Prêmio - natureza da parcela sob o foco trabalhista
A legislação trabalhista vigente avançou, mas ainda é preciso cautela para que o pagamento de prêmios aos trabalhadores possa ser realizado pelas empresas sem percalços.
segunda-feira, 2 de maio de 2022
Atualizado em 6 de maio de 2022 16:13
Grande parte dos empregadores possuem dúvidas quanto ao pagamento de prêmios aos seus empregados, especialmente pela insegurança acerca da natureza da parcela a ser efetivamente paga. O assunto gera discussões no meio jurídico, pois existem lacunas na legislação, ainda não superadas pela jurisprudência.
O risco de gerar um passivo trabalhista e tributário, aliado à insegurança jurídica que cerca o tema - pois inexiste clareza quanto à natureza jurídica do prêmio: indenizatória ou salarial - desencoraja as empresas a realizar o pagamento de prêmios aos seus funcionários, deixando de laurear e incentivar grandes desempenhos nas suas atividades laborais.
Conforme preconiza a CLT (alterada pela Reforma Trabalhista - lei 13.467/17), as empresas podem definir uma premiação aos seus colaboradores, sem que a parcela paga tenha natureza salarial. Para isso, é imprescindível observar alguns pontos.
Pela letra da Lei, é permitido o pagamento de prêmio para um funcionário ou para um grupo de funcionários, quando o resultado atingido foi expressivo e superior ao esperado pela empresa. No entanto, não se confunde com o atingimento de metas.
Para melhor visualização, colaciona-se abaixo os parágrafos 2º e 4º, do art. 457, da CLT, com destaques:
Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
[...]
§ 2º As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.
[...]
§ 4º Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades.
A Reforma Trabalhista buscou alterar a natureza dos valores pagos a título de prêmios/bônus, desatrelando-os da parcela salarial. Vale ressaltar que esses conceitos eram construções doutrinárias e não havia uma regra clara quanto ao aspecto, sendo considerado por muitos doutrinadores, a exemplo de Maurício Godinho Delgado, que prêmio e bônus são verdadeiros sinônimos.
Com a alteração da CLT, em especial no art. 457, os prêmios ficaram atrelados a dois pontos chaves: "liberalidade" e "desempenho superior ao ordinariamente esperado", o que ainda mantém um imbróglio sobre o assunto.
Para se definir um prêmio como sendo uma contraprestação pelo desempenho superior ao esperado (fixados em contrato de trabalho, programas de compliance, regimentos internos, etc.), ficaria claro que a parcela teria natureza retributiva, já que a empresa teria que estipular alguma meta, para que o trabalho pudesse ser avaliado como acima do esperado. Caso o trabalhador atingisse a meta considerada ordinária, seria observado uma normalidade no seu desempenho, sendo que qualquer resultado acima disso, receberia uma premiação.
Num primeiro momento, esta situação estaria de acordo com o regramento definido pela CLT. Ocorre que o segundo ponto chave - liberalidade - pode ser interpretado como uma violação à regra, pois instituir um prêmio no contrato de trabalho vinculado ao atingimento de metas passaria a obrigar o pagamento em razão do ajuste prévio, perdendo a condição de liberalidade.
Este questionamento foi apresentado perante a Receita Federal, que se posicionou no sentido de não considerar como prêmio a parcela que expressamente é prevista, pois descaracteriza a liberalidade do empregador.
Com o advento da MP 905/2019, tentou-se clarear esse ponto, mas a eficácia da medida em questão não se tornou definitiva, pela inércia do Congresso Nacional em aprovar o texto legal. Ou seja, ainda não há consenso quanto à natureza do prêmio quando expressamente definido no contrato de trabalho.
Na prática, o mais seguro para uma empresa, ao implantar o pagamento de um prêmio, é observar o Princípio da Primazia da Realidade, em observância ao regramento contido no art. 9º, da CLT, efetuando o pagamento da parcela a título de prêmio quando efetivamente se observar um desempenho acima do ordinariamente esperado, sob pena de caracterizar a parcela como sendo de natureza salarial.
Quanto ao tema, destaca-se a seguinte decisão:
PRÊMIO. EXIGÊNCIA DE 'DESEMPENHO SUPERIOR AO ORDINARIAMENTE ESPERADO NO EXERCÍCIOS DAS ATIVIDADES DO TRABALHADOR". NATUREZA JURÍDICA SALARIAL SE O PAGAMENTO DECORRE DE CONDUTA NATURAL E NÃO EXTRAORDINÁRIA, COMO POR EXEMPLO PELA ASSIDUIDADE DO EMPREGADO NO SERVIÇO. O prêmio tem como pressuposto o "desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades", como exige o § 4º do artigo 457 da CLT para impedir a sua integração salarial. No caso de pagamento de verba pela assiduidade do empregado, nítido o seu caráter salarial, pois a assiduidade é o que ordinariamente se espera do empregado, por se constituir inclusive em condição natural da própria relação de emprego. (TRT 12. Processo 0000856-19.2020.5.12.0061. Des. Roberto Luiz Guglielmetto. Publicação: 31/03/21)
Para realizar o pagamento de prêmio, nos moldes previstos pela CLT, é muito importante que a empresa tenha documentos contábeis que permitam a verificação de que o desempenho foi superior ao esperado no exercício das suas atividades.
Também deve ser observada a ausência de habitualidade no pagamento da parcela. A jurisprudência está caminhando para aceitar o pagamento de até duas parcelas anuais. Nesse ponto, várias são as discussões. Embora a legislação aponte a possibilidade de pagamento habitual, a Receita Federal orienta a limitar o pagamento, especialmente em relação à questão tributária.
Caso a parcela paga a título de prêmio perca a sua natureza indenizatória, o risco para a empresa é o pagamento de reflexos em verbas trabalhistas, além da incidência de contribuição previdenciária.
Ressalta-se, ainda, que a parcela paga a título de prêmio fica sujeita à retenção do imposto de renda, caso seja devido, independentemente da sua natureza: indenizatória ou salarial.
É anseio das empresas e empregadores a possibilidade de contemplar com maior regularidade seus colaboradores, premiando o esforço, dedicação e desempenho observado nas atividades laborais, que culminam com maior eficiência e produtividade. Isso auxilia a manter o estimulo do trabalho e também reconhece a importância de todos na cadeia produtiva.
É necessário, no entanto, estimular os empregadores a realizar o pagamento de prêmios aos trabalhadores, com a criação de uma legislação clara, segura e eficiente, para que os prêmios a serem concedidos aos trabalhadores não incidam em outras parcelas trabalhistas e tributárias, não esquecendo também de proteger outros direitos dos trabalhadores, evitando o desvirtuamento da parcela a ser paga como prêmio.
A legislação trabalhista vigente avançou, mas ainda é preciso cautela para que o pagamento de prêmios aos trabalhadores possa ser realizado pelas empresas sem percalços. Somente com regras claras quanto a este instituto é que os empregadores poderão premiar com efetividade e segurança o desempenho de seus funcionários.