Desapropriação e servidão administrativa: justa e prévia indenização à luz das Constituições
Desde as primeiras Constituições brasileiras, é defeso ao expropriado o direito à justa e prévia indenização, no caso de intervenção do Estado na propriedade privada por necessidade ou interesse público.
quinta-feira, 5 de maio de 2022
Atualizado às 15:03
Desde os primórdios, o instituto da desapropriação constitui importante forma de intervenção do Estado na propriedade privada, sendo garantido ao proprietário o direito a indenização prévia, justa e em dinheiro.
Diante disto, o presente artigo intenta analisar brevemente as mudanças ocorridas no ordenamento jurídico pátrio quanto a justa e prévia indenização nos casos de intervenção pelo Estado na propriedade privada ao longo das Constituições brasileiras, interpretação reforçada pelo decreto-lei 3365/41 que autorizou o expropriante a constituir servidões.
Desde a primeira Constituição do Brasil, outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25 de março de 1824, já era assegurado aos cidadãos o direito à propriedade bem como a prévia indenização em caso de intervenção pelo Estado. Neste sentido, o artigo 179 e inciso XXII da Constituição de 1824 rezava que:
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
[...]
XXII. E'garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da propriedade do cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação. (sic) (BRASIL, 1824, sp.)
Vislumbra-se que, a Constituição de 1824 garantiu, em toda a sua plenitude, o direito de propriedade aos seus cidadãos, ressalvada a possibilidade de desapropriação mediante ao pagamento prévio de indenização correspondente ao valor do bem desapropriado.
Em 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Salienta-se que, a carta magna foi a segunda constituição do Brasil e a primeira no sistema republicano de governo, marcando a transição da monarquia para a república. O artigo 72, § 17 da Constituição de 1891 dispunha que:
Art.72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 17. O direito de propriedade mantem-se em toda a sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade, ou utilidade pública, mediante indemnização prévia. (sic) (BRASIL, 1891, sp.)
Assim como na Constituição anterior, igualmente fora mantido, na Constituição de 1891, o direito de propriedade em toda a sua plenitude, também observando a possibilidade de desapropriação, mediante ao pagamento de indenização prévia.
Em 1934, foi promulgada a terceira Constituição do Brasil e a segunda no que concerne o sistema da República. Na Constituição de 1934 manteve-se a garantia ao direito, no tocante à propriedade e introduziu o conceito de função social da propriedade.
Isto posto, o exercício do direito da propriedade passou a ser restringido em prol do interesse social da coletividade. Infere-se, portanto, que a referida Constituição superou o conceito absolutista de propriedade defendido pelas Constituições anteriores. O art. 113, inciso 17 da Constituição de 1934 determinava:
Art 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior. (BRASIL, 1934, sp.)
Nesse cenário, estava inserido, pela primeira vez na história, o princípio da função social da propriedade em uma Constituição brasileira. Lado outro, assim como nas Constituições anteriores, restou mantido o direito a prévia e justa indenização no caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública.
Anos mais tarde, foi outorgada em 10 de novembro de 1937, a quarta Constituição brasileira, a Constituição de 1937. A Constituição de 1937 ficou conhecida como a Constituição "Polaca", por portar leis de inspiração fascista, tal qual a Carta Magna polonesa de 1935.
Frisa-se que a Constituição outorgou ao legislador ordinário a competência para regular o exercício do direito de propriedade, sem vinculação explícita com o interesse social ou a função da propriedade. O art. 122, inciso 14 da Constituição de 1937 ordenava que:
Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
14) O direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia, ou a hipótese prevista no § 2º do art. 166. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício. (BRASIl, 1937, sp.)
Mediante a leitura do dispositivo acima transcrito, depreende-se que, o direito a indenização prévia nos casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública foi mantido na Constituição de 1937, também denominada Constituição "Polaca".
Posteriormente, em 18 de setembro de 1946, foi promulgada a Constituição de 1946. A legislação tratou da propriedade como direito individual, no Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais e quanto ao seu uso, no capítulo da ordem econômica e social. Nesta premissa, tem-se os artigos 141 e 147:
Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 16. É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interêsse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, com a exceção prevista no § 1º do art. 147. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior. (sic) (BRASIL, 1946, sp.)
Art 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.§ 1º Para os fins previstos neste artigo, a União poderá promover desapropriação da propriedade territorial rural, mediante pagamento da prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública, com cláusula de exata correção monetária, segundo índices fixados pelo Conselho Nacional de Economia, resgatáveis no prazo máximo de vinte anos, em parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação a qualquer tempo, como meio de pagamento de até cinqüenta por cento do Impôsto Territorial Rural e como pagamento do preço de terras públicas. (sic) (BRASIL, 1946, sp.)
Mais uma vez, repetiu-se a obrigatoriedade de prévia e justa indenização em dinheiro nos casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social. Adiante, a próxima promulgada Constituição foi a de 1988, atualmente vigente.
A Constituição Federal de 1988, promulgada em 5 de outubro de 1988, previu em seu artigo 5º, inciso XXIII que "a propriedade atenderá a sua função social" e contemplou em seu art. 170 a propriedade privada como um dos princípios gerais da atividade econômica. Nos artigos 5º, inciso XXIV e 182 da Constituição Federal, foi igualmente garantido o direito à justa e prévia indenização em dinheiro ao expropriado nas desapropriações por necessidade ou utilidade pública e por interesse social. (BRASIL, 1988, sp.)
No que diz respeito à servidão administrativa, ante a inexistência de uma lei específica, aplica-se o disposto no art. 40 do decreto-lei 3.365/41, que regulamenta a desapropriação, o qual aduz que "o expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei", ou seja, a instituição da servidão segue o mesmo regramento da desapropriação. (BRASIL, 1941, sp.)
Desta maneira, a instituição da servidão administrativa, assim como na desapropriação está condicionada ao pagamento ao expropriado de indenização prévia, justa e em dinheiro. Releva-se que, se tratando de servidão administrativa não se indeniza o valor da propriedade, porque esta não é retirada do particular, isto é, não há transferência de domínio, neste caso, são ressarcidos os prejuízos causados pela instituição do ônus real instituído sobre a propriedade.
Dessarte, conclui-se que, desde os tempos do Império é assegurado pelas Constituições que a intervenção pelo Estado na propriedade privada por utilidade ou necessidade pública está condicionada ao pagamento ao expropriado de indenização prévia, justa e em dinheiro, interpretação reforçada pelo decreto-lei 3365/41.
No entanto, cabe ressaltar que a justa indenização deve ser estabelecida mediante apreciação de cada caso concreto, de acordo com a situação, condições e destinação do imóvel. Deve corresponder ao efetivo prejuízo causado pelo ato expropriatório, nem mais, nem menos.
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BRASIL. Constituição (1824). Lex: Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824. Disponível em: planalto.gov.br. Acesso em: 03/05/2022.
BRASIL. Constituição (1891). Lex: Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de fevereiro de 1891. Disponível em: planalto.gov.br. Acesso em: 03/05/2022.
BRASIL. Constituição (1934). Lex: Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: planalto.gov.br. Acesso em: 03/05/2022.
BRASIL. Constituição (1937). Lex: Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: planalto.gov.br. Acesso em: 03/05/2022.
BRASIL. Constituição (1946). Lex: Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: planalto.gov.br. Acesso em: 03/05/2022.
BRASIL. Constituição (1988). Lex: Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Disponível em: planalto.gov.br. Acesso em: 04/05/2022.
BRASIL. Decreto Lei 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em: planalto.gov.br. Acesso em: 04/05/2022.