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Governança em startups

Em um momento inicial, já devem os sócios ter clara a ideia de quais serão as responsabilidades e atribuições, bem como remunerações, a fim de evitar mal entendidos no futuro.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Atualizado às 13:44

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

As startups são empresas pequenas reconhecidas pela sua capacidade de inovação e potencial de relevante crescimento, idealisticamente associadas a ideias disruptivas e escaláveis. Nem sempre, porém, as startups terão sucesso, por muitos fatores, sendo a falta de boa governança um dos fatores que podem contribuir para o insucesso do empreendimento empresarial.

Nesse sentido, é dever do advogado sempre alertar os clientes a respeito das diversas possibilidades de criação de mecanismos juridicamente adequados à busca de uma melhoria contínua na governança, assim compreendida a adequada relação entre sócios, diretorias, investidores e, inclusive, relacionamento íntegro e transparente com a comunidade.

A forte tendência de preocupação com os pilares ESG, ambiental, social e governança, põe em relevo, mais do que nunca, a necessidade de plena aplicação de tais premissas, de modo a ajustar a conduta da empresa às boas práticas do atual contexto social e corporativo, independentemente de seu porte econômico.

Com efeito, é a partir da particular configuração das startups que emergem algumas dificuldades para adoção e prática de uma boa governança: ao mesmo tempo que a startup ainda não é uma empresa consolidada, muitas vezes amarga prejuízos por anos, dela se exige, desde seu nascedouro, a adoção de estruturas compatíveis com o patamar a que almeja chegar, inclusive para poder atrair capital ao seu desenvolvimento. Significa dizer que a startup tem pouca margem de erro, ao menos se quiser ter o crescimento exponencial que dela se espera.

Em um momento inicial, já devem os sócios ter clara a ideia de quais serão as responsabilidades e atribuições, bem como remunerações, a fim de evitar mal entendidos no futuro. Sem alinhamento na largada, não há como avançar. Nesse sentido, compartilhar valores comuns é ponto fundamental para a empresa possua uma diretriz valorativa clara: a solução dos problemas futuros depende de um alinhamento de valores dos sócios, pois sócios que têm valores antagônicos não poderão nem dirimir as divergências futuras de modo saudável, nem tampouco imprimir à empresa a sua visão.

Vamos examinar, resumidamente, alguns dos instrumentos hábeis, necessários, mas não suficientes, para uma boa governança.

O primeiro passo é assinar o acordo de fundadores, founders agreement, no qual deverão ser esclarecidas algumas importantes questões, tais como: a função de cada sócio no empreendimento, a participação de cada um no capital social, a perspectiva de saída de sócios, permanência mínima no empreendimento, expectativas financeiras, prazos, objetivos, previsão de admissão de novos sócios etc. O objetivo do acordo de fundadores é fazer com que os sócios não "esqueçam" o que foi combinado no início.

Com o começo propriamente da atividade empresarial, o contrato social é condição jurídica obrigatória para dar "vida" à empresa, segregando o patrimônio da sociedade do patrimônio individual dos sócios. De natureza técnica e burocrática, o contrato social impõe natureza jurídica e exigibilidade daquilo que pactuado, seja entre os próprios sócios, seja na relação da empresa com terceiros. Serão consignados temas como o local da sede, o capital social, e sua divisão, administração, representação legal etc.

De forma paralela ao contrato social, é recomendável que os sócios também realizem um contrato denominado acordo de sócios, que é de natureza facultativa e, caso não seja elaborado no início da empresa, poderá ser feito a qualquer tempo. Seu objetivo é facilitar a relação dos sócios, reduzindo o espaço de possíveis conflitos futuros, mediante prévia regulação consensual dos diversos pontos que os sócios entenderem pertinentes, como, por exemplo, questões sobre votação em conjunto, direito de preferência, venda conjunta de participação, tag along, drag along, não competição, distribuição de lucros etc.

Quando da implementação do plano de crescimento, é natural que a startup busque novos investidores, dispostos a injetar capital na empresa em troca de um percentual do capital social, equity. Com isso, fundamental que se dê atenção às modalidades de captação de recursos, sendo o mútuo conversível e a atribuição direta de participação, cotas ou ações, o mais comum. Em havendo sucessivas rodadas de captação, é prudente que se mantenha estrutura idêntica quanto aos direitos e deveres dos novos investidores, sob pena de gerar-se situação de conflito de interesses no futuro.

Como forma de reter talentos, pode a startup valer-se da prática de vesting, que consiste na concessão de uma parte do capital social àqueles que cumprirem determinadas pré-condições, como o exercício da função por um período de tempo mínimo.

Para as empresas que se mostrarem promissoras e já com alguma maturidade, a instalação de um conselho de administração é recomendável, pois permite a profissionalização da estrutura de governança corporativa, com formalização de instâncias decisórias e assunção de responsabilidades. Os conselheiros são responsáveis pela adoção de diretrizes e tomada de decisões fundamentais à empresa, devendo prestar contas aos sócios, e, em uma visão mais moderna, a todos os stakeholders.

Ainda, fundamental uma boa organização contábil, que seja eficiente e pautada pelas melhores práticas: a existência de passivos ocultos, muitas vezes por mera desorganização, fará com que o valor da empresa seja penalizado quando de uma futura avaliação por potencial interessado, prejudicando financeiramente a saída dos sócios. A instalação de um conselho fiscal e um comitê de auditoria podem ser necessários se a robustez econômica da empresa assim permitir.

Por fim, mas não menos importante, sempre será tempo para buscar a melhor aderência às práticas ESG, as quais, para além da valorização da própria empresa, em interesse dos sócios, também contribuem com os interesses dos demais stakeholders, buscando a sustentabilidade em todas as formas de atuação da empresa.

Matheus Teixeira da Silva

Matheus Teixeira da Silva

Advogado, Mestre em Filosofia, Mestre e Doutorando em Direito (Universidade Autônoma de Lisboa), Especialista em Direito do Estado, Processo Civl e Direito Empresarial. www.matheusteixeira.com

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