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O trabalho presencial da gestante e a insegurança jurídica

Priscila Kirchhoff e Carlos Eduardo Morais

A despeito de caber ao empregador a decisão de manter a gestante em trabalho remoto ou à distância, é fato que este pode exigir, a partir da inovação legal, o retorno obrigatório daquela ao trabalho presencial desde que atendidas as diretrizes normativas.

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Atualizado às 21:12

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Foi publicada recentemente a lei 14.311/22, modificando as regras que disciplinam o trabalho da gestante no período de pandemia, trazendo previsão de prestação de serviços em regime presencial. A despeito das relevantes alterações legislativas, o setor empresarial deve manter-se atento às oscilações decorrentes de interpretações que surgirão a partir de sua discussão em casos práticos levados a conhecimento e julgamento pela Justiça do Trabalho por empregados, ex-empregados, sindicatos e MPT. Isso porque, em tese, a situação pandêmica ocasionada pela covid-19 segue sem alterações no plano legislativo, inexistindo, de igual modo, consenso médico acerca da imunização completa.

Paralelamente, semelhante debate se acirra no que toca à obrigatoriedade ou não de utilização de máscaras de proteção em ambientes de trabalho fechados por força de decretos estaduais, havendo manifestações em diversas esferas no sentido de que a flexibilização daquelas medidas é prematura e implica em risco à saúde, integridade e higidez do trabalhador. A situação se traduz, em certa medida, na inobservância pelo empregador de seu dever constitucional de redução dos riscos inerentes ao trabalho, mediante a adoção de normas de saúde e segurança do trabalho.  

Apesar das recentes alterações na compreensão do tema no plano regulamentar pelo Ministério do Trabalho e Previdência, é neste aspecto que a nova legislação estabelece polêmica e insegurança jurídica para o empresariado, pois, a um só tempo admite a recusa à vacinação pela trabalhadora grávida e transfere para ela, em uma análise açodada, a responsabilidade pelos danos decorrentes desta prática, o que se daria pela singela assinatura de termo de responsabilidade e de livre consentimento para o exercício do trabalho presencial.

Ocorre que a manifestação de vontade da trabalhadora, ainda que livre de qualquer vício, sofre severas limitações quanto à sua validade quando o objeto transacionado tem contornos de ordem pública, tratando-se de saúde e segurança do trabalhador.   

O paradoxo legislativo vai além, já que autoriza o ingresso da gestante não vacinada nas dependências da empresa, obrigando-a ao cumprimento de todas as medidas preventivas adotadas na contenção da pandemia, de modo que elas seguem implicitamente mantidas, entre elas a utilização de máscaras, haja vista a obrigação legal de adoção de protocolos preventivos rigorosos para a população não vacinada ou com esquema vacinal incompleto.

Em outras palavras, a omissão do empregador materializada na inexistência de medidas preventivas ou na falta de fiscalização de cumprimento daquelas existentes importará, de certo modo, na assunção do risco de sua responsabilização administrativa, civil e criminal em caso de complicações da saúde da gestante e do nascituro decorrentes de eventual contaminação.

Acresça-se a isso o fato que em determinados casos a covid-19 poderá ser considerado doença ocupacional, na medida em que há muito se admite a responsabilização do empregador por danos decorrentes de acidentes e doenças do trabalho, nos casos especificados em Lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade, cabendo ao Poder Judiciário a análise do caso concreto.

Não bastassem os aspectos já debatidos e que contrastam com tudo o que se discutiu e adotou ao longo dos últimos anos, a nova legislação ostenta contornos de ordem política que se colocam em rota de colisão com o entendimento já sedimentado pelo STF quando trata a recusa à vacinação como direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual em inequívoco descompasso com o interesse público.

Isso porque, o pleno do STF nas ADIns 6.586 e 6.587 e ARE 1.267.879, externou entendimento de que a vacinação compulsória pode ser implementada por meio de medidas indiretas, estando compreendidas nelas aquelas que importam restrição ao exercício de determinadas atividades ou frequência a determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes.

A flexibilização, portanto, além de importar no aumento de riscos e exposição ao empresariado no que toca à sua responsabilidade civil-trabalhista, influencia equivocadamente na política de vacinação e combate contra a covid-19, criando excludentes não previstas no ordenamento jurídico ao desconsiderar que o direito individual de autodeterminação desamparado de recomendação médica para tanto não se sobrepõe ao direito da coletividade, tampouco ao direito de terceiros.

Logo, a despeito de caber ao empregador a decisão de manter a gestante em trabalho remoto ou à distância, é fato que este pode exigir, a partir da inovação legal, o retorno obrigatório daquela ao trabalho presencial desde que atendidas as diretrizes normativas, o que, lamentavelmente, acirra a insegurança jurídica que ainda circunda o tema.

Priscila Kirchhoff

Priscila Kirchhoff

Sócia do Trench Rossi Watanabe.

Carlos Eduardo Morais

Carlos Eduardo Morais

Associado da prática trabalhista do Trench Rossi Watanabe

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