Possibilidade de prorrogação do stay period na recuperação extrajudicial para além do prazo fixado em lei
A prática processual tem demostrado que mesmo a prorrogação do prazo autorizada pela lei, por muitas vezes, se mostra insuficiente e incompatível com sua finalidade, que é justamente a preservação da empresa e a superação da crise empresarial.
quinta-feira, 5 de maio de 2022
Atualizado em 9 de maio de 2022 09:39
O presente artigo foi desenvolvido durante a participação no Grupo de Estudos Avançados em Processos Recuperacional e Falimentar da Fundação Arcadas - Faculdade de Direito da USP, coordenado pelo dr. Oreste Nestor de Souza Laspro.
A lei 11.101/05 teve como objetivo principal a preservação dos benefícios sociais e econômicos da atividade empresarial, em detrimento da proteção particular de credores e devedores que era considerada no decreto-lei 7.661/45.
Como ferramentas para enfrentamento da crise econômico-financeira, a lei disponibilizou a recuperação extrajudicial, a recuperação judicial e a falência.
A recuperação extrajudicial pode ser definida como uma composição privada entre devedor e uma parte ou todos seus credores de uma ou mais classes, cuja negociação entre as partes ocorre fora do procedimento judicial, cabendo ao Judiciário apenas sua homologação, para que, a partir daí, possa produzir efeitos. Por sua vez, a recuperação judicial caracteriza-se por ser um procedimento judicial, em que o devedor, em crise empresarial, mas cuja atividade ainda é viável, apresenta em juízo pedido para pagamento de suas dívidas. Já a falência destaca-se dos mecanismos de recuperações, por ser uma ferramenta adequada às empresas em crise estrutural e em flagrante situação de inviabilidade econômico-financeira.
No que tange aos procedimentos de recuperação extrajudicial e judicial, podemos dizer, sem sombra de dúvidas, que durante os 15 (quinze) primeiros anos de vigência da lei 11.101/05, a recuperação judicial foi a ferramenta mais procurada pelos devedores, ficando em segundo plano a utilização da recuperação extrajudicial, o que se justificava pela falta de incentivos a este mecanismo de reestruturação e ao risco gerado pela ausência de um ambiente negocial adequado, além de inseguranças jurídicas provenientes das lacunas da lei.
Com a entrada em vigor da lei 14.112/20, a qual promoveu reformas significativas na lei 11.101/05, o legislador procurou reequilibrar as regras entre os dois mecanismos de reestruturação, tornando a recuperação extrajudicial mais eficiente, incentivando a negociação entre devedor e credor, para construção de um plano de pagamento mais eficaz que, ao mesmo tempo, permita a preservação e continuidade da atividade empresarial.
Comparando a recuperação extrajudicial e a judicial, podemos apontar algumas vantagens da primeira em detrimento da segunda, as quais podem ser facilmente identificadas pela leitura das disposições contidas no texto legal, dentre elas: quórum simplificado para aprovação; menor custo; maior flexibilidade nas negociações entre devedores e credores; maior celeridade; menor participação do judiciário; impossibilidade de convolação em falência, muito embora eventual credor aderente à recuperação extrajudicial não seja impedido de requerer a falência do devedor.
Há que se ressaltar que há previsão de duas modalidades de recuperação extrajudicial, a meramente homologatória e a impositiva, devidamente disciplinadas nos artigos 162 e 163, respectivamente.
Na recuperação extrajudicial homologatória há aderência, de forma voluntária, dos credores ao plano de pagamento, sendo a homologação judicial uma faculdade apenas para garantir que com a sentença se terá um título executivo judicial, muito embora o acordo entre as partes já tenha o condão de novar as obrigações.
Por sua vez, na modalidade impositiva, nem todos os credores sujeitos ao procedimento de recuperação extrajudicial aderem de forma voluntária ao plano de pagamento; sendo certo que na hipótese de mais de 50% destes credores de cada classe concordarem com o plano proposto, é possível requerer a homologação deste plano, fazendo que este seja imposto aos credores dissidentes de determinada classe ou grupo, restando evidente que diante desta hipótese, a homologação judicial é obrigatória para que possa produzir efeitos legais.
Dentre as modificações trazidas pela reforma da lei referente a recuperação extrajudicial, consagra-se justamente a possibilidade de suspensão das ações e execuções, o chamado stay period, relativas aos créditos sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial, desde a distribuição do pedido e desde que conte com a anuência dos credores que representem pelo menos 1/3 (um terço) de todos os créditos de cada espécie.
A suspensão das ações e execuções deverá ser ratificada pelo juiz competente pelo processamento do pedido de recuperação extrajudicial, após a confirmação do preenchimento pelo devedor dos requisitos acima mencionados.
