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Depósito recursal deveria deixar de existir na Justiça do Trabalho?

A decisão deveria se aplicar, também, aos demais recursos trabalhistas, não só pela declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos, sem limitação ao RE, bem como pelo silogismo trazido no voto do ministro relator.

quarta-feira, 4 de maio de 2022

Atualizado às 08:33

(Imagem: Arte Migalhas)

Há quase um ano, em maio de 2021, o STF julgou o tema 679, fixando a tese no sentido de que "Surge incompatível com a Constituição Federal exigência de depósito prévio como condição de admissibilidade do recurso extraordinário [...]"

Na sequência, fundamentou "[...]sendo inconstitucional a contida na cabeça do art. 40 da lei 8.177 e, por arrastamento, no inciso II da Instrução Normativa 3/1993 do TST."

A decisãotraz a reflexão quanto a necessidade/legalidade da exigência do depósito recursal nos demais recursos na Justiça do Trabalho, valendo o destaque do início do voto do relator, ministro Marco Aurélio:

Discrepa, a mais não poder, da Constituição Federal norma legal a afastar o assegurado no principal rol das garantias constitucionais, que é o acesso. Indaga-se: pode a lei condicioná-lo a depósito prévio? A resposta é desenganadamente negativa. Para a interposição de recurso ao Supremo, não se pode cogitar de pagamento de certo valor.

Em que pese o tema versar sobre a constitucionalidade da exigência do depósito recursal para Recurso Extraordinário - RExt, a decisão entendeu pela inconstitucionalidade do caput do art. 40 da lei 8.177 e, por consequência, o inciso II da IN 3/93 do TST, além de entender pela ausência de recepção, por parte da CF/88, o contido no art. 899, §1º da CLT.

Vale trazer à baila os referidos dispositivos:

CLT - Art. 899 - Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora.

§ 1º Sendo a condenação de valor até 10 (dez) vêzes o salário-mínimo regional, nos dissídios individuais, só será admitido o recurso inclusive o extraordinário, mediante prévio depósito da respectiva importância. Transitada em julgado a decisão recorrida, ordenar-se-á o levantamento imediato da importância de depósito, em favor da parte vencedora, por simples despacho do juiz.

Lei 8.177/91 - Art. 40. O depósito recursal de que trata o art. 899 da Consolidação das leis do Trabalho fica limitado a Cr$ 20.000.000,00 (vinte milhões de cruzeiros), nos casos de interposição de recurso ordinário, e de Cr$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de cruzeiros), em se tratando de recurso de revista, embargos infringentes e recursos extraordinários, sendo devido a cada novo recurso interposto no decorrer do processo.

IN 3/93 do TST - II - No processo de conhecimento dos dissídios individuais o valor do depósito é limitado a R$5.889,50 (cinco mil, oitocentos e oitenta e nove reais e cinquenta centavos), ou novo valor corrigido, para o recurso ordinário, e a R$11.779,02 (onze mil, setecentos e setenta e nove reais e dois centavos), ou novo valor corrigido, para cada um dos recursos subseqüêntes, isto é, de revista, de embargos (ditos impropriamente infringentes) e extraordinário, para o STF, observando-se o seguinte:

[...]

Perceptível que os preceitos legais acima colacionados versam sobre pagamentos de depósitos recursais abrangendo todos os recursos que necessitam de preparo na justiça do Trabalho, não se limitando ao RE. No mesmo compasso, a decisão foi clara quanto a inconstitucionalidade e ausência de recepção dos dispositivos sem limitar sua aplicabilidade ao RExt.

A legislação e a jurisprudência vêm sendo alteradas no sentido de garantir a efetividade do princípio do acesso à justiça, insculpido no art. 5º, XXXV da CF/88, tornando desnecessário o pagamento prévio para realização de atos.

(i) No ano de 2007, o ministro Joaquim Barbosa trouxe entendimento no sentido de que a exigência de depósito prévio para interposição de recursos vai de encontro à garantia constitucional do acesso à justiça:

"EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 32, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 33, § 2º, DO DECRETO 70.235/72 E ART. 33, AMBOS DA MP 1.699-41/1998. (...) DEPÓSITO DE TRINTA PORCENTO DO DÉBITO EM DISCUSSÃO OU ARROLAMENTO PRÉVIO DE BENS E DIREITOS COMO CONDIÇÃO PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DEFERIDO (...). A exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos como condição de admissibilidade de recurso administrativo constitui obstáculo sério (e intransponível, para consideráveis parcelas da população) ao exercício do direito de petição (CF, art. 5º, XXXIV), além de caracterizar ofensa ao princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV). A exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos pode converter-se, na prática, em determinadas situações, em supressão do direito de recorrer, constituindo-se, assim, em nítida violação ao princípio da proporcionalidade. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 32 da MP 1699-41 - posteriormente convertida na lei 10.522/02 -, que deu nova redação ao art. 33, § 2º, do Decreto 70.235/72" (DJ 17.5.2007)

(ii) Em 2011, o STF julgou a ADPF 1562, e entendeu pela "incompatibilidade da exigência de depósito prévio do valor correspondente à multa como condição de admissibilidade de recurso administrativo interposto junto à autoridade trabalhista (§ 1º do art. 636, da CLT) com a CF/88."

