Fim da emergência em saúde pública de importância nacional pela covid-19: alguns dos impactos nas relações trabalhistas
O fim da ESPIN - emergência em saúde pública de importância nacional não faz com que todas as normas deixem de existir de imediato, o que se faz necessário a implementação de novas normas para estabelecer as devidas adaptações e prazos de implementação.
terça-feira, 3 de maio de 2022
Atualizado às 11:32
Após registro de queda de mais de 80% na média móvel de casos e óbitos pela covid-19, em comparação com o pico de casos originados pela variante ômicron, no começo de 20221, o Ministério da Saúde declarou fim da ESPIN - emergência em saúde pública de importância nacional pela covid-19, através da portaria GM/MS 913 publicada em 22/4/22. A referida aportaria entrará em vigor 30 dias após a data de sua publicação, ou seja, 22/5/22.
Com a declaração expressa do fim da ESPIN pela covid-19, algumas leis que eram exclusivamente fundamentadas na decretação do estado de emergência em saúde pública de importância nacional pelo coronavírus Sars-CoV-2 deixaram de produzir efeitos. Têm-se, a título de exemplo, as leis 14.297/22, 13.979/20 e 14.151/21.
A lei 14.297/22, publicada em 05/1/22, tratou sobre alguns aspectos da relação de trabalho, lato sensu, entre entregador e empresa de aplicativo que realiza a intermediação, por meio de plataforma eletrônica, entre fornecedor de produtos e serviços de entrega e o consumidor.
Após 23/5/22, data do início da vigência da portaria GM/MS 913, as referidas empresas de aplicativos passam a ficar desobrigadas de diversas determinações previstas na lei 14.297/22.
Por exemplo, as empresas de aplicativos passarão a ficar desobrigadas a contratar seguro contra acidentes, sem franquia, para acidentes ocorridos durante o período de retirada e entrega de produtos e serviços. Estarão desobrigadas, também, a assegurar ao entregador afastado em razão de infecção pelo covid-19 assistência financeira pelo período de 15 dias e também passarão a ficar desobrigadas a disponibilizar máscara e álcool em gel para proteção durante as entregas.
Também não será mais necessário que o contrato ou o termo de registro celebrado entre a empresa de aplicativo e o entregador conste expressamente as hipóteses de bloqueio, de suspensão ou de exclusão da conta do entregador da plataforma eletrônica.
Não será mais necessário, também, que a desativação do entregador seja precedida de comunicação prévia, com antecedência mínima de três dias úteis, acompanhada das razões que a motivaram e devidamente fundamentadas.
As empresas fornecedoras do produto ou do serviço não serão mais obrigadas a permitir o uso de suas instalações sanitárias pelo entregador e garantir a este o acesso a água potável. Não será mais necessário, também, que a empresa de aplicativo de entrega e a empresa fornecedora do produto ou do serviço adotem prioritariamente forma de pagamento por meio da internet.
Em que pese a lei 14.297/22 tenha sido publicada exclusivamente para o período da emergência em saúde pública de importância nacional pela covid-19, diversas de suas disposições tratavam da relação ordinária entre entregador e empresas de aplicativo, que independiam da manutenção da pandemia, como era o caso do artigo que previa as hipóteses de desativação do entregador, por exemplo.
A tendência, portanto, é que surjam regularizações acerca da relação jurídica entre entregador e empresas de aplicativo baseadas na referida lei, mas que dependerão exclusivamente de publicação de nova norma, considerando que a partir de 23/5/22, a lei 14.297/22 não produzirá mais efeitos, desobrigando as empresas de aplicativo a seguirem as determinações ali previstas.
Com a declaração oficial do fim da emergência em saúde pública de importância nacional pela covid-19, a lei 13.979/20 também perdeu os efeitos, que, no que tange à seara trabalhista, apenas desobriga os empregadores de fornecer gratuitamente a seus funcionários e colaboradores máscaras de proteção individual.
Importante destacar que a lei 14.151/21, que havia sido recentemente alterada pela lei 14.311/22, publicada em 09/3/22, também perderá os efeitos a partir de 23/5/22, considerando que trata do afastamento da empregada gestante durante a emergência em saúde pública de importância nacional decorrente da covid-19.
A lei 14.151/21 prevê que apenas a empregada gestante, que ainda não tenha sido totalmente imunizada contra a covid-19, deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, a contrario sensu, as totalmente imunizadas podem retomar às atividades presenciais. Com o fim do estado de emergência em saúde pública de importância nacional, não há mais distinção entre as gestantes imunizadas ou não imunizadas. Assim, não haverá mais qualquer dispositivo que produza efeitos que determine que um determinado grupo de empregados permaneça afastado das atividades presenciais.
