Trisais: segurança jurídica é baixa nesse tipo de relacionamento
O fato de o tema vir sendo tratado cada vez mais às claras é um alerta para que os operadores do direito estejam preparados para se debruçar sobre a questão que deve ter demanda crescente nos próximos anos.
segunda-feira, 25 de abril de 2022
Atualizado às 12:01
Recentemente reportagens veiculadas na mídia sobre "trisais" - isto é, pessoas que vivem relacionamentos amorosos a três - que contam sobre seu estilo de vida tiveram grande repercussão. O tema mexe com crenças morais ou com a curiosidade dos leitores, desperta revolta de uns, leva aqueles que têm mais senso de humor a fazerem brincadeiras e também move os que defendem que "toda forma de amor vale a pena". Mas fato é que, à parte das visões norteadas pela moralidade, esse tipo de arranjo familiar deve gerar grandes desafios ao Judiciário. O tema ainda é novo e quem se propõe viver um relacionamento deste tipo deve estar ciente de que a segurança jurídica é baixíssima.
Seja qual for o arranjo, quando há pessoas envolvidas, há naturalmente riscos de conflito. Em relacionamentos heteroafetivos ou homoafetivos, são recorrentes questões como divisão de bens em caso de separação, disputas por guarda ou pelo direito à pensão em caso de morte. No caso de um "trisal", será mais uma parte envolvida, mais possibilidades de conflitos que se abrem. O que fazer se ficarem duas partes contra uma? Como seria a guarda compartilhada de filhos biológicos ou adotivos? Em caso de morte, a pensão será dividida igualmente?
É fato que no direito soluções podem sempre ser elaboradas a partir de situações similares ou do direito comparado. Em determinados casos, como o de partilha, poderia se tomar como parâmetro o que ocorre quando há diversos filhos herdeiros. Mas a relação de entre genitores e filhos é diferente da conjugal.
Os envolvidos podem recorrer a contratos que registrem seus interesses em relação aos respectivos bens, por exemplo, e sempre é possível fazer o planejamento sucessório. Mas a questão é que não há legislação sobre o tema e os precedentes fragilizam do ponto de vista jurídico que se propõe a viver uma relação poliafetiva.
O Código Civil, prevê no artigo 1.723 somente a existência de relacionamento monogâmico. Em 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou resolução em que proibiu os cartórios de registrarem uniões estáveis poliafetivas. Na ementa, o CNJ pontuou que: "a) as regras que regulam relacionamentos monogâmicos não são hábeis a regular a vida amorosa "poliafetiva", que é mais complexa e sujeita a conflitos em razão da maior quantidade de vínculos; e b) existem consequências jurídicas que envolvem terceiros alheios à convivência, transcendendo o subjetivismo amoroso e a vontade dos envolvidos".
Em 2020, o STF afastou a possibilidade de duas uniões estáveis concomitantes e negou um pedido de divisão de pensão. Para a corte, a existência do relacionamento entre duas partes automaticamente inviabilizava juridicamente o reconhecimento da união com a terceira parte.
Ainda que comentários de redes sociais não sejam fonte científica, servem para mostrar como algumas pessoas percebem determinado contexto. Entre ironias e posicionamentos mais sérios, uma das constatações comuns diante das reportagens sobre trisais é que "isso não é novidade", "sempre existiu" e há até os mais conformados que dizem: "fiz parte de um, só não fui avisado". Mesmo que essa configuração não seja exatamente inovadora, foi por séculos tratada de maneira velada e sem quaisquer garantias às partes envolvidas, especialmente mulheres e crianças. E o fato de hoje as pessoas terem menos constrangimento em assumir sua situação não lhes traz automaticamente garantias jurídicas.
Realmente deixar de falar não fará com que questão deixe de existir. E o fato de o tema vir sendo tratado cada vez mais às claras é um alerta para que os operadores do direito estejam preparados para se debruçar sobre a questão que deve ter demanda crescente nos próximos anos.