Dos "julgamentos secretos" pelo TJ/SP
É tempo de dar um basta no feudalismo judicial.
segunda-feira, 2 de maio de 2022
Atualizado às 21:21
Os julgamentos, sessões, audiências e atendimentos virtuais vieram para ficar. Disso não se duvida, tampouco se opõe. O que não entendemos é por que os tribunais não se utilizam de um modelo uniforme, probo, objetivo e, principalmente, transparente, como é o caso de nossa Suprema Corte.
O STF possui, até o momento, o melhor modelo em termos de lisura e garantia das partes no que concerne aos julgamentos virtuais:1 (i) há publicação da inclusão do processo em pauta (independentemente do recurso e da possibilidade de sustentação oral); (ii) há norma que define o período do julgamento (início e fim); (iii) os votos são disponibilizados tão logo proferidos; dentre outras questões.
Existe nitidez quanto à data de julgamento, o período de sua duração, bem como os fundamentos dos votos, possibilitando às partes verdadeiramente participar e influir na tomada de decisões. Como, ali, a sessão virtual dura 5 dias úteis, é possível entregar memoriais e dialogar sobre os votos, concomitantemente ao julgamento. Nada mais salutar.
Por outro lado, os demais tribunais possuem regras e modelos próprios, instituídos por resoluções e provimentos internos. Muitas vezes essas regulamentações transbordam limites, pautando regras processuais e procedimentais diversas do que preveem os códigos de processo civil e penal. Ou seja, traçam ilegalmente2 caminhos que retiram ou restringem direitos das partes, tolhendo garantias instituídas nos regramentos processuais.
É o caso dos julgamentos virtuais perante o TJ/SP. A modalidade, neste tribunal, é regida basicamente pela resolução 549/11, com a redação dada pela resolução 772/17.
Se é verdade que o §2º do art. 1º possibilita a negativa do julgamento virtual pelas partes, independentemente de motivação, a recusa deve se dar em até cinco dias da distribuição do processo, sob pena de preclusão.
A partir daí, cessam os direitos da parte. Em não exercendo a recusa dessa modalidade de deliberação, a parte fica à mercê do acaso. Isso porque, diversamente do que ocorre no STF, no TJ/SP não há publicação de pauta, regulamentação quanto ao período de julgamento, além, claro, da disponibilização dos votos.3
A não publicação da inclusão do feito em pauta de julgamento parece advir do equivocado pensamento de que, se o advogado não fará sustentação oral, não haveria nada mais que pudesse fazer para influenciar no julgamento.
Pegando como exemplo uma apelação criminal: após todo o trâmite processual de razões, contrarrazões e parecer ministerial, os autos vão conclusos para julgamento, com relatório de relator e revisor.
Caso não se oponha ao julgamento virtual, nunca se saberá, com antecedência razoável, quando o processo será levado a julgamento, impedindo o verdadeiro ato de defesa em influenciar o colegiado julgador.
Ora, após a conclusão, o processo será levado a julgamento em uma semana? Um mês? Um ano? Somente a complexidade do feito, a urgência do caso, o acúmulo de trabalho, dentre outras questões, o dirá.
Todos sabemos que, compreensivelmente, magistrados só recebem as partes, em regra, ou nos feitos de sua relatoria, ou naqueles já pautados para julgamento. O procedimento é coerente, dado o excessivo número de processos e trabalho em cada gabinete. Não há por que um desembargador despachar com uma parte um processo que não se sabe quando será julgado. E assim é a praxe forense: magistrados recebem, a qualquer tempo, as partes dos processos de sua relatoria, bem como dos demais processos, quando pautados para julgamento.
Retomando o exemplo dos julgamentos de apelação criminal, o direito ao conhecimento quanto à data de julgamento é cristalino e encontra-se sedimentado inclusive na súmula 431 do STF: "É NULO O JULGAMENTO DE RECURSO CRIMINAL, NA SEGUNDA INSTÂNCIA, SEM PRÉVIA INTIMAÇÃO, OU PUBLICAÇÃO DA PAUTA, SALVO EM HABEAS CORPUS."
O tema será mais uma vez levado a julgamento pelos Tribunais Superiores. No próximo dia 3/5/22 está pautada o HC 712.727/SP perante a 5ª turma do STJ. O fato de o julgamento ser virtual não deve afastá-lo da jurisprudência pacífica daquele Tribunal, para quem "A ausência de intimação do defensor constituído pelo acusado sobre a data do julgamento do recurso de apelação, a teor do disposto no artigo 370, § 1º, do Código de Processo Penal, gera nulidade do processo, tendo em vista que a ausência de publicidade do ato viola o princípio da ampla defesa."4
É tempo de dar um basta no feudalismo judicial. Estabelecer limites e unificar a conduta processual, sob pena de cada Estado, de cada Tribunal, traçar diferentes formas na caminhada processual, o que não só não é recomendável, como fere o art. 22 da CF/88.
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1 Regulamentado pela Resolução do STF 642, de 14 de junho de 2019, com alterações promovidas pelas Resoluções 669, de 19 de março de 2020, e 675, de 22 de abril de 2020; dentre outras normas, como o próprio CPC e a esolução CNJ 313.
2 Não é demais lembrar o art. 22 da Constituição Federal: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
3 Justiça seja feita, a não disponibilização dos votos durante o período de julgamento parece, infelizmente, ser a regra nos instâncias ordinárias. Embora não se tenha tido contato com todos os tribunais do país, dos que tivemos, nenhum segue a transparência de nossa Suprema Corte (são exemplos: TJ/SP, TJ/DFT, TRF-2, dentre outros).
4 Por todos: HC 450.768/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta turma, julg. 26/3/19, DJe 4/4/19.
Pedro Machado de Almeida Castro
Advogado em Machado de Almeida Castro & Orzari Advogados.