Anteriormente, não havia previsão expressa quanto ao tempo de suspensão às ações e execuções movida em face do devedor que distribuísse pedido de recuperação extrajudicial, entretanto, a reforma, justamente veio corrigir esta lacuna, assegurando que a suspensão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, prorrogáveis por igual período uma única vez em caráter excepcional, ou seja, desde que o devedor não tenha colaborado com eventual atraso no curso do processo, nos termos do artigo 6º, da lei 11.101/05.
Portanto, considerando a hipótese de prorrogação do stay period, o magistrado não está obrigado a prorrogá-lo por mais de um período de 180 (cento e oitenta) dias, devendo analisar o estágio do processo e das negociais para estabelecer o período que entende justo para concretização dos trabalhos, evitando um prolongamento indevido do processo
A suspensão das ações e execuções individuais com relação aos credores signatários, bem como com relação aos credores dissidentes, é de extrema relevância na medida em que garante que não haja constrição patrimonial até que o devedor consiga atingir o quórum necessário à homologação do pedido de recuperação extrajudicial, assegurando o resultado útil do processo e a preservação da função social da atividade empresarial, sem beneficiamento de nenhum credor sujeito ao respectivo procedimento.
Nesse sentido, pode-se citar recente decisão de tutela recursal em recurso de agravo de instrumento proferida pelo desembargador Jorge André Pereira Gailhard, do TJ/RS, que determinou a prorrogação da suspensão das ações e execuções de uma empresa em recuperação judicial1, cujo pedido havia sido negado pelo magistrado de primeira instância, até que o julgamento definitivo de referido recurso.
Pela análise do caso em questão, é possível verificar que o devedor formulou pedido de recuperação extrajudicial em 10/12/20, tendo sido deferido seu processamento na data de 13/01/21, ocasião em que o stay period pelo prazo de 180 dias também foi assegurado ao devedor.
O devedor antes da finalização do prazo de suspensão (que findava-se em 12/07/21), formulou pedido de prorrogação por mais 180 (cento e oitenta) dias, pedido este o qual fora devidamente deferido pelo juízo de primeira instância.
Ocorre que, durante o curso do prazo de suspensão das ações e execuções, não fora possível a finalização do procedimento de recuperação, o que motivou novo pedido pelo devedor de prorrogação do stay period para além do prazo previsto legalmente.
O magistrado de primeira instância, entendendo diante da ausência de previsão legal para prorrogação além de uma única vez, indeferiu o novo pedido de prorrogação, o qual, como mencionado anteriormente, em sede de tutela recursal foi prorrogado pelo TJ/RS, até que se decida definitivamente o recurso apresentado pelo devedor.
Nesse contexto, é importante ponderar que o benefício legal de suspensão das ações e execuções tem por objetivo permitir que o devedor em crise reorganize suas atividades empresariais, impedindo que bens de seu ativo possam ser constritos em benefício apenas de um credor e em detrimento dos demais.
Permitir o prosseguimento das ações e execuções de credores sujeitos a recuperação, pode ensejar graves prejuízos, possibilitando que constrições e restrições recaíam sobre bens do ativo do devedor, inclusive aqueles essenciais às atividades e ao cumprimento do plano de recuperação.
Muito embora pressuponha-se maior celeridade ao procedimento de recuperação extrajudicial, nem sempre a homologação do plano ocorre na velocidade que as partes necessitam e desejam e, nesse sentido, a questão envolvendo a suspensão das ações e execuções ganha relevância, pois nenhuma parte envolvida no processo pode ser prejudicada pela superação do lapso temporal que não tenha concorrido.
Salienta-se que a prática processual tem demostrado que mesmo a prorrogação do prazo autorizada pela lei, por muitas vezes, se mostra insuficiente e incompatível com sua finalidade, que é justamente a preservação da empresa e a superação da crise empresarial, notadamente nos casos quem as demandas tramitam em Varas não especializadas.
Nestas circunstâncias, não tendo o devedor corroborado com a superação do lapso temporal, não é correto considerar que a prorrogação possa ocorrer somente uma única vez, devendo ser mantido o posicionamento jurisprudencial que até aqui se utilizou e que motivou a adequação e reforma da Lei de Recuperações e Falências, permitindo-se nova prorrogação do stay period para além do prazo fixado em lei, de modo a possibilitar que o procedimento atinja sua finalidade maior que é a restauração dos passivos, permitindo que o devedor supere a crise econômico-financeira, quitando seus credores e gerando riquezas.
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1 Agravo de Instrumento 5039803-26.2022.8.21.7000, em 04/03/22.
Cybelle Guedes Campos
Sócia do Moraes Jr Advogados.