valor bruto da restituição ou do ressarcimento será debitado à conta do tributo a que se referir;
(...)
3 https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4852220&numeroProcesso=917285&classeProcesso=RE&numeroTema=874
4 Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
(...)
VI - o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)