Como chegamos à crise entre Executivo e Judiciário
Óbvio que o Executivo tem as suas justificativas políticas para seus atos, assim como o Judiciário tem Leis que justificam suas decisões. Mas o fato é que, com exceção daqueles seguidores menos críticos que tudo aceitam, há uma frustração com o Executivo e com o Judiciário.
sexta-feira, 29 de abril de 2022
Atualizado em 2 de maio de 2022 21:18
De início, bom esclarecer que este texto não tem caráter político, mas quer abordar fatos ocorridos que acabaram gerando a crise institucional que o país atravessa. Não se quer tomar partido de nenhum dos lados, mas dizer verdades sobre todos mesmo sob o risco de desagradá-los.
Condenado em várias instâncias por corrupção e outros crimes, Lula não concorreu nas eleições de 2018 e foi preso em abril daquele ano. Em decorrência da Lava-Jato, foi exposto o Petrolão (escândalo envolvendo diretores da Petrobrás de nomeação política) que levou à cadeia muitos políticos de variados partidos, como PT (Partido dos Trabalhadores) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Havia um clima de que estava havendo um combate à corrupção sistêmica no Brasil e a punição dos envolvidos confirmava isso.
Nessa atmosfera de combate à corrupção e rejeição às velhas práticas políticas, foi eleito Jair Bolsonaro. Iniciou-se o mandato com nomes técnicos nomeados para Ministérios e sem o tradicional loteamento de cargos de primeiro escalão. Entretanto, ao perceber que com essa composição não iria contar com uma maioria parlamentar que desse segurança para chegar ao final do mandato, Bolsonaro cedeu a seus conselheiros militares e fez uma série de composições políticas com o denominado Centrão.
Frustrou-se a expectativa inicial de eliminar a velha política. Com a ida de Sérgio Moro para o governo, a operação Lava Jato começa a desacelerar e suspeitas começam a surgir sobre a imparcialidade do juiz que, após julgar opositores a Bolsonaro, acabou aceitando fazer parte do governo dele. Falava-se muito que Moro teria aceitado o cargo diante de uma promessa para ocupar uma das vagas futuras no STF, versão desmentida pelo governo e por Moro.
No judiciário, em abril de 2019, foi instaurado Inquérito pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, para investigar a existência de notícias falsas contra membros da Corte Constitucional. O próprio ministro Toffoli nomeou como relator do Inquérito o ministro Alexandre de Moraes. Desde a abertura do inquérito muito se questionou sobre sua legalidade e o Ministério Público por meio da PGR, Raquel Dodge, requereu o arquivamento da investigação por considerá-la inconstitucional.
O ministro Alexandre de Moraes recusou o arquivamento e deu seguimento às investigações, levando a questão da validade do Inquérito à votação do plenário do STF. Deu-se aval para a continuidade das apurações e validou-se os atos passados. A partir de então, uma série de operações foram deflagradas e conduzidas pela Polícia Federal atingindo empresários, influenciadores digitais e parlamentares, a maioria deles apoiadores do governo Bolsonaro.
Em novembro de 2019, em uma reviravolta do STF, considera-se a prisão em segunda instância ilegal e Lula é liberado da prisão. Partidários de Lula criticam o STF por tê-lo impedido de concorrer nas eleições de 2018 e partidários do governo e outros setores da sociedade ficam com sensação de insegurança jurídica e impunidade.
Em abril de 2020, Sérgio Moro deixou o governo fazendo acusações contra o presidente, reclamando de interferência do presidente junto à Polícia Federal. A Lava Jato é praticamente enterrada para novas apurações e surgem gravações clandestinas denominadas como Vaza Jato, que demonstram condutas reprováveis do Juiz Moro. Com isso, ministros do STF que reprovavam a operação começam a explicitar que a operação foi toda conduzida de forma ilegal, com atropelo das leis e procedimentos.
Chega 2021 e o presidente adota um tom político agressivo, comparecendo a manifestações que defendem intervenção militar e acusando o STF de ativismo judicial. Os ânimos ficam acirrados até o dia 7 de setembro, mas não há ruptura. Governo e STF vivem uma trégua por meses, mas o país está polarizado, não entre partidos políticos, mas entre o Executivo e o Judiciário.
Deixando paixões de lado, é óbvio que Bolsonaro abandonou o discurso que o elegeu. Não é um novato antissistema, mas um político do velho sistema. Decepcionou muitos, mas manteve uma parcela do eleitorado fiel e que se mantém engajado através das mídias sociais.
O Judiciário, por sua vez, deu andamento ao inquérito com vício de origem, decretou depois de 5 anos a incompetência e imparcialidade de Moro para julgar as ações de Lula. Ajudou a instalar uma visão de que privilegia a impunidade, corroborada ainda pela soltura de um conhecido traficante. Passou a ser criticado por governistas e a ser alvo de constantes recursos da oposição. Perdeu credibilidade.
Óbvio que o Executivo tem as suas justificativas políticas para seus atos, assim como o Judiciário tem leis que justificam suas decisões. Mas o fato é que, com exceção daqueles seguidores menos críticos que tudo aceitam, há uma frustração com o Executivo e com o Judiciário.
E agora, em novo round da "guerra", o Judiciário julga e condena um deputado com base em investigação realizada no inquérito com vício de origem e o Executivo decreta uma graça (indulto individual) anulando a condenação. Ao que tudo indica, não teremos um consenso entre as partes. Assistindo a tudo, um Legislativo pouco ativo que se alia ao Executivo por interesses questionáveis e mantém interlocução com o Judiciário por motivos idem.
Como dito, este texto não opina, não toma partido, apenas relata. Há muito mais a relatar, mas a extensão do texto não permite. Continuemos acompanhando o jogo político, a fogueira das vaidades, o oportunismo e aguardando o próximo dia 7 de setembro.
Francisco Gomes Júnior
Advogado na OGF Advogados. Graduado pela PUC/SP. Pós-graduado em Processo Civil (GV Law) e em Direito Regulatório das Telecomunicações (UNB - Universidade de Brasília).