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Desumanização das mulheres

O silêncio da violência obstétrica e suas consequências para as mulheres.

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Atualizado às 13:14

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O uso de fórceps, a proibição de doulas ou pessoas de confiança na sala de parto, a manobra de Kristeller, xingamentos, procedimentos desnecessários ou não autorizados pelas gestantes são somente alguns tipos de violência obstétrica cometidos contra mulheres. A paciente deve ser informada e respeitada a todo momento, caso essas condutas não ocorram, a gestante deve procurar assistência e denunciar. Há muita dor no parto, mas não são as dores como as contrações e da expulsão do feto que transformam esse momento em um violento. A violência é causada pelo abuso de poder do médico ou dos profissionais da área que desumanizam as mulheres e as fazem passar por momentos terríveis com consequências irreversíveis.

A Venezuela foi o primeiro país a criminalizar e tipificar a violência obstétrica como "apropriação do corpo das mulheres e do processo reprodutivo pelas equipes da saúde por tratamento desumanos"1. Essa violência reduz as mulheres a um útero que se reproduz e deve ser combatida. A ocorrência desses atos é muito mais frequente do que imaginamos e a denúncia é dificilmente realizada pelos seguintes motivos: as pacientes não sabem que estão sendo violentadas e pela naturalização dos maus tratos dos seus corpos.  A denúncia pode e deve ser feita em diferentes locais: nos hospitais, secretarias de saúde responsáveis pelos estabelecimentos, nos conselhos de classe, centrais de atendimento à mulher ou disque saúde. Dessa forma, os responsáveis pelas violências poderão ser punidos e mais pessoas poderão ter conhecimento sobre o assunto.

Em setembro de 2021, a influenciadora Shantal denunciou os abusos sofridos durante o parto de sua filha2. A paciente relatou ter sido xingada e ter o médico feito o procedimento de episiotomia, que facilita a passagem do bebê, sem a sua permissão. Esse não é apenas um caso isolado, várias mulheres passam por episódios parecidos sem ao menos saberem que estão sendo violentadas. Um estudo realizado em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com o Serviço Social do Comércio, mostra que uma a cada quatro mulheres sofrem algum tipo de violência obstétrica no Brasil3. Os dados assustadores demonstram que grande parte das pacientes é violentada durante a gestação, no parto e no pós-parto. Além dos traumas sofridos pela mãe, o bebê também pode sofrer diversos traumas, tanto físicos, como mentais.

A violência obstétrica no país é negligenciada e ignorada, uma vez que, no Brasil, não há leis específicas que visem proteger e garantir os direitos das gestantes, ou normas que tratem da violência obstétrica e suas definições. Isso mostra o descaso do Estado e o retrocesso do país quanto às mulheres e sua proteção. Sabemos o quanto as mulheres são desvalorizadas no Brasil e ao ignorar essa violência não seria diferente. Até quando nós, mulheres, vamos nos sentir inseguras e desprotegidas até mesmo em um momento tão especial como a gravidez? Esse é um assunto que deve ser tratado com urgência para que atitudes violentas no parto, pós-parto ou durante a gestação sejam mais conhecidos e, consequentemente, menos realizados.

Ignorar e não criminalizar a violência obstétrica é permitir que casos como o de Shantal e tornem cada vez mais frequentes e que as mulheres sofram caladas por não saberem que estão sendo abusadas ou não saberem como denunciar. É necessário que haja uma mudança nesse cenário para que a segurança e humanização das mulheres seja alcançada. Por isso, é importante que debates sobre esse tema sejam realizados recorrentemente no Congresso Nacional para que esse tipo de violência seja tipificado no Código Penal e para que médicos ou profissionais que realizam essas atrocidades sejam responsabilizados e punidos. 

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1 DINIZ, Debora; CARINO, Giselle. Violência obstétrica, uma forma de desumanização das mulheres. El país, 20 mar. 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/21/opinion/1553125734_101001.html#:~:text=A%20viol%C3%AAncia%20obst%C3%A9trica%20%C3%A9%2C%20talvez,parte%20da%20natureza%20dos%20corpos. Acesso em: 27 mar. 2022.

2 VIOLÊNCIA obstétrica: o que é, como identificar e como denunciar. G1, 12 dez. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/12/12/violencia-obstetrica-o-que-e-como-identificar-e-como-denunciar.ghtml. Acesso em: 27 mar. 2022

3 HAMERMULLER, Amanda; UCHÔA, Thayse. Violência obstétrica atinge 1 em cada 4 gestantes no Brasil, diz pesquisa. , 28 jan. 2018. Disponível em: https://www.ufrgs.br/humanista/2018/01/28/violencia-obstetrica-atinge-1-em-cada-4-gestantes-no-brasil-diz-pesquisa/#:~:text=Sofrer%20algum%20tipo%20de%20viol%C3%AAncia,(SESC)%2C%20em%202010. Acesso em: 27 mar. 2022.

Carolina Baptista

Carolina Baptista

Estudante de Direito da FGV Direito Rio.

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