Assim, salvo os casos em que o empregador concorde em manter a gestante em trabalho domiciliar, ou seja, no regime de teletrabalho, com o fim do estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, todas as gestantes, independentemente, de terem completado o programa vacinal, deverão retornar à atividade presencial.
Neste ponto, importante destacar o art. 75-F da CLT, inserido pela MP 1.108/22, que estabelece que os empregados com deficiência ou que possuam filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade tenham prioridade na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto. Não há a obrigatoriedade, contudo, caso o empregador institua o trabalho remoto, os referidos empregados deverão ser priorizados.
A Lei também permitiu que o empregador alterasse as funções exercidas pela gestante afastada, sem prejuízo de sua remuneração integral e assegurada a função anteriormente exercida quando retornar ao trabalho presencial. Em que pese tal dispositivo não produza mais efeitos, tal prática é permitida no ordenamento jurídico. É possível que o empregador altere as funções do empregado, sem alterar o patamar salarial em virtude do princípio da irredutibilidade salarial e da vedação à alteração contratual lesiva.
Há na lei também a previsão de que a gestante teria livre escolha se se vacinar ou não contra a covid-19, proibindo qualquer restrição de direitos em razão da referida escolha, bem como a exigência da empresa pela vacina. Tal dispositivo também não produzirá mais efeitos.
Ou seja, não haverá mais a previsão normativa com plena eficácia que proíba os empregadores de exigirem vacinação da covid-19 para qualquer empregado. Vale frisar que diversos artigos da portaria MTP 620/21 que proibiam o empregador de exigir comprovante de vacinação foram suspensos em decisão cautelar proferida pelo STF.
Assim, inexistem, atualmente, normas produzindo efeitos que proíbam a exigência do empregador da vacinação da covid-19, seja em relação a qualquer trabalhador, seja em relação às gestantes.
De modo geral, não haverá mais a obrigatoriedade da exigência do uso permanente de máscaras, higienização das mãos com álcool em gel e revezamentos em refeitórios e vestiários ou qualquer outra medida para garantir o distanciamento social. Não haverá mais necessidade de afastar os funcionários com sintomas de gripe nem mesmo encaminhá-lo para exame de covid-19; antecipação de férias individuais e de feriados; suspensão da exigência dos recolhimentos do FGTS; redução de jornada de trabalho e do salário, nem mesmo suspensão temporária do contrato de trabalho com pagamento do BEM - Benefício Emergência para preservar emprego.
Todavia, a depender da atuação da empresa, o empregador poderá, mediante regulamentos internos, manter algumas medidas que entender pertinente, para garantir a saúde e segurança do trabalhador, como, por exemplo, em hospitais onde o risco de contágio é maior. Do mesmo modo, o médico do trabalho poderá avaliar a necessidade de afastamento do colaborador que apresentar sintomas gripais, como medida de prevenção.
Em relação ao trabalho em home office, cabe ressaltar que com o fim da ESPIN - emergência em saúde pública de importância nacional não houve o cancelamento ou modificação das regras previstas na MP 1.108 que regulamenta o regime de trabalho remoto ou híbrido. Assim, os contratos nesta modalidade serão mantidos e outros poderão ser criados enquanto vigorar a medida provisória.
Após mais de dois anos de pandemia e, aproximando-se, esperamos todos, do final dela, ainda há no ordenamento jurídico diversas lacunas e desacordos quanto às novas situações que atualmente são enfrentadas, como são os casos aqui expostos: relação jurídica entre empresas de aplicativo e prestadores de serviço, teletrabalho e exigência de vacinação pelos empregadores, utilização de máscara e distanciamento social no ambiente laboral. Tais situações ficarão mais sedimentadas no ordenamento com o passar do tempo, seja pela criação novas leis, seja pela consolidação de posicionamentos pela jurisprudência.
É certo, portanto, que o fim da ESPIN - emergência em saúde pública de importância nacional não faz com que todas as normas deixem de existir de imediato, o que se faz necessário a implementação de novas normas para estabelecer as devidas adaptações e prazos de implementação e retomada das normas anteriores à pandemia. Assim, é importante que as empresas aguardem até que novos atos normativos sejam publicados, antes de modificar as regras anteriormente estabelecidas.
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1 https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/abril/ministerio-da-saude-declara-fim-da-emergencia-em-saude-publica-de-importancia-nacional-pela-covid-19
2 https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-241408388
3 https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.311-de-9-de-marco-de-2022-384725072
Isadora Andrade Gomes D'Oliveira Santos
Advogada no escritório Silva Matos Advogados. Pós-graduada em Direito e Prática Previdenciária pela Faculdade Baiana de Direito.
Marcelo Pontes Brito
Advogado no escritório Silva Matos Advogados. Mestrando em Educação. Pós-graduado em Direito Processual Civil e do Trabalho pela Escola Paulista de Direito.