(iii) Em 2012, o TST também entendia pela ilegalidade da exigência de depósito prévio dos honorários periciais.3

(iv) Em 2017, a lei 13.467/17 - Reforma Trabalhista - trouxe à CLT o art. 790-B, que, em seu parágrafo 3º, impede a exigência de honorários periciais prévios, antes permitida pela IN 27 do TST.

Em seu voto, o ministro relator Marco Aurélio, ao tratar do inciso XXXV do art. 5º da CF/88, sustenta que o verbete constitucional não se limita tão somente a possibilidade de acesso, mas também à garantia de que não exista obstáculo para sua efetividade:

Essa cláusula constitucional não se limita à simples admissibilidade da ação. É preciso que, em toda a tramitação, seja observado o regramento a disciplinar a atividade do Estado-Juiz. Não se coadunam com a citada garantia obstáculos à entrega da prestação jurisdicional de forma completa.

Na sequência, ao abordar o §1º do art. 899 da CLT e a IN 3/93 do TST, que tratam a necessidade de depósito recursal para conhecimento do recurso, fundamenta que a exigência se mostra como impedimento de acesso ao judiciário:

O que isso representa? Óbice ao acesso ao Judiciário e ao exercício do direito de defesa com os meios e recursos a ela inerentes, compelindo-se o interessado a prática incongruente, ou seja, a de depositar o que entende indevido. Soma-se a inviabilização àqueles sem meios suficientes para a feitura, a interposição do próprio recurso.

Importante a pontuação do excelentíssimo ministro quanto ao agravamento da situação daqueles que desproveem de recursos financeiros para alcançar a efetividade do duplo grau de jurisdição, que está entalhado no art. 8º, 2, h, da Convenção Americana de Direitos Humanos que garante o "direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior."

Na mesma esteira, fundamenta, com ênfase, que exigência de depósito não pode ser considerada conduta legal infraconstitucional plausível:

O Estado não pode - e repito sempre isso neste plenário - dar com uma das mãos e retirar com a outra; não pode preceituar o recurso e, ao mesmo tempo, compelir o recorrente a postura que contraria o inconformismo estampado nas razões recursais. Por isso, tem-se que há vício material. A exigência de depósito para admitir-se o recurso não é razoável.

A concatenação de ideias traz a decisão no sentido de que é inconstitucional a exigência de depósito recursal para o RE. Aliada à declaração de inconstitucionalidade do caput do artigo 40 da lei 8.177 e o inciso II da IN 3/1993 do TST, além da ausência de recepção, por parte da CF/88, o contido no art. 899, §1º da CLT, temos que não é razoável a limitação da decisão somente quanto ao RExt, pois seria pouco efetiva.

Tendo em vista que, para alcançar a possibilidade de interposição do aludido recurso, o caminho a ser percorrido no processo trabalhista, implica em depósitos para Recurso Ordinário, Recurso de Revista, além de eventual Agravo de Instrumento em recurso de revista e, por fim recurso de embargos, que, atualmente, podem alcançar R$ 43.947,20 (quarenta e três mil, novecentos e quarenta e sete reais e vinte centavos), conforme Ato 175/2021 do TST4.

Por tais razões, sustentar que o acesso à justiça se efetiva com a dispensa do depósito recursal apenas na interposição do RE, é ter claro que a decisão do Excelso STF não resguarda o dispositivo da nossa carta magna de acesso à Justiça, bem como se faz contraditória em sua fundamentação quanto a impossibilidade de criação de óbice para julgamento do recurso, pois, pelo menos, outros três obstáculos são impostos para que o RExt seja possível de protocolo.

Ao nosso sentir, a decisão deveria se aplicar, também, aos demais recursos trabalhistas, não só pela declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos aqui citados, sem limitação ao RE, bem como pelo silogismo trazido no voto do ministro relator.

Assim, a decisão ampliaria consideravelmente o Acesso à Justiça e o princípio ao duplo grau de jurisdição, não se limitando, mas sobretudo, às empresas que, por vezes, deixavam de recorrer pela ausência do referido capital que atualmente correspondia ao valor de R$ 10.986,80 para RO e R$ 21.973,60 para RR.

O entendimento dos Tribunais, contudo, é no sentido de manutenção da exigência dos depósitos recursais na justiça do Trabalho.

 __________

1 https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343275999&ext=.pdf

2 https://bit.ly/2yxdBKt

3 https://bit.ly/2XslQzX

4 https://www.tst.jus.br/valores-vigentes

5 O Processo transitou em julgado em 11/6/20.

6 Deve ser ressaltado, por fim, que não houve alteração quanto ao pagamento das custas, sendo, ainda, necessário para o preparo recursal.

Tairo Ribeiro Moura

Tairo Ribeiro Moura

Sócio do MoselloLima Advocacia. Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela PUC Minas. Pós-Graduado em Direito Processual pela PUC Minas Prof. de Processo do Trabalho na FASB em Teixeira de Freitas/BA

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