MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Governo vende dados dos cidadãos... ANPD vai colocar o guizo no gato?

Governo vende dados dos cidadãos... ANPD vai colocar o guizo no gato?

Portaria da Receita Federal autoriza o SERPRO a se remunerar com a venda de dados pessoais que estão sob a guarda do Poder Público.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Atualizado às 13:01

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No país em que não se morre de tédio a Receita Federal autorizou o SERPRO a vender dados pessoais da população brasileira, sem consentimento de seus titulares, fazendo um caixinha para custear sua infraestrutura.

Após se fingir de morta em episódios anteriores, vazamentos e ofertas de degustação pelo poder Executivo Federal de dados pessoais de cidadãos sob sua guarda, a ANPD divulgou 'nota de esclarecimento' comunicando que tomou conhecimento do fato e instaurou processo administrativo com intuito de avaliar a adequação do normativo às disposições da LGPD.  Ou seja, sequer foi consultada pelo Poder Público!

A portaria 167/22 da Receita Federal autoriza o SERPRO, a disponibilizar para terceiros, acesso a dados e informações sob gestão da Receita Federal, conforme portaria MF 457/16.

A gravidade da questão reside na necessidade de efetivo controle desse incontrolável guardião.

De forma genérica o texto normativo informa que:

 'A disponibilização de acesso a dados e informações destina-se à complementação de políticas públicas, voltadas ao fornecimento de informações à sociedade, através de soluções tecnológicas complementares às oferecidas pela RFB'.  Sabe-se lá o que isso significa ...

 Tem permissão legal de realizar tratamento para o cumprimento de políticas públicas.  Quais seriam essas políticas ...?

 Assegura a implementação de processo de identificação de risco institucional ou risco ao sigilo da pessoa física ou jurídica a que se referem os dados e informações. Não diz qual processo ...

 Dará acesso a dados e as informações mediante a apresentação do argumento de consulta estabelecido para cada conjunto de dados e informações, nos termos do Anexo Único. Quais argumentos serão acatados? Quem pode pedir o quê e a quem?

Balizas legais

O Poder Público tem acesso aos dados constantes de suas bases, mas não é o dono deles.

A LGPD estipulou regras e limites para o tratamento de dados pessoais custodiados pelo Poder Público: deverá ser realizado para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres.

Como fiel guardião dos dados pessoais de terceiros, eventual compartilhamento deve atender a finalidades específicas de execução de políticas públicas e atribuição legal pelos órgãos e pelas entidades públicas, respeitados os princípios de proteção de dados pessoais elencados na lei.

A transferência de dados pessoais a entidades privadas, constantes de bases de dados a que tenha acesso, somente poderá ocorrer em casos de execução descentralizada de atividade pública que exija a transferência, exclusivamente para esse fim específico e determinado, observada a LAI; nos casos em que os dados forem acessíveis publicamente, observadas as disposições legais; quando houver previsão legal ou a transferência for respaldada em contratos, convênios ou instrumentos congêneres; ou  na hipótese de a transferência dos dados objetivar exclusivamente a prevenção de fraudes e irregularidades, ou proteger e resguardar a segurança e a integridade do titular dos dados, desde que vedado o tratamento para outras finalidades.     

Autoridade Nacional de Proteção de Dados

Deve ser comunicado à autoridade nacional a transferência de dados respaldados em contratos e convênios, assim como uso compartilhado de dados pessoais de pessoa jurídica de direito público a pessoa de direito privado, pendente de regulamentação.

A autoridade pode estabelecer normas complementares para as atividades de comunicação e de uso compartilhado de dados pessoais e sobre as formas de publicidade das operações de tratamento. A qualquer momento pode solicitar aos órgãos e às entidades do poder público a realização de operações de tratamento de dados pessoais, informações específicas sobre o âmbito e a natureza dos dados e outros detalhes do tratamento realizado, podendo emitir parecer técnico complementar para garantir o cumprimento da LGPD.

