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Do dever de urbanidade nas relações processuais

Além de um dever, obrigação moral, constitui-se em infração legal o profissional do direito descuidar-se do tratamento urbano para com as partes e demais membros do sistema de justiça.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Atualizado em 29 de abril de 2022 08:18

(Imagem: Arte Migalhas)

Dentre os deveres que devem reger as relações entre advogados, juízes, membros do Ministério Público e serventuários da justiça, está o da urbanidade.

Aliás, a Carta Magna de 1988, consagrou o advogado como "indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da Lei" (CF, Art. 133). Na verdade, "não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos", diz o art. 6.º do Estatuto da OAB. Acrescenta o parágrafo único deste dispositivo legal que "as autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade e condições adequadas a seu desempenho". Mais à frente, adverte o art. 31, do mesmo diploma, que "o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia". Acrescenta o art. 33, parágrafo único, que "o advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina", inclusive "o dever geral de urbanidade".

Por sua vez, no Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, capítulo das relações com os colegas, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros, foi assim disciplinado:

"Art. 27. O advogado observará, nas suas relações com os colegas de profissão, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros em geral, o dever de urbanidade, tratando a todos com respeito e consideração, ao mesmo tempo em que preservará seus direitos e prerrogativas, devendo exigir igual tratamento de todos com quem se relacione.

'§ 1º O dever de urbanidade há de ser observado, da mesma forma, nos atos e manifestações relacionados aos pleitos eleitorais no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil.

'§ 2º No caso de ofensa à honra do advogado ou à imagem da instituição, adotar-se-ão as medidas cabíveis, instaurando-se processo ético-disciplinar e dando-se ciência às autoridades competentes para apuração de eventual ilícito penal.

'Art. 28. Consideram-se imperativos de uma correta atuação profissional o emprego de linguagem escorreita e polida, bem como a observância da boa técnica jurídica".

Assim, está consagrado o tratamento urbano como um dos deveres primordiais nas relações entre advogados e demais membros do sistema de justiça, sendo também esses contemplados com os mesmos deveres em seus respectivos estatutos e leis orgânicas, conforme veremos. É assunto da maior importância, constituindo-se em obrigação, dever, cuja inobservância é passível de reprimenda legal. Acrescente-se a polidez e boa técnica jurídica, como indispensáveis ao bom relacionamento, que se efetivam com postura ética e estudo contínuo.

Na interpretação do Tribunal de Ética e Disciplina do Estado do Paraná o advogado, no exercício da sua profissão, tem o dever de tratar as partes com respeito e urbanidade:

"Ementa: O advogado deve velar por sua reputação profissional, bem como preservar a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, tratando as partes, os colegas e autoridades com respeito e independência. Configura conduta incompatível com a advocacia ofender a honra e dignidade das partes envolvidas. O profissional que não atende a tais preceitos éticos, enquadra-se no artigo 36, inciso II, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, merecendo a pena de censura (OAB/PR, Processo 694/2008, 2008)".

Portanto, o advogado foi reconhecido e consagrado em sede constitucional como indispensável à administração da justiça, reconhecendo-se-lhe a inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da profissão. Foi reconhecido como elo indispensável entre o cidadão jurisdicionado e a efetiva distribuição de justiça; como a única forma viável para efetivar os fundamentos constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Foi-lhe reconhecido o caráter de serviço público, ainda que no exercício de ministério privado. É que o exercício da sua profissão não interessa somente às partes, mas à sociedade como um todo. No exercício da sua profissão o advogado realiza função social, exercita a cidadania e defende o Estado Democrático de Direito, porque sem esses não há advocacia plena, não há justiça, moralidade pública ou paz social, constituindo seus atos em múnus público. Por essa razão, há todo um cuidado na defesa das prerrogativas da profissão e na regulação dos deveres da urbanidade entre as partes da relação processual, conforme explicitamos. É um caminho de mão dupla, pois o advogado deve tratar e ser tratado com urbanidade, que, na verdade é uma regra de conduta entre pessoas civilizadas.

Na lida diária em que vivemos, de debates de ideias e defesa de teses jurídicas, a confraternidade, a moderação nos termos utilizados sem esmorecer na defesa do direito ajudam a tornar o ambiente jurídico mais ameno e respeitosas as relações entre os profissionais do direito. Em nada acrescenta a rispidez, os excessos verbais, ironias denecessárias e ataques pessoais, apenas contribuindo para criar ambiente hostil em torno do agressor.

É importante para o exercício da advocacia o estudo constante e o zelo pela boa técnica jurídica, a discrição no agir e respeito no trato, independência na defesa das teses e intolerância no desrespeito das prerrogativas profissionais. Essas regras de conduta são atributos da ética e constituem dever sagrado desde o compromisso assumido perante a Ordem dos Advogados do Brasil, no momento da habilitação profissional, trazendo como consequência o reconhecimento público e, assim, contribuindo para o prestígio da advocacia perante a sociedade.

No caso dos magistrados, membros do Ministério Público e serventuários, são estes na acepção da palavra, servidores públicos, sobre quem recai dentre outros o dever de zelar pelo princípio da urbanidade. Servidor público não realiza favor, mas cumpre obrigações naturais inerentes do cargo que ocupa, prestando serviço público mediante remuneração do Estado. A lei 8.112/90 (Estatuto do Servidor Público Federal) dispõe em seu art. 116, XI: "São deveres do servidor tratar com urbanidade as pessoas". Assim, essa norma impõe regra de conduta a ser cumprida pelos servidores públicos.

No que se refere ao Ministério Público, a lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional) impõe entre os deveres da categoria "tratar com urbanidade as partes, testemunhas, funcionários e auxiliares da Justiça" (Art. 43, IX).

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional - LOMAN, dispõe (art. 35) que são deveres do magistrado:

"IV - tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procuram, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência".

Portanto, nesse aspecto além de um dever, obrigação moral, constitui-se em infração legal o profissional do direito descuidar-se do tratamento urbano para com as partes e demais membros do sistema de justiça.

Aliás, ao tempo em que o advogado deve respeito e consideração ao magistrado e demais membros do sistema de justiça, deve também exigir a reciprocidade como corolário da justiça e do decoro profissional. Na verdade, a linguagem escorreita e polida, o bom-senso, o domínio da razão sobre a emoção, o tratamento urbano, educado, lhano, embora com independência e firmeza, fomentam um ambiente de trabalho agradável e estabelecem condições favoráveis às conciliações processuais e boa aplicação da justiça.

Reginaldo Miranda

Reginaldo Miranda

Advogado especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual. Possui curso de Preparação à Magistratura. Foi membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI e da Comissão de História, Memória, Verdade e Justiça. Cofundador e presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí. Representa a OAB-PI na Comissão de Estudos Territoriais do Estado do Piauí - CETE (17.2.2021 - 31.1.2023). Membro da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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