A apuração da constitucionalidade dessa portaria da RFB passa obrigatoriamente pela análise das normas jurídicas, pela obediência aos comandos legais de maior hierarquia e da verificação da autorização expressa exigida no direito público, avaliada a permissão de compartilhamento de dados pessoais sem autorização do titular, escudado no requisito 'da necessidade de desenvolvimento de políticas públicas'.

O ato administrativo que autorizou a fuga de dados sob proteção pública deve respeito à ordem de prevalência legal, sob pena de nulidade de pleno direito.

Paradoxo

Como responsável por organizar a proteção e o tratamento de dados pessoais no país, ao invés de embalar nossos dados no berço da segurança, o Poder Público os comercializa e aufere lucro.  

Por óbvio não se espera que a ANPD seja uma fábrica de multas. O Poder Público está isento do pagamento de multas, mas não da obrigação de cumprir as determinações contidas na LGPD.

Ecossistema normativo

O dever de casa da ANPD está aqui:

Constituição Federal

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

EC 115 - Altera a Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais e para fixar a competência privativa da União para legislar sobre proteção e tratamento de dados pessoais

Lei complementar 95/1998 - Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona.

Lei 12.527/98 - Lei de Acesso à Informação

Lei 13.709/18 - Lei Geral de Proteção de Dados

Decreto nº 10.139/2019 - Dispõe sobre a revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decreto.

Decreto 10.206/2020 - Dispõe sobre a qualificação do Serviço Federal de Processamento de Dados no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República e sobre a sua inclusão no Programa Nacional de Desestatização

Portaria MF 457/2016 - Dispõe sobre a disponibilização de acesso, para terceiros, pelo Serviço Federal de Processamento de Dados, a dados e informações que hospeda, para fins de complementação de políticas públicas.

Acordo de Cooperação Técnica 04/2021 - Acordo que entre si celebram a Receita Federal do Brasil e as Secretarias de Fazenda, Economia, Finanças ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal, relativo à implantação do ambiente centralizado de serviços das administrações tributárias federal e estaduais.

Portaria RFB 167/2022 - Autoriza o Serviço Federal de Processamento de Dados a disponibilizar acesso, para terceiros, dos dados e informações que especifica.

Revoga 12 Portarias da RFB: 2.189/2017; 849/2020; 1.079/2020; 4.255/ 2020; 4.794/ 2020; 12/ 2021; 27/ 2021; 38/ 2021; 62/ 2021; 87/ 2021; 147/2022 e 153/ 2022

Conjuntos de dados e informações tornados acessíveis pela Portaria RFB

CPF - CNPJ - CND - Conhecimento de Embarque-Mercante - Consulta da Data da Última Atualização - Manifesto - Consulta da Data da Última Atualização - Escala - Consulta da Data da Última Atualização - Consulta a Dados - Conhecimento de Transporte Marítimo (CE-Mercante) - Consulta a Dados do Manifesto Marítimo - Consulta a Dados do Manifesto Marítimo - Nota Fiscal Eletrônica - Declaração de Importação - Consulta à Data da Última Atualização - Consulta à Declaração de Importação -  Declaração de Importação - Consulta Avulsa do Vicomex - Procurações -  Caixa Postal -  Caixa Postal - Detalhes Mensagens -  Caixa Postal - Indicador de Novas Mensagens -  DARF - Consolidar e Emitir  argumento de entrada  -  DCTF - WEB - Validação Autorização  argumento de entrada - Integra Simples Nacional   argumento de entrada - Integra PGDASD-CONSULTAS - Integra DEFIS-CONSULTAS -  Integra DEFIS-Entregar Declaração    argumento de entrada -  Integra DASNSIMEI   argumento de entrada - Integra PGMEI   argumento de entrada - Integra PGDASD  argumento de entrada -  Consulta Comprovante de Pagamento

Ana Amelia Menna Barreto de Castro Ferreira

VIP Ana Amelia Menna Barreto de Castro Ferreira

Advogada especialista em Direito Digital do escritório Barros Ribeiro Advogados Associados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca